“A publicidade está adaptada ao consumidor de hoje que não quer a mensagem óbvia”

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Pedro Abrantes, sociólogo no ISCTE-IUL, que deu o suporte técnico para a elaboração do questionário para o estudo ‘Como se comportam os portugueses à mesa?’ da Actívia e analisou os dados recolhidos. Ao Delas.pt falou da tendência da publicidade de utilização de ideias laterais aos produtos para convencer os consumidores a optarem por uma marca entre as outras:

Que diferenças há entre agregados com filhos e sem filhos, no que toca aos hábitos de convívio e refeições?

O que observamos é que no caso das famílias com filhos há uma maior valorização das refeições, passam mais tempo nelas e valorizam-nas mais como momento de convívio e de partilha. O que é preocupante é que ao nível da utilização da tecnologia não se nota grande diferença.

Ou seja, jantar sozinho ou em família não faz diferença no uso dos telemóveis.

Exatamente. Acabam por usar a tecnologia em qualquer dos casos. Compreendemos que os que jantam sozinhos usem a tecnologia como companhia. Mas o que observamos também é que os que jantam em família, ou que se juntam ao fim-de-semana, continuam a utilizar a tecnologia independentemente de estarem sozinhos ou acompanhados.

Os números que apresentou parecem contraditórios: 9 em cada 10 conversa, mas depois 8 em cada 10 vê televisão, 8 em cada 10 atende chamadas e 7 em cada 10 não tem a imposição de não usar tecnologia. É possível perceber que quantidade de tempo é utilizado na tecnologia no período da refeição?

A frequência do uso à mesa não foi monitorizada. Agora, eu não vejo tanto como contraditório, no sentido em que provavelmente as pessoas procuram fazer tudo. A questão é que muitas pessoas reconhecem que isso também perturba as suas atividades. A grande maioria das pessoas não quer abdicar daquilo que eram as funções tradicionais da refeição, incluindo o convívio e a partilha com familiares e amigos. Ao mesmo tempo, querendo ou não, acabam por introduzir a tecnologia, e isso tem certos riscos. Cada caso é um caso, a forma como as pessoas gerem este acumular de coisas a fazer nas refeições é variável. É normal que crianças ou adolescentes tenham menor capacidade para gerir a utilização do telemóvel à mesa do que os adultos. Claro que as regras da convivência podem ficar prejudicadas. Se a função social da refeição se quer manter é importante encontrar uma forma em que todos se sintam bem.

Referiu na apresentação que as crianças sentem mais a intromissão da tecnologia à mesa. As crianças não se adaptam a tudo?

Não. Penso que essa ideia é verdade até um certo ponto, a verdade é que se provocam consequências que podem ser negativas. A adaptação sim acontece, mas se calhar devemos pensar nas questões que não queremos que os nossos filhos percam. Queremos deixar, em termos de socialização, um conjunto de valores e até de laços. Penso que a tecnologia, não sendo uma regra para tudo, começa a causar em muitos casos essas perturbações de fragilização, vulnerabilização e desestruturação desses laços familiares. Penso que esta é uma questão a que os pais devem estar particularmente atentos. O desafio não é estar só atento ao que acontece às crianças, mas também ao que fazemos enquanto adultos.

Há um foco importante no estudo sobre o autocontrolo. O estudo tem dados sobre a dificuldade de não ir ao telemóvel durante as refeições?

Sim. Essa é uma das contradições que não é bem uma contradição. É aquele sentido de que as pessoas têm de que é o seu ideal mas depois na prática acabam muitas vezes por não concretizar essa ideia, porque a tecnologia acaba por ser muito acessível e muito atractiva no imediato. Há uma certa contradição entre o que é uma ideia do que é bom de imediato e as coisas que, pensando bem, a médio e longo prazo podem ter efeitos negativos.

Mas há uma noção de conflito que estes comportamentos trazem.

