Mariana, a primeira chica poderosa

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Lisboa, 02/09/2016 - Mariana Moura dos Santos, fundadora do projecto de empoderamento de jornalistas mulheres Chicas Poderosas. Mariana Moura dos Santos (Gerardo Santos / Global Imagens)

Foi sob a pressão da entrega de um projeto – entre as dezenas que liderou enquanto esteve no jornal The Guardian – que o chefe de Mariana Moura Santos, Alastair Dant, a desafiou a fazer uma pausa. «Quero que venhas comigo conhecer uma jornalista da Costa Rica que já meteu três presidentes da República na cadeia.» Mariana protestou. «Estava em cima de um deadline, não levantava sequer os olhos do ecrã do computador, esquecia‑me de comer. Não queria interromper o que estava a fazer para ir conhecer alguém», diz, misturando português e inglês, língua de trabalho e de tantos contactos profissionais. «Eu não te estou a pedir, Mariana. Sou o teu chefe, fazes o favor de fazer o que te mando.» Mariana Santos, 33 anos, designer interativa, portuguesa, assentiu. Na altura integrava a primeira equipa interativa do jornal britânico e a palavra de Alastair, seu mentor, era lei. E se, nesse dia, a oportunidade de conhecer a jornalista Giannina Segnini não pareceu imperdível, Mariana admite agora que foi um dos acontecimentos que mais contribuíram para o que veio a seguir.

Mas comecemos pelo princípio. Mariana, 33 anos, algarvia, estudou Belas-Artes na Universidade de Lisboa. Na altura com 18 anos, saída de casa dos pais pela primeira vez, escolheu escultura mas depressa percebeu que paixão podia não ser sinónimo de vocação. «Era conhecida como Mariana parte‑tudo: pegava em gesso e era gesso por todo o lado», recorda. Decidiu mudar de curso, para Design de Equipamento, por considerar uma vertente «um pouco mais subtil». «Fazer cadeiras e mesas já não era tanto gesso e barro, era mais controlável. Fiz o bacharelato, três anos de estudos. Mas quando comecei a fazer as infografias para os projetos que planeava, como cortar uma cadeira e organizar a respetiva informação gráfica, apaixonei‑me. Aquilo é que eu gostava de fazer.» Mudou de curso pela terceira vez, agora para Design de Comunicação. Dois anos do tronco comum e um ano de atraso na conclusão garantiram a vontade de estudar fora, ao abrigo do programa Erasmus. Mudou‑se durante um ano para Saint Etienne, em França. A mudança teve tanto de difícil como de desafiante. «Foi uma liberdade brutal e uma solidão gigante.» A experiência, além de vivida, ficou guardada no livro Se Não Acreditas em Ti Acreditas em Quê?, que publicou em parceria com a Universidade de Lisboa. «Recém‑chegada a Portugal, em novembro de 2008, enviei um email para a faculdade a dizer que tinha escrito um livro a contar a minha experiência e que achava que o que tinha escrito podia incentivar mais alunos portugueses a estudar fora.»

Mas foi precisamente aí, à chegada, que lhe pareceu que Portugal era ainda mais pequeno do que no dia em que tinha partido. Depois de França, veio Berlim, para onde viajou à procura de casa para uma amiga que ia mudar‑se para a capital alemã. «Não queria desperdiçar a viagem e marquei algumas entrevistas de trabalho.» Fez as malas pouco tempo depois e mudou‑se para aquela cidade para trabalhar numa agência onde aprendeu design interativo e trabalhou com Mariah Carey.

«Percebi em Berlim que as mulheres têm outra forma de ver o mundo e que isso se reflete no trabalho que fazem, em qualquer que seja a área em que se mexem.»

[blockquote author=”” ][/blockquote]Ainda voltou a Portugal mas descobriu na Suécia um mestrado na área de Design Interativo. Mariana pagou o curso com um empréstimo bancário, depois de ter pedido dinheiro ao pai e de este lhe ter negado o valor necessário. «Disse‑me: “Já chega de viver fora, é hora de voltares para casa.”» Nos tempos livres do curso, Mariana trabalhava num restaurante em Estocolmo. O dinheiro que juntou serviu para, numas férias da Páscoa, viajar para Londres. Foi nessa viagem que a designer conheceu Alastair Dant, depois de «alguém» que já não recorda lhe ter falado nos projetos que o jornal fazia em matéria de jornalismo interativo. Mariana não se lembra bem de como tudo aconteceu. Sabe que, do email à conversa por Skype foi um processo relativamente rápido. E que, dessa primeira conversa ao contrato para integrar a equipa de design interativo do The Guardian, na qual foi a primeira mulher, foi outro instante. «Eu acredito muito em mim. Se não sei, vou aprender mesmo rápido, vou evoluir se me derem oportunidade de aprender. Nem que não durma durante semanas mas eu aprendo. Comecei a fazer protótipos e, quando cheguei, ele começou a ensinar‑me a fazer design interativo. Durante três anos, foi o meu mentor, lado a lado, de um para um. É o melhor, não só pela dedicação que ele teve mas por todo o tempo que me dedicou.»

