A solidão mata mesmo

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Um estudo recente diz que pode aumentar em 30% o risco de doença cardíaca e de acidente vascular cerebral. Também é assunto tabu e, por isso, mais difícil de combater. O que fazer?

Investigadores das universidades de York, Liverpool e Newcastle afirmam existir uma relação entre a solidão e duas das principais causas de morte e incapacidade nas sociedades ditas desenvolvidas: aumenta o risco de sofrer de doença coronária e AVC em cerca de 30%. A conclusão não constitui grande surpresa pois trabalhos científicos anteriores tinham associado a solidão a tensão alta, sistemas imunitários frágeis e morte prematura.

O estudo, recentemente publicado no jornal científico Heart, sugere por isso a realização de mais pesquisas para avaliar como é que o combate à solidão e ao isolamento têm um papel fundamental na prevenção destes problemas de saúde.

Tal combate poderá ter como principal obstáculo o facto de a solidão ser um assunto tabu. Segundo outro estudo, realizado no final de 2015 pela cooperativa de consumidores do Reino Unido Cooperative Group, muitas pessoas têm dificuldade em assumir que se sentem solitárias, mesmo que isso possa ter um impacto negativo sobre a sua saúde e bem-estar: 61% dos inquiridos revela que se sentiria desconfortável ao assumi-lo perante um familiar ou amigo; e a maioria afirma estar mais à-vontade para falar de temas como a morte ou o dinheiro.

Neste relatório, a solidão surge como sendo duas vezes pior para a saúde do que a obesidade e um fator que pode conduzir a uma sensação de desespero, acompanhada por problemas como ansiedade e depressão. Para o diretor executivo Richard Pennycook, trata-se de “um dos maiores problemas sociais do Reino Unido” mas que tem recebido pouca atenção.

Estes dados referem-se àquele país mas a realidade portuguesa não será muito diferente. Idosos a viverem sozinhos eram mais de 400.000 em 2011, segundo a Pordata, e o recurso aos serviços de Psiquiatria nas áreas de Lisboa e do Porto têm aumentado, nomeadamente por parte de solteiros, viúvos e desempregados, de acordo com o Projeto Smaile, coordenado pelo Centro de Estudos em Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Coimbra.

Estar só, solidão e solução
Mas, afinal, o que é exatamente a solidão? A psicóloga clínica Paula Peres di Salvatore explica:

“É possível estar-se sozinho e preenchido, ser uma escolha, significar crescimento. A solidão é falta, é vazio. Pode sentir-se mesmo na presença de muitos familiares e amigos.”

A expressão cada caso é um caso faz aqui todo o sentido. “Conheci várias situações e em todas estar só significava algo diferente. Lembro-me de solidões reativas à perda de um filho mas também de casos decorrentes de depressão infantil, da confusão de género, da angústia existencial, da exclusão social ou laboral”, diz a especialista.

Estar sozinho faz parte da vida e é necessário, por exemplo na sequência da morte de um ente querido. Fundamental para um luto saudável, esse isolamento será temporário, embora a duração seja muito variável pois, como alerta:

“As experiências emocionais não se medem em tempo cronológico”.

A patologia surge com a falta de bem-estar geral e a solução é pedir ajuda: “Se a pessoa se sente profundamente triste deve procurar um médico de família, serviços de Saúde Mental e Psicologia, contactar uma Linha de Apoio. Em caso urgente, deve dirigir-se diretamente ao hospital mais próximo”, aconselha a psicóloga. Em todas as situações, o importante é identificar a origem da solidão pois “tentar tratar um sintoma sem conhecer a causa só leva a que se dê a substituição desse sintoma por outro”.

Problema social
Paula Peres di Salvatore não tem dúvidas de que a organização da sociedade atual contribui grandemente para o isolamento e a solidão: “As máximas ideológicas da atualidade, num registo neoliberal, privilegiam o Ter e não o Ser: Eu Sou, Logo Existo foi transformado em Eu Tenho, Logo Existo”.

Na ausência de uma função a desempenhar, “as pessoas isolam-se, como é o caso de quem não tem trabalho, de uma mãe que deixou de ter de quem cuidar e não tem outras fontes de prazer na sua vida, ou de um idoso esquecido na prateleira social dos Sem Utilidade”.

Paralelamente, hoje “tudo é para ontem mas os humanos têm os seus tempos próprios e isso não se apressa”. Daí que sofram com “modelos económicos e ideológicos que não são humanistas”, conclui.