Ana Cláudia Vaz: “O nosso objetivo é reforçar as finanças das mulheres”

Foi manequim, empresária do mundo da moda, rosto de grandes marcas de cosmética [Clarins, por exemplo] e está, há três anos, a fundar e alargar a associação de mulheres empreendedoras de países lusófonos e comunidades portuguesas Adoro Ser Mulher.

Em vésperas de partir para os Estados Unidos da América para se encontrar com instituições que reúnem mulheres para poder alargar a rede e encontrar gestoras locais, Ana Cláudia Vaz, 40 anos, falou ao Delas.pt. A empresária acredita que é o “talento natural” das mulheres para fazer networking (criar redes) que poderá fazer a diferença na vida empresarial delas e deve ser aí que devem despender energias.

Distinguindo “injustiças” de “desigualdade”, a antiga modelo – com uma filha de quatro anos e um enteado de nove – é perentória: A disparidade “de género vai sempre existir” até porque muitas mulheres querem poder responder a outros imperativos: a maternidade, a família e a tarefas que elas muitas vezes convocam para si próprias.

A preparar o lançamento de uma rede online de empreendedoras para outubro, Ana Cláudia Vaz crê que a participação da sua associação (que conta com a jornalista Dina Aguiar e a designer de interiores Nini Andrade Silva como embaixadoras) no Web Summit ´17 fará a diferença e acelerará a rede de mulheres lusófonas online. Antes, em junho, quer alargar a rede a estudantes universitárias.

A associação Adoro Ser Mulher – Comunidade Internacional de Mulheres (ASM) está esta semana e até 27 de maio em digressão por Nova Iorque, Rhode Island e Toronto, em conversas e encontros com empreendedoras lusófonas. Quais são os objetivos desta viagem?

O objetivo desta tournée é encontrar uma gestora em Nova Iorque. Já temos a Alzerina Gomes, estilista que desenha joias e trabalha com a Swarovski, que será a nossa embaixadora naquele território. Curiosamente, para medirmos o poder do networking (rede), muito antes de a conhecer pessoalmente, trabalhámos juntas em projetos. Foi pelo online que cultivámos o relacionamento e foi ela que nos lembrou da importância de estarmos presentes nos Estados Unidos da América. Um dia ligou-me a dizer que tinha encontrado a gestora ideal para Nova Iorque. Decidi, então, alargar os encontros. Há oito meses que estamos a preparar esta viagem, a entrar em contactos com associações de mulheres – e existem muitas nos EUA – e levou-me a fazer um levantamento sobre como estão as comunidades portuguesas lá fora.

E como estão?

Estamos numa quarta geração muito interessante, muito respeitada nas comunidades, já com bons cargos a nível local. Já não é o português, emigrante, de há 40 a 50 anos e estamos com um papel muito interessante. E faz sentido agora – com a facilidade e a rapidez da internet – reunir essas mulheres. Das associações que encontrei, as portuguesas são as presidentes, e temos desde juízas, a políticas. Assim, em vez de ir apenas a Nova Iorque, alarguei a estas três cidades. E tenho sentido uma receção muito grande.

Uma vez lá, o que pode acontecer às mulheres que se juntem à ASM, em concreto?

A rede ASM quer incentivar a mulher a fazer o networking, indo ao encontro do slogan #juntassomos mais fortes. Nós sempre tivemos em nós esse talento para criar redes, mas agora é que se fala mais nisso. Gostamos de fazer o clube da leitura, de criar grupos, fazer amigos. Tudo isso são talentos naturais das mulheres e tal pode ser convertido em algo mais profissional. A rede nova que estamos a construir vai receber tudo: a mulher de forma individual, mas também organizações, instituições femininas que existem. Para já será uma plataforma – não digo um diretório – para todas.

Mas qual o objetivo: permutas de informação, facilidades para entrar ou expandir negócios nos territórios?

Desde que exista já uma gestora local para o empreendedorismo feminino, se eu estou em Lisboa e quiser ir a Nova Iorque, em vez de ir sem conhecer ninguém, já tenho alguém no local que me recebe de outra maneira. Ou seja, facilita a expansão.

Mas facilitando em concreto as regras de mercado, o acesso a fundos caso existam. São estas as linhas de ação?

Sim, dando a conhecer regras. Muitas das mulheres que temos nas nossas associações já conhecem mesmo o mercado até por via das suas atividades profissionais. Mas o objetivo inicial é sempre estabelecer contactos. Depois, há muitas maneiras de entrar ou expandir os negócios nesses mercados.

