“As carteiras estão a ser trabalhadas para serem um produto de excelência”

Ter de ir a um evento e não encontrar uma carteira que combine com o vestido pode ser uma verdadeira dor de cabeça para uma mulher. Para a arquiteta açoriana Sónia Pereira foi, mas não durou muito tempo. Juntou a paixão que tem por moda com o que aprendeu em criança, a ajudar o pai, carpinteiro, a trabalhar com madeira de criptoméria, e criou a sua própria carteira. O sucesso foi tal que grande parte das mulheres presentes no evento lhe foram perguntar onde podiam arranjar uma igual e Sónia resolveu criar o seu próprio negócio: produzir carteiras de criptoméria.

Apesar de ter um ateliê próprio nos Açores, a açoriana agora passa a maior parte do tempo no Parque de Ciência e Tecnologia de São Miguel, na cidade de Lagoa. Lá tem acesso a máquinas laser e 3D, de última geração, de que precisa para produzir as suas carteiras.


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Sem ter marca criada, tem vários protótipos terminados e até já recebeu encomendas. Uma delas é do primeiro-ministro das Bermudas.

O negócio arranca em 2017 e promete disponibilizar carteiras únicas de madeira de criptoméria para compra na Internet.

De onde vem esta sua relação com a madeira?

O meu pai sempre foi carpinteiro, era um artista a trabalhar a madeira, e eu estive sempre em contacto, acompanhava os trabalhos dele, não só porque queria ajudar mas também porque gostava mesmo. Nasci e fui criada num ambiente em que a criptoméria estava bastante presente. Esta madeira tem um odor agradável e bastante forte que sempre esteve na minha vida. Eu já não sinto o cheiro, a criptoméria é a minha matéria-prima. Está tudo tão entranhado na minha vida, no meu organismo, que não sinto. Mas o odor da criptoméria é mesmo agradável e a mala tem essa característica e um cheiro a queimado, por ser feita com laser, que também é bastante ativo e perdura. As pessoas adoram.

Como surgiu a ideia de criar carteiras de criptoméria?

Fui convidada para um evento, tinha um vestido com muitas cores e não conseguia encontrar a mala ideal. E aí surgiu a ideia: por que não fazer uma mala de criptoméria? Como é uma madeira fácil de trabalhar, se calhar dava para fazer uma mala. E foi o que aconteceu. No evento a que fui foi um sucesso enorme. Como tenho um conhecimento muito aprofundado sobre a matéria-prima, que é a madeira de criptoméria japónica, bastante utilizada no modelismo por ser uma madeira leve, mole, de fácil corte, avancei para o processo de começar a produzir malas há quase um ano. Tive de estudar qual seria a temática, como iria trabalhar e como seria o revestimento exterior, para que a mala fosse maleável. O acabamento final é feito com fibra de ananás, um produto da empresa Piñatex que quis trazer para os Açores por termos muitas estufas de ananases e ser um produto muito rico. Também utilizamos um tecido à base de lã, com o qual o cliente não tem contacto físico porque está sob a madeira. Queria um produto que fosse amigo do ambiente, inovador, com um design totalmente diferente e, em parte, minimalista porque, enquanto arquiteta, tenho uma vertente de criação que me leva a querer fazer o melhor com a mínima informação. Já cheguei a um produto final. Agora estou a trabalhar para o objetivo de, em 2017, o produto sair para o mercado através das vendas online. Se correr bem e houver necessidade, criamos uma loja física. Para já estamos a trabalhar com o marketing para chegarmos ao nosso público-alvo. Basicamente queria resolver um problema e acabei por criar um negócio.

O produto só começa a ser vendido em 2017, mas já recebeu algumas encomendas…

O primeiro-ministro das Bermudas encomendou uma mala e o presidente da IBM Portugal também fez uma encomenda para a esposa. Sou constantemente abordada em relação às malas e bombardeada com questões. A aceitação tem sido fantástica. As carteiras estão a ser trabalhadas para serem um produto de excelência, o objetivo é que seja diferenciado e direcionado para um determinado público-alvo. Não há troncos de árvores iguais, não há árvores iguais. Portanto, qualquer pessoa que adquira uma mala de criptoméria vai ter sempre uma peça única, personalizada.