Aos 28 anos, Mariana era uma espécie de braço direito do chefe britânico: coordenava projetos, candidatava trabalhos a concursos internacionais e «andava feliz da vida». Durante os três anos em que trabalhou com Alastair, Mariana renegociou salário e conseguiu. Só que, no dia em que o chefe decidiu aceitar o desafio para integrar a equipa do The New York Times, em Nova Iorque, Mariana sentiu a notícia como o princípio do fim de um ciclo.

Com a saída do mentor, Mariana deixou de sentir os desafios como antes. E, quase como por magia, foi por esses dias que recebeu um email do International Center for Journalists a desafiá‑la a criar um projeto e a candidatar‑se a uma bolsa envolvendo o jornalismo na América Latina. Foi nesse dia que Mariana se lembrou: Giannina.

A segunda vez que a jornalista costa‑riquenha viu Mariana Santos foi por Skype, de toalha na cabeça. Mariana contou‑lhe dos planos para criar um projeto que envolvesse mulheres e que levasse mais raparigas a arriscarem carreiras ligadas à tecnologia, nas redações de todo o mundo. Nessa chamada de Skype ficou prometido: Mariana iria trabalhar com Giannina na redação do La Nación, principal diário da Costa Rica. Giannina já estava a tratar de um computador para sentar a portuguesa ao seu lado.

Durante um ano e meio, Mariana viajou por vários países latino-americanos à procura e a oferecer inspiração. Trocava contactos, mandava emails, batia a portas. Um dia, em maio de 2013, em Santiago do Chile, em conversa com Miguel Paz, fundador do projeto chileno Poderopedia, tentou sistematizar a ideia: criar um movimento de empoderamento que desse às mulheres a confiança para arriscar e aos homens a confiança para as deixarem arriscar. Nesse mesmo dia, Miguel teve a ideia do nome: juntar poder, superpoderes, a mulheres. «Mulheres poderosas podia ser demasiado agressivo. Ficou Chicas, Chicas Poderosas.» O primeiro evento foi no Chile, três semanas depois.

De regresso à Costa Rica, começou a trabalhar no plano estratégico e a contactar potenciais parceiros. «Quis levar essa pica toda a miúdas como eu, mas que nunca tinham tido a sorte de ter o mentor que eu tive. Queria replicar o que o Alastair fez comigo com outras pessoas, não sendo só eu mas convidando outros mentores de outros meios. Se comigo resultou, porque não havia de resultar com outras pessoas? É através da mentoria que conseguimos chegar mais longe. O que aprendemos na escola é uma parte mínima daquilo que podemos vir a fazer.»

Nos últimos quatro anos, Mariana organizou eventos das Chicas Poderosas em Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, El Salvador, Colômbia, Costa Rica, México, Peru e Estados Unidos. Entretanto, com a saída de Gianinna do La Nación, Mariana também se mudou para integrar a equipa de media interativos da Fusión, em Miami.

O movimento é desde há um mês uma organização sem fins lucrativos que já envolve mais de 1700 pessoas. Além de Mariana, há agora outra diretora e uma rede de embaixadores e mentores espalhada por dez países. Criado na América Latina, é uma forma de ver o mundo e, também, de mudar o mundo, garante. «No Chicas não há uma pessoa que manda e outras que obedecem. A ideia é ser um processo colaborativo. Está a começar a ser uma rede social na América Latina, com a diferença de que as pessoas se conhecem pessoalmente e fazem projetos além‑fronteiras. E a ideia é mudar a maneira como se pensa o mundo: tu podes porque tu queres, muitas das coisas dependem só de ti e da tua vontade.»

Agora é a vez de Portugal: o Chicas Poderosas chega neste mês, entre 5 e 8 de outubro, à Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais. Além do movimento, que garante a estreia na Europa, Mariana também mudou. Despediu‑se da Fusión, em Miami, e está de regresso a Portugal. Vem de armas e bagagens apresentar o seu Chicas ao país onde nasceu e para fazer crescer a sua startup, Unicorn Interactive, uma empresa recém‑criada e que terá o principal escritório em Lisboa. «Fernando Pessoa dizia “Pensar faz doer”. E quando tu estás sozinha ficas triste, tens saudades, ficas deprimida e depois pensas: deprê o quê? Aprendi imenso, vou mas é pôr isto em prática.»

O PODER DAS MIÚDAS CHEGA A CASCAIS

O projeto internacional Chicas Poderosas, fundado por Mariana Santos, chega a Portugal entre 5 e 8 de outubro. A Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais, recebe o evento, cujo programa inclui palestras, workshops e debates. Entre os convidados estarão a diretora executiva da Online News Association (ONA), Jane McDonnell, Millán Berzoza do Google Labs Madrid, Filipa Neto da Chic y Choice, a atleta olímpica Vanessa Fernandes e os jornalistas Diogo Queiroz de Andrade (ONA Portugal e subdiretor do Público), Mafalda Anjos (diretora da Visão) e Catarina Carvalho (diretora da NOTÍCIAS MAGAZINE e do site Delas.pt), entre muitos outros nomes nacionais e internacionais. O evento é aberto ao público e a participação é gratuita.

Informações em

www.chicaspoderosas.org