A ASM começa em Portugal depois chega a Cabo Verde e Rio de janeiro. Porquê esta sequência?

A ASM nasce em 2009, num aniversário de uma das minhas empresas em que ofereço um jantar a 200 mulheres, clientes e possíveis clientes, e que correu tão bem que elas foram trocando de lugares durante o jantar e foram conversando. Ainda nem se falava em networking [risos]. Mas correu tão bem que fui recebendo emails de mulheres que estavam a fazer parcerias com outras que tinham conhecido nesse jantar. E em 2014 fiz renascer a marca, que esteve parada devido à crise. Nessa altura ninguém queria fazer eventos, todos estávamos a tentar salvar as empresas – eu inclusive porque fechei a minha, fui ser mãe e, quando a minha filha foi para a creche, em 2013, fui buscar a ASM. Durante um ano, repensei o projeto na vertente profissional, organizei um evento num barco do Tejo – essa questão do glamour e do momento da qualidade para nós é muito importante também – e aí pensei que, perante tantas empresárias a viver cá com negócios em Angola, Moçambique e noutros territórios, queria criar uma plataforma, uma rede. Que nasceu a pensar apenas nos países lusófonos. Desta vez, com este apoio da Alzerina, alargámos às comunidades portuguesas nos Estados Unidos da América.

Mas Angola, Moçambique, Guiné estão nos planos?

A minha intenção é ajudar a mulher, mas em África temos dois níveis de economia muito distintos e que não se podem misturar. As empresárias que existem são mesmo muito fortes e muito grandes, mas há ali outra mulher que eu não posso fingir que não vejo. Há um núcleo muito grande, mas aí falamos de mulheres mais específicos e muito jovens. Começam por ter uma taxa de natalidade muito alta e precoce, e queremos dar-lhes formação para elas possam abrir os seus horizontes. Embora Cabo Verde tenha sido uma surpresa. Sendo muito pequenino, elas são muito empreendedoras. Acho-as até um bocadinho empreendedoras de mais… [risos]

Como assim?
Fazem tudo. Têm cinco trabalhos, quatro filhos. Atenção, não é fácil. Começam a estudar Direito e fazem outras coisas que não têm nada a ver. É um empreendedorismo por sobrevivência, mas é excelente. São muito unidas, o que facilita este tipo de projetos.

Explicou ainda há pouco que as mulheres têm um talento natural para a criação de redes, mas então porque são necessárias associações que promovam o networking. Porque é nos negócios isso não parece verificar-se?

Acho que a mulher se isola. Agora diz-se que a mulher tem de ser líder, presidente de uma companhia, quase à força têm de ter um papel de destaque. Mas, nem todas nós queremos abdicar da parte de sermos mães, há uma outra parte que nos faz ser mulher. A desigualdade de género vai sempre existir. Ponto final. O homem é diferente de mulher e será sempre assim até ao fim dos tempos. Se me fala em machismo e injustiças ou violação dos direitos humanos, isso são outras matérias. Agora a desigualdade manter-se-á porque somos desiguais. A mulher irá sempre criar os filhos, irá ao supermercado e é algo que abraçamos conscientemente como o nosso papel. Embora em Portugal, cada vez mais se quebrem essas ideias. Mas quando se tem grandes cargos e responsabilidades, a tendência é o isolamento, e creio que no caso dos homens é igual. Elas acabam por se isolar, por criar defesas e por vezes por serem implacáveis e tal impede-as de criar noutras redes.

Mas depois também fala em rivalidade, nas mulheres que se rivalizam. Escreveu isso no seu post.

Estamos muito preocupadas com a desigualdade de género. Atenção, quero vincar que a nossa associação não é feminista, acho que há instituições próprias que tratam dessas questões mais sensíveis, mas o nosso objetivo principal é reforçar as finanças das mulheres. Porque com esse reforço podemos tomar outras decisões e ter uma independência e autonomia maiores. Estão muito preocupadas com os colegas que ganham mais 200 ou 300 euros, mas depois, em vez de elas irem à luta por conta própria e saírem da sua zona de conforto, ficam a chorar uma vida inteira pela desigualdade de género. A nível do que se gasta de energia e felicidade interior por estar sempre com esta luta na cabeça… é preciso perceber as razões. Se há justificação, vamos ver se é válida. Se não é, então falamos de injustiça. Mas aí não há desigualdade, há injustiça. Portanto, só posso tomar uma decisão: ou vou trabalhar para outro lado ou por conta própria.

Mas tal não acaba por servir e perpetuar o sistema? Se têm as mesmas funções por que não são pagos de igual forma?

