“As mulheres respondem mais honestamente à depressão do que os homens”

"As mulheres respondem mais honestamente à depressão do que os homens" (Leonardo Negr‹o/Global Imagens)

O nova-iorquino Andrew Solomon, jornalista, conferencista e especialista em psicologia, anda há 15 anos a falar de depressão. A começar pela sua. O seu livro ‘O Demónio da Depressão – Um atlas da doença’, que ganhou o National Book Award e foi finalista do Pulitzer, acaba de ser editado em Portugal. E as mulheres ocupam uma parte considerável das mais de 800 páginas.

As mulheres são duas vezes mais afetadas pela depressão do que os homens. Além da explicação biológica, que tem a ver com questões genéticas e hormonais, não haverá também uma explicação social, relacionada com a desigualdade de género, por exemplo, na conciliação casa-trabalho?
Sim. Uma das causas da depressão nas mulheres é biológica e tem a ver com diversas alterações hormonais, mas de facto é mais duro ser mulher. Nunca fui mulher, mas penso que o fardo é mais pesado. As responsabilidades com a casa e com os filhos continuam a estar mais em cima delas, apesar de se esperar que as acumulem com o trabalho e a carreira. As mulheres conquistaram o direito de fazer uma série de coisas que antes eram exclusivo dos homens, mas ainda não conseguiram pôr os homens a desempenhar as tarefas que tradicionalmente estavam atribuídas em exclusivo às mulheres.

Lisboa, 22/02/2016 - Andrew Solomon, autor norte-americano de um livro sobre a depress‹o. (Leonardo Negr‹o/Global Imagens)

Uma das constatações que faz no seu livro é que nas famílias em que a divisão de tarefas é mais igualitária, há menor probabilidade de depressões.
Sim, mas a verdade é que mesmo nas famílias mais “modernas” continua a existir um elevado grau de desigualdade. Por outro lado, as mulheres são mais vezes vítimas de abusos, físicos ou sexuais, são mais vezes vítimas de violência doméstica, são mais vulneráveis à pobreza, constituem mais vezes famílias monoparentais, e é menos provável pensarem que podem fazer alguma coisa para mudar isso porque há muitas mensagens na sociedade a dizer-lhes que não podem fazê-lo. Acresce que, mais do que os homens, sentem que são valorizadas pela sua aparência, o que pode ser um desencadeador de depressão, sobretudo durante o processo de envelhecimento. Não conheço o caso específico de Portugal, mas como sociedade não somos muito simpáticos para as mulheres.

Por exemplo, um homem dirá mais facilmente que está a desmoronar porque perdeu o trabalho enquanto uma mulher dirá que está a desmoronar porque se sente mal e não sabe o que fazer para lidar com isso.

As mulheres reagem de forma diferente à depressão?
Acho que as mulheres procuram mais facilmente ajuda do que os homens. Não sentem tanto que é um completo falhanço no seu papel. Mas, apesar de tudo, acho que as taxas de depressão nos homens são maiores do que pensamos, porque muitos deles não a admitem, enquanto as mulheres sim, e muitas vezes com muito mais sentimentos de culpabilização em relação a si próprias, não projetam a sua depressão nos outros (ou a responsabilidade pela mesma), sentem-se elas próprias responsáveis. Por exemplo, um homem dirá mais facilmente que está a desmoronar porque perdeu o trabalho enquanto uma mulher dirá que está a desmoronar porque se sente mal e não sabe o que fazer para lidar com isso. Penso que, no fundo, as mulheres respondem mais honestamente à depressão do que os homens.

Ouve-se muitas vezes, sobretudo de mulheres, dizer: «eu não posso dar-me ao luxo de ter uma depressão». A incompreensão é um fardo ainda mais pesado para as mulheres?
Há uma diferença entre dizer “não posso dar-me ao luxo de ficar deprimido” – na verdade ninguém pode dar-se a esse luxo, porque simplesmente não é uma decisão que se tome – e dizer “apesar de estar deprimido tenho que continuar a funcionar”. Conheci muitas mulheres muito fortes, especialmente mães de filhos pequenos, que reconheciam que se fossem abaixo destruir-se-iam não só a si próprias como a uma série de gente cuja vida depende delas.

Mas isso nem sempre é possível, como deixa claro no seu livro.
Claro, há graus de severidade da doença que simplesmente impedem as pessoas de funcionar, durante algum tempo. Mas as mulheres, especialmente as mães, estão “programadas” para o autosacrifício e fico fascinado com aquelas que, apesar de depressões muito severas, que quase as impedem de andar, lidam com a doença de uma forma positiva e construtiva, para o bem de outros. Há uma interceção entre personalidade e depressão e há pessoas que têm uma personalidade mais resistente e resiliente do que outras.

Que conselhos daria às mulheres para combaterem a depressão?
Primeiro, diria que a depressão é uma doença muito tratável e se sentem que podem estar a deprimir devem procurar tratamento. Os tratamentos levam algum tempo a ser eficazes, pelo que é boa ideia procurar ajuda em estados mais precoces da doença e não esperar por quando já estão paralisadas por esta. Segundo, aconselharia a pararem com a narrativa da autoculpabilização ou da vitimização, porque não só é inútil como não ajuda ao tratamento. A depressão não tem a ver com caráter ou força. Há mulheres que parecem ter a ideia de que começar um tratamento é a admissão de uma falha, quando é precisamente o contrário. É preciso ter muita coragem para enfrentar o problema e aceitar o tratamento. Terceiro, penso que as mulheres devem procurar outras mulheres com quem falar. Embora gostássemos de dizer que vivemos numa sociedade que não olha a géneros, não vivemos, e há aspetos particulares na depressão feminina que são diferentes da masculina. E encontrar outras mulheres que passaram por essa experiência, ter alguém que sabe do que está a falar, fará uma enorme diferença. Finalmente, diria que é muito importante que as mulheres saiam de situações de abuso. As mulheres deprimidas estão particularmente vulneráveis à violência e ao abuso verbal de homens que as culpam e confrontam em vez de as ajudarem e apoiarem. Conseguir sair dessas situações é meio caminho andado para o tratamento e a cura.

 

Bruno Contreiras Mateus