Alexandra Moura desfilou na igreja e exorcizou o séc. XVIII

Mesmo junto à Chinatown londrina, há uma antiga igreja com paredes de tijolo e alguns buracos, restos de tinta, janelas em arco e colunas que parecem não aguentar muito mais tempo de pé. Chama-se The Welsh Chapel e foi o palco do desfile de Alexandra Moura, que aconteceu este domingo, dia 17 de setembro, e se irá repetir em outubro em Portugal.

Assistimos aos ensaios que decorreram sob o olhar atento da designer que pediu insistentemente às modelos que caminhassem devagar no espaço estreito entre os bancos da plateia. Em Londres, foi a noiva que abriu o desfile, sendo a primeira proposta para a próxima primavera um coordenado inteiramente branco e transparente. A música clássica do início e final do desfile deu o ambiente certo a esta coleção inspirada no século XVIII, nos detalhes da roupa da época e nos efeitos que o tempo teve nos monumentos que sobraram para nos contar as histórias das suas paredes.

Depois do desfile falámos com a Alexandra Moura para saber mais sobre esta coleção que se manteve fiel ao seu estilo e brilhou pela escolha de materiais.

Nesta coleção revisitou palácios do século XVIII. Algum em particular?

Não houve um palácio específico, inspirei-me em detalhes, bocados, paredes, uma mistura de coisas que me remeteram para este universo. São coisas que vamos vivendo ao longo da nossa vida, há palácios que visitamos em criança e ficam a nossa memória. Aqui a inspiração não veio apenas do interior dos palácios, mas também do interior da roupa da época. Trouxe detalhes que existiam dentro da roupa do século XVIII e que para mim são até mais belos que o exterior das peças.

Por exemplo?

As costuras, as fitas de algodão, os cortes os pespontos dados à mão, a pinças virada ao contrario, as costuras para fora onde se metiam as barbas de baleia dos corpetes, os folhos inacabados, os rasgados. Tudo isto são elementos que vieram parar à coleção e que juntamente com as silhuetas já características do meu trabalho, traz romantismo aos looks urbanos.

Nesta coleção há algumas peças que a Alexandra já tinha apresentado noutras estações, este é um trabalho que vai manter? A renovação dos clássicos Alexandra Moura.

Isso é que ser uma marca. Quando se chega a um determinado nível de internacionalização, temos sempre peças que são recorrentes na marca, que são os seus clássicos. Uma peça que é um sucesso não deve ser mexida, pode ser reinventada, ou reutilizada a nível de matérias-primas. Por isso, assim como qualquer marca internacional que tem as suas peças características, nós também vamos manter as nossas.

Quais são as peças clássicas Alexandra Moura?

Os trench-coats. Os casacos também, porque são uma das peças que mais motiva a desenhar.

Porquê?

Porque está por cima de tudo, agasalha, protege e é o primeiro impacto que temos porque tapa a roupa que trazemos por baixo, além das suas muitas funções.

As pessoas investem mais em casacos por ser uma peça tão funcional e intemporal?

Sim, mais depressa investem num casaco do que noutra peça.

Os sapatos estão todos escritos à mão, o que é que escreveu?

Muitas coisas, mas só eu é que sei. Muitos desejos, muitos poemas, cartas de amor, plantas de palácios, contas… foi uma reflexão e uma dissertação que tive com os sapatos.

Como está a correr a expansão da marca particularmente aqui em Londres, que é um dos mercados em que está mais presente?

Temos notado que a marca está a ter uma procura muito interessante. Estamos a perceber que todas as semanas temos algum tipo de feedback de Londres. Não só de quem está aqui mas também de quem passou por cá e está sediado noutro lado do mundo. Através de Londres estamos a conseguir chamar a atenção de muitos outros mercados.

Quem é o cliente Alexandra Moura?

O meu trabalho é a moda de autor, é mais virado para as concept stores. Não é um trabalho de tendências, nem de consumo massificado. É é muito específico. Os nosso buyers são aqueles que procuram muita individualidade nas peças, por isso é que estamos em lojas ao lado de nomes como Simone Rochas; Yamamoto, J.W Anderson, Kenzo, tudo marcas que se focam muito no conceptual.

Sente menos liberdade para arriscar no design porque tem de manter a sua assinatura?

Não, não, não… tenho é de arriscar tendo a capacidade e inteligência de manter a minha assinatura e o meu ADN.

Esta coleção também fala dos efeitos e das marcas que o tempo deixa nos sítios. O que é que o tempo ensinou à designer Alexandra Moura?

Ensinou que ainda há muito tempo pela frente, que isto ainda não é nada, é só o início de um tempo.

Margarida Brito Paes, em Londres