Barbara Barrett: “Os pais das raparigas são muitas vezes os que fazem a mudança, a transição”

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Diz que foi aos quatro anos que descobriu que tinha mais destinos à escolha para além de enfermeira, secretária ou professora. Diz que o pai foi a principal influência na sua vida e na ausência de barreiras de género que sente. É americana, republicana, foi embaixadora dos Estados Unidos na Finlândia, nomeada por George W. Bush, foi a primeira mulher em muitas coisas, entre as quais a ir ao espaço num voo comercial. Esteve na Conferência Horasis Global, no Estoril, a debater o futuro do ponto de vista do cargo que ocupa hoje: Presidente da Aeorspace Coorporation e está bastante otimista em relação ao futuro do mundo e do Universo.

Quem foi a sua maior influência para se tornar quem é hoje?

Foi o meu pai. A certa altura, eu era ainda muito nova, vivíamos no campo e o meu pai e o nosso vizinho estavam a trabalhar no trator. Eu estava com eles, sentada no lugar do condutor, tinha talvez uns quatro anos e o vizinho perguntou-me: “Barbara, o que é que queres ser quando fores grande?”

O que é que respondeu?

Eu já estava condicionada nessa altura. Pensava que uma mulher tinha três escolhas, que podia ser ou professora, ou secretária ou enfermeira. Eu não sabia nessa altura que desmaiava quando vejo sangue, por isso respondi que queria ser enfermeira. O meu pai, que estava de costas para mim, não se virou, não olhou para cima, não olhou para mim, apenas disse: “porque não uma médica?”. Eu tinha respondido enfermeira porque não sabia que as raparigas se podiam tornar médicas. Não havia mulheres médicas. Esta frase do meu pai abriu os meus olhos, percebi na altura que não precisava de me confinar ao que já existia.

Foi sempre assim, o seu pai deu-lhe sempre as asas de que precisou?

Sim, sem dúvida. Quando eu e o meu irmão éramos muito pequenos, o meu pai levou-nos a dar uma volta de avião. Creio que o meu pai queria experimentar, mas levou-nos também porque queria que nós não tivéssemos medo de nada.

Foi quando começou a sua paixão por aviões?

Sim. Lembro-me que não tive medo nenhum e que adorei. Sim, deve ter sido nessa altura.

Teve outras pessoas marcantes na vida? Mais alguém que a tenha ajudado a quebrar as barreiras que as mulheres tinham à época?

Sim. Uma mulher com quem trabalhei. Ela era muito mais importante do que eu. Eu era estagiária num departamento do Estado e a Sandra Day O’Connor era senadora. Nessa altura ela tornou-se Juíza do Supremo Tribunal dos Estados Unidos. Ela ensinou-me que seria importante fazer fazer uma licenciatura em direito, que tomar para nós a liderança era importante, que era importante não estar sempre sempre nos bastidores, e disse-me uma coisa muito importante: “Se não fores tu a tomar a liderança, será um homem”. A verdade é que muitas vezes fiz coisas, que se não fosse eu, não seria mais nenhuma mulher a fazê-lo. A única maneira das mulheres terem mais oportunidades é se as mulheres fizerem mais coisas.

Ter um mentor que é uma mulher é diferente de ter um mentor que é um homem?

Deve ser diferente. No meu caso, o que tinha não era uma mentora, mas um modelo. A Sandra Day O’Connor era um modelo para mim. Ela não passou muito tempo comigo, para poder ser considerada uma mentora, mas mostrou-me o que é que uma grande mulher faz, mostrou-me como ser uma mulher que está a fazer um trabalho como um homem faz. Quanto aos homens mentores… creio que são os pais das raparigas que muitas vezes mudam o mundo.

Não são as mães?

As mães também, mas são os pais das raparigas porque são eles que tantas vezes gerem os negócios. Se tiverem filhos rapazes passam a liderança para os rapazes naturalmente, mas se tiverem raparigas começam a por em causa o sistema de liderança masculina, porque vêem nas filhas a capacidade de liderar. Vão querer que as filhas assumam o controlo. Os pais das raparigas são muitas vezes os que fazem a mudança, a transição.

Qual é a importância do casamento numa carreira como a sua? Está casada já 38 anos, tem uma carreira internacional, foi embaixadora na Finlândia? Foi difícil conjugar as duas coisas?

