Artistas solidários com “mulheres malvadas”

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“Quis colocar Portugal na lista de participantes” diz Inês Mourão, 20 anos, a fazer mestrado em Educação Artística com o sonho de vir a ser galerista e que também é rapper, sob o nome artístico Blink. Foi ela quem criou a edição nacional de Nasty Women, exposição coletiva nascida em janeiro, em Nova Iorque, para demonstrar a solidariedade dos artistas face às atuais ameaças de reversão dos direitos das mulheres. O nome do evento, traduzível por mulher malvada ou desagradável (entre outros significados pejorativos), decorre do último debate para as eleições presidenciais americanas, quando Donald Trump usou estas palavras para caracterizar Hillary Clinton.

A mostra original, no Centro Knockdown, em Queens, foi um sucesso: cerca de 700 participantes doaram as suas obras, angariando mais de 42.000 dólares que reverteram para a organização Planned Parenthood (Planeamento Familiar).

Desde aí, várias edições da exposição aconteceram nos Estados Unidos e estenderam-se já a cidades como Bruxelas mas muitas mais virão, em território americano e europeu, nomeadamente em Cambridge e Amesterdão, por exemplo.

Solidariedade para combater a desigualdade

Inês Mourão soube da existência deste movimento artístico e solidário através de um site sobre artes e logo pensou que “era importante participar pelos direitos das mulheres e para o país estar representado”. As desigualdades persistem nos mais variados domínios e ela sente-as também na pele até por se dedicar ao hip hop, com “uma cultura muito masculina”.

Frequentadora do EKA Palace – antigo palacete de Xabregas transformado em centro cultural pela associação sem fins lucrativos EKA Unity – propôs fazer aí a exposição. A ideia foi aceite de imediato pois “as portas estão sempre abertas para receber projetos artísticos, em especial quando se trata de Direitos Humanos”, explica a cofundadora Eurika Magan.

Espaço definido, Inês apelou à participação de artistas. Conseguiu reunir mais de 20 obras, entre instalações, vídeos, pinturas, esculturas e ilustrações, de autores portugueses mas também americanos, por exemplo, que aderiram a todas as exposições Nasty Women espalhadas pelo mundo. Custam entre 12€ a 400€ e o valor das vendas deverá ser atribuído à UMAR, União de Mulheres Alternativa e Resposta.

Apesar de a exposição não ter tido, até agora, uma divulgação significativa, a jovem curadora está satisfeita com os resultados. Cumpriu o objetivo de pôr Portugal no mapa do evento internacional Nasty Women e os artistas contribuíram para fomentar a discussão sobre os direitos das mulheres. Ao visitante cabe apreciar, refletir, formar a sua opinião, talvez comprar uma obra que se torna ainda mais especial dado o contexto em que é adquirida.

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Colagem de Telmo Alcobia

Como é que ainda discutimos isto?

Artista plástico que usa pintura, desenho, street art e ilustração para intervir social e politicamente, Telmo Alcobia contribuiu para a exposição Nasty Women com um desenho e uma colagem baseada em duas revistas, uma feminista de 1986 e outra “cor-de-rosa” (preços desde €150).

Considerado um artista “emergente”, membro do grupo artístico multidisciplinar POGO e representado na Galeria António Prates, refere que aderiu à iniciativa porque acredita que está a acontecer “um retrocesso civilizacional por influência americana”. Na sua opinião, uma mentalidade machista e xenófoba tem vindo a ser divulgada, por exemplo, via YouTube: “Estão a propagar ideias velhas com roupagens novas”.

Por isso, tem todo o sentido aderir a este tipo de iniciativas, embora seja estranho fazê-lo em pleno século XXI. “Trata-se de direitos que não deveriam precisar de ser defendidos. Como é que é ainda temos de discutir isto?” Boa pergunta.

A exposição Nasty Women decorre até ao dia 1 de março no EKA Palace (www.facebook.com/palace.EKA), Calçada Dom Gastão 12, Lisboa. Encerra à segunda-feira.