As mulherzinhas de João Nicolau

Dois rostos novinhos em folha para o cinema português, Clara Riedenstein e Júlia Palha, as protagonistas de ‘John From’, um conto mágico de João Nicolau sobre amores adolescentes de verão luminoso, em filme.

Há um sonho juvenil de verão em Telheiras. Em ‘John From’, o novo filme de João Nicolau, cineasta de A Espada e a Rosa, filma-se um verão em Lisboa e os desejos amorosos de uma adolescente que se perde de amores pelo vizinho de baixo, um homem bastante mais velho. Quem nunca teve uma fantasia romântica que atire a primeira pedra, mas esta rapariga tem uma fantasia insaciável. De repente, na sua cabeça, Telheiras pode ficar transformada como uma ilha da Polinésia, com histórias e enredos de aventuras fora da realidade.

A Nicolau interessou-lhe o gesto de captar a inocência da adolescência no feminino. Isso e a cumplicidade feminina. A adolescente apaixonada tem uma amiga confidente, também adolescente e falam com códigos juvenis, trocando mensagens no elevador. As duas vizinhas e protagonistas são duas verdadeiras adolescentes achadas num casting mágico. Duas não atrizes que agora querem ser atrizes: Clara Riedenstein, na altura 13, agora 15, Júlia Palha, 15 e agora 17. Clara já está agenciada mas ainda não voltou a filmar (apenas uma participação num teledisco de Ana Moura), Júlia fez já uma novela e não quer parar.

Nenhuma delas tem diretamente a ver com estas raparigas: “não me identificava nada com ela, sobretudo com aquele ar dela de maria-rapaz. Seja como for, gostei muito de a interpretar. Eu, na altura, era muito diferente daquilo que sou hoje – era uma criança! Agora custa-me um bocado estar a ver-me daquela maneira no grande ecrã”, conta Clara, já mais mulherzinha. Júlia também não se identifica com a sua personagem mas percebe os jogos semânticos quando se dirigem uma à outra por Paulo Rodrigo:

“Sim, tenho amigas com as quais nos tratamos por outros nomes. Isso é algo que tipicamente as raparigas fazem”.

A questão é, terá João Nicolau conseguido entrar no universo das meninas? Como é que um homem feito descodifica a cabeça de uma adolescente? “Esse era o desafio, precisamente. Lembro-me que ele dizer que perguntou a amigas uma série de coisas, bem como a ex-namoradas. Como é que era a convivência no secundário e tudo isso…”, conta Júlia, enquanto Clara salienta que o realizador acertou em cheio. E tem razão, Nicolau não foi atrás do eterno feminino, talvez tenha ido mais para o terno feminino…

Quem são afinal estas estreantes em cinema, coisa tão rara no panorama do nosso audiovisual?

Júlia Palha está no 12º ano, na área de economia, embora esteja precisamente naquele momento de decisão grande: continuar por aí ou seguir algo na outra área, a da representação. Apetece-lhe ser atriz, percebe-se bem. Quem vê telenovelas diz que a sua interpretação em ‘Coração de Ouro’ tem um “je ne sais quoi” interessante. Talvez por isso já tenha sido capa de uma revista feminina e, por certo, chamado a atenção de diretores de casting, caso não andem distraídos. Antes, algum tempo antes, aprendeu a enfrentar as câmaras como jovem modelo em produções de moda e publicidade. Por seu turno, Clara, filha de pai austríaco e mãe egípcia, é a adolescente que se deixa consumir pela vontade de aprender. Está também no liceu mas quando era ainda mais jovem fez teatro na escola e uns cursos de representação. Garante não ter um minuto livre na sua agenda sobrecarregada de atividades extracurriculares. Quando o tem embrenha-se na leitura, aquilo que mais gosta de fazer.

“Lembro-me de no primeiro casting tudo ter sido ao lado. Lembro-me que o João pediu-me para fazer tudo com mais calma e mais tempo, bem à maneira do cinema português de autor, que não tem nada a ver com aquilo que se faz nas telenovelas. Era tudo diferente do que esperava…”, conta-nos Júlia.

Alguns dos maiores talentos femininos do cinema contemporâneo também foram encontrados assim, em casting de talento espontâneo, como, por exemplo, Ana Moreira, descoberta nos anos 90 para ‘Mutantes’ por Teresa Villaverde.

Uma coisa tem Clara a certeza: este filme mudou a sua vida: “dei tudo o que tinha. Na volta, até dei demasiado, mas sou sempre assim: dou sempre 110%, seja nas aulas de teatro ou de ténis. Estava habituada a dar o meu máximo, mas como foi no verão acabei a rodagem muito cansada. Foi tão bom porque serviu como experiência que me mostrou que às vezes posso relaxar”.

Por agora, Júlia Palha e Clara Riedenstein estão prontas para o próximo plano.