Atenção, sou contra a desigualdade salarial. Há mil e um fatores que levam a isso.

E há solução?

Sempre trabalhei por conta própria a vida inteira. Bom, há essa solução. Aos poucos, essa questão já está a ser bem corrigida ou equilibrada. Mas a parte de sermos mães, cria algumas condicionantes, mas não devemos perder as nossas energias por causa disso.

Então, para onde deve ir a energia?

Fazer redes, sejam de empresárias ou não. Há sempre encontros positivos: uma parceria, um ganhar de coragem para dar um determinado passo… Precisamos de motivação e de nos abstrairmos das guerras de desigualdade, porque isso prejudica a comunicação entre sexos. Tudo o que seja oposto, já não é equilibrado. E as mulheres devem sempre poder contar com um bom companheiro, uma boa pessoa ao lado, isso é muito importante no sucesso pessoal de cada uma. Se um colega ganha mais cem euros… agora se for mil, é preciso encontrar explicações seja por via do diálogo, judicial. Mas se quero ficar ali, então não posso continuar a queixar-me até porque isso faz mal interiormente.

O que distingue as empreendedoras?

Em Portugal, sente-se a motivação, a alegria de estarem todas juntas, que é o principal para lhes dar a confiança que têm umas com outras. Na ASM não se está sozinha e isso é uma boa sensação. No Rio de Janeiro, lidei com empreendedoras da favela, absolutamente espetaculares e elas sabem que sem espírito de união, não se consegue. Em África, há dois níveis: um núcleo de empresárias muito, muito ricas e informadas e depois as outras, que não existem. Para essas estamos a criar um projeto a longo prazo e a começar em idades mais jovens, 15 a 16 anos.

Quais são os custos para se ser associada ASM?

Há dois tipos: a Diamond, que tem uma anuidade associada maior, mas também tem maiores benefícios, com programa de fidelização de clientes para elas, são também as nossas oradoras. Temos depois a Gold, uma associada que paga um valor mais acessível, 65 euros por ano, com desconto de 25% de eventos, e é uma categoria pensada para que elas possam fazer contactos. Não queremos cobrar quantias exageradas, a nossa ideia é levar quase o networking ao nível da utilidade pública (risos). E é, para mim já é. Para junho, queremos alargar a rede a estudantes no último ano da universidade e por um valor muito simbólico, 30 euros anuais. Isso vai permitir-lhes fazer networking e trabalhar já nas ideias delas e com pessoas com experiência. Contudo, o registo na aplicação é gratuito – e já temos 500 registadas -, permitindo procurar outras empreendedoras de outros países. No fundo, é um LinkedIn para mulheres, mas mais restrito e com apoio local. Porque só presencialmente é que conseguimos cultivar negócios. Embora estejamos todos muito agarrados às redes sociais, não se fazem negócios assim.

Qual o nível de participação portuguesa, brasileira, cabo-verdiana.

Para concorrer ao Web Summit fizemos esse levantamento. A maioria das registadas são portuguesas. Das 500 registadas, 40% são portuguesas. Cabo-Verde, Moçambique, Brasil, Angola são os países com mais registos por ordem decrescente. Agora, vamos ver como corre nos EUA. Mas temos também, por exemplo, portuguesas que estão no Dubai, em França, na Bélgica. Isso é curioso.

Que expetativas tem sobre a participação no Web Summit?

Somos a primeira rede portuguesa no Web Summit’17. Por isso, estamos a criar uma estrutura totalmente nova, mais userfriendly, a ser lançada em outubro, antes do Web Summit. Vai ser super-importante para nós, acreditamos que possam existir mais empreendedoras na rede, fazer crescer esta parte tecnológica e feminina.

Foi manequim. O que é que a moda lhe ensinou e lhe emprestou para este projeto?

Disciplina e psicologia forte. Fiz mesmo uma carreira profissional internacional muitos anos – estive na Central Models durante 16 anos e outras agências pelo mundo – e não foi nada fácil. Os ‘nãos’ constantes em castings são muito importantes para saber lidar com as adversidades e o mundo da moda tem muito isso. A este aspeto juntam-se os cuidados e a disciplina.

Também é um mundo solitário e rival.

Pois. Quando tive as minhas empresas, fui muito solitária, fruto desses anos, e um bocadinho controladora. Nunca fui rival na moda porque era mesmo assim. Mas tudo isto são defesas naturais, apesar de tudo temos lá o nosso investimento todo.

Imagem de destaque: Filipe Amorim/Global Imagens