Sim, claro que sim. Tivemos momentos difíceis. E de todas as noites que passei longe, não houve uma única em que eu não preferisse estar com o meu marido. Mas eu faço um investimento. Há certas coisas que temos de fazer que são investimentos. Eu faço o que eu faço. E quando estamos juntos é muito melhor, porque tenho saudades dele e porque temos coisas para contar um ao outro. Ele fica orgulhoso e excitado com o que eu consegui e eu fico orgulhosa das coisas que ele está a fazer. Temos muitas coisas de que falar, muitas coisas para planear, planeamos fazer coisas juntos, e quando estamos juntos, estamos mesmo juntos. Quando se está casado pode fazer-se certas coisas por tempo limitado: ser embaixadora, ir para a faculdade. Há coisas que temos de fazer por nós que são boas para o casamento.

Conheceu o seu marido no topo de uma montanha. Foi amor à primeira vista?

Não. Para dizer a verdade estava a sentir-me um pouco tola. Estava lá em cima sozinha, aparece um homem, começámos a conversar. Pensei por uns momentos se ele seria uma ameaça. Mas depois pense melhor. As pessoas que são uma ameaça são preguiçosas, não se põem a subir montanhas, estariam naquela altura num bar. Quem sobe uma montanha não é uma pessoa que esteja à procura de confusão.

Em 1994 foi a primeira mulher republicana a concorrer ao cargo de governadora do Arizona. Faz alguma diferença ser uma mulher na corrida a um cargo político?

Quando me candidatei nunca nenhuma mulher republicana tinha concorrido ao cargo, de facto. E eu não ganhei. Ganhou um homem e ele acabou por endividar o Estado e perdeu o cargo… A minha versão é – é a minha versão, pode não ser verdade, mas é aquilo em que acredito: é que o Arizona estava tão triste por terem votado nele em vez de em mim que na eleição seguinte, para os cinco cargos que são eleitos nas eleições estaduais, quem ganhou foram cinco mulheres – a governadora, a secretária de estado, a procuradora, a presidente do banco estadual e a superintendente da educação eram todas mulheres. Foi único e inaudito, que uma mulher se candidatasse ao cargo de governador, e não fui eleita. Mas nas eleições seguintes, todas as mulheres que se candidataram foram eleitas.

Acredita que as mulheres são mais capazes de governar mais de acordo com o interesse do povo do que os homens. Ao nível familiar há várias experiências que parecem demonstrá-lo, como o microcrédito. Ao nível político é possível tirar as mesmas conclusões?

Bem, não gosto muito de dizer que as mulheres, como um grupo, são mais altas ou mais baixas, mais fortes ou mas fracas, ou que não são boas a matemática. Eu tenho um nível académico em matemática! Não gosto de generalizações sobre o que as mulheres podem fazer ou não podem, conseguem ou não conseguem. Sou um pouco resistente à ideia de colocar todas as mulheres numa categoria. Já se disse que as mulheres não podem ser ser astronautas, não podem ser pilotos de aviação. De facto, durante décadas as mulheres foram arredadas de muitos trabalhos porque alguém disse que as mulheres não podiam fazer certas coisas. Por isso, não sou muito favorável a dizer-se que todas as mulheres são mais de certa forma ou de outra. Mas há de facto algumas coisas que as mulheres fazem, como fazem os subjugados, os desfavorecidos. Quando se está no poder decide-se o que fazer sozinho, é só dizer. Quando não se tem poder habituamo-nos a trabalhar com outras pessoas e a dizer o que gostaríamos de fazer, não o que vamos fazer. Negociamos. Tornamo-nos cooperantes. E na verdade as mulheres estiveram arredadas do poder demasiado tempo, então cooperam mais, colaboram mais, comunicam mais, formam equipas. Essas características são específicas das mulheres ou são específicas de quem não costuma estar no poder? Não sei. Mas a colaboração é um método de gestão cada vez mais frequente, a comunicação e a tolerância, são características de gestão muito apreciadas neste momento, e as mulheres, seja por não terem estado no poder, seja por termos uma inclinação inata, têm essa forma de trabalhar e, seja por que razão for, está a resultar.

Como é que uma mulher como a Barbara, que liderou o caminho e foi a primeira a abrir as portas a outras mulheres para determinados cargos, viu as eleições presidenciais norte-americanas de 2016?