De facto, a questão principal é perceber que a tecnologia muda muito rapidamente e isso gera um espaço vazio. Tem que se negociar porque antes não havia regras, não há uma tradição que nos ajude a integrá-la, não era um problema que se pusesse nas gerações anteriores. É uma coisa nova e quando há uma coisa nova há sempre uma negociação. As pessoas ainda estão a tentar perceber qual é a melhor maneira de lidar com isso.

A resposta será andar para trás? A nova campanha da Activia defende isso, voltar à mesa, estar com as amigas…

Penso que é a solução, mas não totalmente. O mais óbvio seria dizer que sim, mas seria aplicável se a tecnologia fosse só uma moda, num ano está muito em voga mas depois isso perde-se. Parece-me que não é o caso. Não vai acontecer. Cada vez se vai desenvolver mais e cada vez mais a tecnologia vai estar presente no quotidiano. A solução é as pessoas criarem formas de lidar com ela, de maneira a não prejudicar outras coisas que a pessoa considera muito importantes. Nesse sentido vejo mais o que se passa como a faca e o garfo terão sido vistos há 200 ou 300 anos. Eram uma tecnologia, no sentido em que eram novas para a maioria, criaram uma nova forma de comer e as pessoas tiveram que se adaptar, tiveram que preparar os seus filhos, e agora para nós é tão normal que já não pensamos nisso. Vamos ter que domesticar os telemóveis, que conseguir lidar com eles de maneira a que não sejam o centro da refeição, vai estar à mesa, mas vamos ter de fazer com que não seja tão intrusivo. Passa pelo autocontrolo.

Então não vale a pena entrar em pânico.

Não. O que fizemos com a gaiola para os telemóveis foi uma brincadeira. Não estamos a pensar que as pessoas venham a entrar num restaurante e sejam obrigadas a deixar o telemóvel à porta. Poderá fazer-se de vez em quando, mas não é uma prática que seja exequível. E há certas coisas em que o telemóvel nos facilita e nos melhora a vida. Temos é que fazer uma utilização com peso e medida.

Como é que vê, enquanto sociólogo, esta tendência da publicidade utilizar conceitos laterais ao produto. Aqui estamos nós a falar de hábitos de convívio à mesa por causa de uma nova campanha uma marca de iogurtes.

A publicidade criou hábitos nos consumidores e é preciso inovar para criar mensagens diferentes e que acabem por desafiar mais os consumidores. A mensagem muito óbvia funcionava nos anos 50 e 60 mas agora já não funciona. Há uma ideia muito mais ampla da publicidade e associar a ideia de um produto a um estilo de vida, a uma forma de viver cada vez é mais valorizado.

Mas funciona? Na hora da compra eu vou preferir uma marca a outra porque aquela promove os convívios?

Eu creio que há uma associação – a CocaCola foi das primeiras a fazer isso – entre um produto conhecido e certos valores e a certos ideais de vida e isso penso que tem tido resultados genericamente positivos. Depende depois de cada campanha. Mas em geral a publicidade está adaptada ao consumidor de hoje que não quer a mensagem óbvia mas quer pensar um bocado. Estas campanhas permitem às pessoas pensar um bocadinho e não ter a associação óbvia. Acho que é normal a Activia querer associar-se a um modo de vida mais saudável embora isto depende muito dos países.

Esta campanha vai ser mais eficaz para as pessoas de Lisboa que, como refere o estudo, têm hábitos mais europeus ou para as do Porto e do Alentejo onde os hábitos de convívio ainda são muito importantes? Estas não vão dizer ‘nós já fazemos isto’?

Acho que esta campanha tem uma lógica bastante europeia, vejo que ela faz muito sentido do ponto de vista internacional e em Portugal parece-me que ela faz muito mais sentido em Lisboa. Penso que noutras zonas do País, pelo que observámos, não é uma questão que seja tão relevante porque as pessoas têm hábitos mais tradicionais. Penso que funcionará melhor para Lisboa, sim.

CARLA MACEDO