Aumento da licença de maternidade afasta mulheres do trabalho?

amamentar

“Sou mãe de dois e tornei-me defensora acérrima da amamentação, do quão lógico e prático isso é, quando me confrontei com a necessidade de regressar ao trabalho após cinco meses de licença de maternidade”. Eis a razão que levou Carina Pereira, de 35 anos, subdiretora de uma escola de línguas no Porto, a lançar uma petição pública pelo alargamento do período de licença de maternidade até aos seis meses, sem lugar a penalização, ou seja, mantendo o pagamento a 100%.

No seu caso pessoal, Carina, como explicou ao Delas.pt, juntou férias e licença sem vencimento à de maternidade quando o seu primeiro filho nasceu, há três anos. Mais recentemente, aquando da chegada do segundo filho, agora com um ano, estendeu a licença de maternidade por mais 90 dias.

O documento, que continua a somar subscritores (estando próximo dos 20 mil) na Web, deu entrada na Comissão Parlamentar de Trabalho e Segurança Social, já recolheu o apoio do PCP e do BE, como noticiou o Diário de Notícias, e deverá ser levado a plenário em abril. “Se esta é uma medida recomendada pela Organização Mundial da Saúde é porque faz bem às crianças e às famílias”, vinca a promotora da iniciativa que já conta com assinaturas tanto de mulheres como de homens.

“Começámos por recolher muitas assinaturas junto das mulheres, mas também temos atualmente muitos homens”, afirma Carina Pereira, responsável pela petição.

Críticas à petição
O aplauso em torno da causa – que pretende colocar Portugal, lê-se na petição, num “lugar cimeiro no que diz respeito à amamentação”, alargando o período dos atuais quatro para os seis meses – tem sido bastante audível. Tal não quer dizer, porém, que esteja imune a críticas. “As reações têm sido maioritariamente boas, mas há algumas pessoas que falam da questão da igualdade entre homens e mulheres e que uma medida desta natureza pode aumentar o fosso entre ambos no trabalho”, analisa Carina Pereira.

“O que falta nesta proposta é olhar para a situação dos homens”, contrapõe Sara Falcão Casaca. A socióloga e investigadora do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) vinca a tese do “fosso ainda maior entre homens e mulheres” e que posições desta natureza “não fazem progredir a igualdade dos direitos de ambos sexos a nível profissional e pessoal, e eles estão ligados”.

A professora e especialista na temática da igualdade de género deixa claro, porém, que “em termos abstratos, desejar que as famílias tenham mais tempo para ficar com as crianças é sempre uma boa medida e segue em linha com as recomendações da OMS, e que a petição foca, mas sendo uma estudiosa das matérias de género, não consigo ver esta recomendação sem que ela traga riscos do ponto de vista da modernização das questões de género”. Para a investigadora, o documento que defende o “alargamento da licença das mulheres, deve também reivindicar o aumento da licença para os homens, e isso está em falta nesta proposta”.

“A petição deve também reivindicar o aumento da licença para os homens, e isso está em falta nesta proposta”, afirma Sara Falcão Casaca, socióloga e especialista na temática da igualdade de género

Ainda os estereótipos
“Sabemos que as mulheres são discriminadas devido a conceções estereotipadas segundo as quais elas priorizam a família sobre o trabalho e que estão imediatamente menos disponíveis. Se reforçamos isto por via das políticas públicas, estamos a potenciar a sua discriminação. Outra coisa seria as mulheres e os homens terem os mesmo direitos no domínio da articulação do trabalho e, assim, nenhuma entidade empregadora teria razões para preferir homens ou mulheres para determinada função ou cargo. O caminho da igualdade faz-se por aí”, argumenta a mesma socióloga. E exemplifica: “A Islândia tem nove meses de licença em que três são para a mãe, três para o pai e mais três para um deles. Os países nórdicos têm dado licenças parentais longas sem esquecer a partilha.”

Quando confrontada com a questão do alargamento devido ao período de amamentação dos filhos, a investigadora defende que “se uma mãe está a amamentar, a lei atual deve dar condições, mas a legislação atual pode ser revista para os homens que queiram aleitar tenham a mesma possibilidade”, afirma, recordando que a lei portuguesa, “progressista”, já “prevê o papel do homens e estabelece que o pai possa beneficiar de dois períodos por dia para aleitar, tal como a mãe”.

“A Islândia tem nove meses de licença em que três são para a mãe, três para o pai e mais três para um deles. Os países nórdicos têm dado licenças parentais longas sem esquecer a partilha”, informa Sara Falcão Casaca

Licença parental em cima da mesa
Carina Pereira sublinha que não incluiu todas as matérias que pretendia nesta petição por uma razão: “Procurei ser o mais concreta e percetível possível. Se pedisse muitas coisas numa petição talvez se conseguisse ir mais longe, para já o texto fala do alargamento da licença.”

Nesta fase, a licença parental também está em cima da mesa, fazendo aumentar de duas para três semanas o tempo permitido ao pai para ficar em casa com o recém-nascido e com a mãe. É, no entanto, “uma decisão que está dependente do Orçamento do Estado”, vinca a subdiretora da escola de línguas do Porto. Sara Falcão Casaca lembra que “a maior presença dos homens no exercício da parentalidade tem vindo a ser incentivada, primeiro com cinco dias obrigatórios, depois dez, agora 15 e, quem sabe, passaríamos para um mês”. Mas nada disto obriga a que se fique por aqui. A socióloga lembra que é importante olhar para lá das fronteiras.