Eu sou uma defensora das mulheres, é verdade, mas também advogo que é preciso que as mulheres tenham as competências necessárias para fazer uma determinada função. Esta eleição foi uma pena. Eu adoraria ver uma mulher no papel de Presidente, como fiquei muito feliz de ver a Sandra Day O’Connor como a primeira mulher no Supremo Tribunal. Mas acredito que a Hillary Clinton era uma candidata com muitos defeitos, ela tinha problemas que não eram compatíveis com o cargo. Claro que era um plus ela ser mulher, mas ela acabou por deitar isso por terra, a meu ver, pelos defeitos que apresentou.

Veio a Cascais como Presidente da Coorporação Aeroespacial Americana. O espaço já não é a última fronteira?

Ainda temos outras fronteiras: os mares profundos, os mundos microbiológicos que existem até nos nossos corpos… ainda há muitas fronteiras. O espaço talvez seja a fronteira mais distante e a mais apaixonante, porque nos faz sonhar alto, visualizar coisas que são difíceis de imaginar. Talvez o espaço seja a melhor fronteira.

Em que ponto estamos da investigação espacial?

Há todo o tipo de descobertas extraordinárias. Pela primeira vez na História, há um instrumento feito pelo homem que está fora do sistema solar, que já passou Plutão. Temos carros todo o terreno em Marte, que estão a recolher amostras de solo para perceber o que aconteceu ao líquido que já existiu no planeta. Há evidência de ter havido água em Marte. Temos uma nave espacial, a Cassini, que está a penetrar nos anéis de Saturno. Temos uma nave entre os aneis e o planeta e tirar fotografias para tentar perceber se os anéis são sólidos ou gases. Sobre Júpiter está Juno, outra nave espacial. No telescópio já conseguimos ver espirais enormes neste planeta e sabemos que são furacões maiores do que a Terra. Estamos a descobrir coisas incríveis e ainda temos muito mais para aprender. E isto é apenas no nosso sistema solar.

E fora do Sistema Solar?

Estamos a descobrir planetas, 150 e a contar com água. Até ao virar do milénio estávamos a fazer questões como “será que há outros planetas com condições para a vida existir?” e depois encontrámos um e depois outro, e outro, parecem pipocas a sair! São agora 150 planetas em que a vida pode existir!

De que tipo de vida estamos a falar?

Não estamos a falar de vida inteligente. Talvez exista algures vida inteligente. Estamos a falar de níveis de vida microbiológica. Mas encontrar este tipo de vida é bastante assinalável e pode ser sinal de que encontraremos formas de vida mais sofisticadas. Isso poderia dizer-nos se estamos absolutamente sozinhos, na verdade não estamos, mesmo que só encontremos micróbios. E é sinal de que encontramos planetas com marcadores para que a vida se desenvolva.

Há algum plano para o futuro para a Humanidade colonizar esses planetas?

Há planos para ir explorar mas ainda não descobrimos como o vamos fazer. Ainda não temos a tecnologia necessária para regressar à Terra. É necessário muito tempo para chegar a Marte, uma grande parte do nosso tempo de vida. E chegar lá é uma coisa, mas depois voltar é outra. É necessária muita energia e, ainda mais difícil, ter uma forma de fazer com que um foguetão levante de Marte. Não temos essa capacidade científica. Tínhamos que levar tudo para Marte e não somos capazes, por enquanto.

Mas é uma possibilidade?

Sabe, estive numa reunião com o tipo [Andy Weir] que escreveu ‘The Martian’ [‘Perdido em Marte’] para discutir quais são os problemas que vamos ter de resolver antes de podermos colonizar Marte. Só o facto de ter tanta gente tão inteligente numa sala a apontar os problemas mais difíceis para que possamos ir viver para Marte, é o primeiro passo.

Como é que responde às pessoas que dizem “Porquê ir para o Espaço quando temos tanta coisa para resolver na Terra”?

Há qualquer coisa de comum na Humanidade… a curiosidade. Queremos saber tanto o que está ao virar da esquina… e depois há alguns humanos que não querem conhecer apenas o que está perto. Pessoas diferentes têm curiosidade sobre coisas diferentes. Desde que o Homem é Homem, desde que começámos a andar em duas pernas, começámos a observar as estrelas e queres explorar o universo, por isso, não sabemos que tipo de recompensas teremos, mas se o fim da Terra não for inevitável, como tanta gente parece acreditar, precisamos de pensar em que outros lugares a nossa vida pode resultar ou em que outros lugares existem fontes de energia mais eficientes do que as que utilizamos na Terra. E depois devemos pensar nas coisas que o Programa Espacial já deu à Terra: as lentes de contacto são uma delas, o aumento da capacidade de armazenamento de energia em baterias talvez seja o próximo.