O cinema e os jogos sexuais

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A atração do cinema por perversões sexuais não é recente nem inovadora, basta pensarmos nos filmes de Pasolini (Saló, As Mil e Uma Noites, etc.), nas películas de Bertolucci (Último Tango em Paris, Os Sonhadores, entre outros), em Adrien Lyne (9 Semanas e Meia), e isto só para dar exemplos. Na realidade, há variadíssimos filmes comerciais e de autoria, que se relacionam com a sexualidade de uma forma amoral, não privilegiado na equação o elemento amoroso.

As cinquenta sombras mais negras e Ela
Estreou na semana passada, em Portugal, a sequela de As Cinquenta Sombras de Grey. Depois do sucesso comercial do primeiro filme, vemos agora a segunda parte da trilogia de E.L. James, em que Dakota Johnson e Jamie Dornan voltam a ser os protagonistas. Voltando a repetir o sucesso comercial, As cinquentas sombras mais Negras conseguiu, apenas numa uma semana de exibição nas salas portuguesas, mais de 120 mil espetadores. Ao que parece, a opinião desencorajadora da crítica nacional e internacional acerca da qualidade do filme não demove o interesse e a curiosidade dos espetadores.

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Também estreado recentemente nas salas portuguesas, o filme Ela, realizado por Paul Verhoeven (com 78 anos), e protagonizado por Isabelle Huppert (premiada como melhor atriz com um Globo de Ouro), tem como temática a pulsão sexual e a forma inconvencional como se pode manifestar. Verhoeven e Huppert não são novatos na temática da perversão sexual. De Verhoeven basta vermos o seu célebre filme Instinto Fatal e de Isabelle há vários filmes, mas bastaria vermos a sua interpretação de A Pianista (realizado por Haneke), para termos uma ideia de o que é que estes artistas são capazes.

Violência sexual comercial e de autoria
Não sofrendo qualquer espécie de preconceito artístico comparemos o nível de violência sexual nos filmes As Sombras Mais Negras e Ela. O primeiro abre com a cena de um ato sexual convencional (para mostrar como o casal de protagonistas se relaciona nesta nova fase, só desenvolvendo mais tarde níveis de violência) e o filme Ela abre com o som da agressão sexual à protagonista Michèle na sua própria casa. Se em termos de alcance artístico estamos a comparar o incomparável – As Sombras é apenas uma narrativa de entretenimento e o Ela uma crítica bem-humorada à burguesia ocidental – podemos compará-lo no domínio da violência sexual. Michèle Leblanc (Huppert) é uma divorciada de 60 e poucos anos que é brutalmente violada em sua casa. No entanto, para surpresa de todos esta reage quase indiferente, não fazendo sequer queixa à polícia (vemos mais tarde que tem uma relação traumática com a entidade policial). Leblanc tem uma empresa de jogos de computador e vive ao nível da alta burguesia: casa enorme com jardim, boa viatura, jantares em restaurantes caros, etc. Leblanc vive de forma despudorada a sexualidade e mantém vários relacionamentos estritamente sexuais com alguns parceiros em simultâneo. Controlando emocionalmente todos à sua volta. O surpreendente é que a vida de Leblanc agita-se a partir do momento em que começa a receber mensagens do suposto violador e não a partir da violação. Começando então o seu próprio jogo (em modo de fuga ao tédio da vida burguesa).

Em As Sombras Mais Negras o casal de protagonistas encontra-se numa nova dinâmica de “heterossexualidade normalizada”. A partir de certo momento tem de lidar com os fantasmas perversos do protagonista Christian e com a ambiguidade (recalcamento?) da vontade “sadomasoquista” da protagonista feminista. Já a aparição de Kim Basinger no papel de Elena Lincoln, vem determinar a origem de Christian nos jogos de submissão sexual – ela é a mãe do protagonista e prostituta quando ele nasce. Uma forma de justificar a génese da perversão, coisa que no filme Ela não existe. Não há essa necessidade moralista de apaziguar e justificar a origem das perversões.

Contudo, ambos os filmes tocam na questão do jogo sexual embora o abordem de formas díspares (com mais ou menos profundidade). A principal diferença talvez seja o peso que cada um dá ao poder da figura feminina. Enquanto em Ela, a protagonista é uma controladora desinibida, perto da sociopatia, com poder, em As Sombras, a figura feminina central não controla o seu próprio destino, continuando servil às questões amorosas. Ou seja, se no filme francês a violência sexual é vista como uma perversão feminina e do seu domínio sobre a mesma, no blockbuster anglófono a violência a que se sujeita a protagonista é tendencialmente um meio para obter um objetivo amoroso/romântico.

A perversão vende
O certo é que a temática dos jogos sexuais continuar a vender. Seja ao nível do cinema de autor (o filme de Verhoeven arrecadou diversos e importantes prémios da crítica), quer ao nível de valor de mercado (a receita de bilheteira de As 50 Sombras de Grey rendeu mais de 502 milhões de dólares em 2015; fora o lucro obtido na venda dos livros; e o lucro das sex shops, através da venda de vários acessórios eróticos presentes na narrativa de E.L. James.). Vamos ver quando irá render o segundo filme da trilogia, mas a julgar pelos resultados das primeiras, diríamos que é já um sucesso comercial. E ainda há quem diga – há estudos recentes nesse sentido – que o sexo já não vende.