Tem ideia de quantas encomendas já recebeu?

Tendo em conta que o ateliê está instalado no Parque de Ciência e Tecnologia de São Miguel, a Nonagon, na cidade de Lagoa, um local onde está concentrado um vasto leque de profissionais ligado à tecnologia. Estamos constantemente a receber visitas de empresários e entidades públicas, somos uma montra da tecnologia que existe na região. Desde o início deste ano tivemos uma grande quantidade de visitas de grupos e considero que 90% das pessoas que nos visitaram são o meu público-alvo. As pessoas querem é saber quando as malas vão estar disponíveis no mercado, raramente perguntam pelo preço, o que achei engraçado porque o preço pode condicionar a compra, como é óbvio. São pessoas de negócios, que apreciam o produto pela beleza, pelo cheiro, pelas características tão próprias que a mala tem. Alguns até me perguntam se podem comprar os protótipos, mas jamais os venderia, claro. Quando a mala for vendida, vai ser vendida enquanto produto final e nas melhores condições. São encomendas apalavradas, as pessoas dizem que adoram e querem, mas como o produto ainda não está à venda, não está nada garantido. Acredito que se já estivesse o produto pronto tinha vendido umas quantas.

Há algum cuidado especial que tenha de se ter para preservar a carteira?

Como qualquer mala de pele, de uma estação para a outra temos de ter muito cuidado com a humidade, porque estraga os produtos. Dei muita atenção a esse ponto na projeção da mala, que vem acompanhada por uma bolsa própria para se guardar a mala e protegê-la ao máximo da humidade, de modo a não estragar o couro. Também se costuma fazer muito isto com os sapatos. Já a criptoméria, que é sujeita a um processo de colagem muito eficaz, é uma matéria-prima bastante resistente. Nessa mesma bolsinha, cada cliente vai ter acesso a uma descrição de toda a história daquela coleção e vai saber como foi a chegada da criptoméria aos Açores. O tema desta primeira coleção é ‘raízes’ porque, de certa forma, vou impulsionar a criptoméria nos Açores e ela também ganhou cá raízes. Como temos um clima muito semelhante ao Japão, este tipo de madeira adapta-se perfeitamente ao nosso clima.

Quanto custará cada uma destas carteiras?

Não consigo avançar ainda. Temos de estudar primeiro a marca da mala e os custos de produção.

No futuro estas carteiras de criptoméria podem vir a ser um dos produtos de referência dos Açores?

Sem dúvida. O que quero é trabalhar a nossa matéria-prima, o que temos de melhor e de bom na nossa terra. É também uma área totalmente distinta, um produto de valor acrescentado que pode impulsionar a produção do ananás dos Açores e criar postos de trabalho. Tem todas as características para que, quando houver uma marca associada à mala, essa marca seja mundial, para acompanhar todos os mercados, mas nunca perca a ligação às origens. Sou uma apaixonada pela minha terra e pelas minhas origens. Não vai ser possível separar estas malas dos Açores.

O que mais a desafia neste projeto?

Trabalhar numa área totalmente distinta da minha formação, que é arquitetura de interiores. A moda para mim era uma área desconhecida. Para mim é muito mais fácil projetar um prédio que uma mala, mas fui apoiada por profissionais da área. Construir uma mala foi incrivelmente difícil para mim porque não tenho nenhum curso de corte e costura. Mas quando uma pessoa é criativa tem de estar a par do que está a ser feito e a pesquisa, para chegar ao ponto em que este projeto chegou, foi muito exaustiva. Acredito que ainda tenho um longo caminho a percorrer até dominar totalmente esta ferramenta que é a moda.

Esta não é a primeira vez que se distingue num projeto empreendedor…

Por acaso, não. O meu ateliê, em 2012, ganhou o concurso regional de empreendedorismo com o conceito da ‘Casa de Bonecas’, um projeto direcionado às crianças. A maquete profissional deste mesmo projeto foi feita em criptoméria porque esta madeira tem todas as características essenciais.

De onde vem a sua paixão pela moda?

Da mulher que sou. Costumo comentar muitas vezes com o Francisco, meu namorado e braço direito, que se fosse hoje tirar um curso seria de moda, sem dúvida alguma.