Clara Sottomayor: uma feminista no Tribunal Constitucional

Clara Sottomayor
Fotografia de Jorge Simão

Clara Sottomayor tem 50 anos e faz parte dos cinco novos juízes do Tribunal Constitucional que, na quarta-feira, foram aprovados no Parlamento. Nasceu em Braga, a cidade da mãe e dos avós maternos. É a terceira de quatro irmãos, com apenas um ou dois anos de diferença uns dos outros. Aos seis anos, a família mudou-se para Ílhavo, em Aveiro, onde o pai foi trabalhar na Fábrica da Vista Alegre. Aí ficou até aos 14 anos. Depois mudou-se para o Porto, mas ainda hoje diz: “Sinto que a Vista Alegre é a minha terra”.

Foi precisamente aos 14 anos que Clara decidiu que queria estudar Direito. Em entrevista à Notícias Magazine, em 2014, revelou que sempre foi muito sensível à injustiça. “Nunca ficava indiferente e cultivei o hábito de me posicionar a favor de quem está a ser lesado. Tive sempre este impulso”, disse. Já nessa idade se incomodava com os piropos e considerava-se vítima de “abuso sexual verbal”.


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No que toca à coadoção e adoção de crianças por casais do mesmo sexo, é totalmente a favor. “Compreendo que as pessoas tenham reservas e receiem novas formas de família. Afinal todos gostamos de ver confirma­das as nossas crenças. Mas ser pai ou ser mãe é algo muito profun­do. Tem que ver com valores morais, afetivos e emocionais que tanto têm os casais de sexo diferente como os do mesmo sexo. E a ciência confirma que as crianças que vivem com pais do mesmo sexo estão tão bem como as outras”, explicou.

Antes de chegar ao cargo que ocupa agora no Tribunal Constitucional foi investigadora, professora universitária – na Universidade Católica Portuguesa e na Escola de Direito do Porto – e juíza no Tribunal de Família e Menores do Porto, onde trabalhou em vários processos de regulação paternal. Alguns, como o caso Esmeralda, levaram-na a manifestar-se publicamente. Acabou por escrever vários livros sobre o tema. Depois fez parte dos 60 juízes do Superior Tribunal de Justiça. Na altura só cinco eram mulheres e Clara Sottomayor era uma delas.

“Durante a ditadura, a lei proibia as mulheres de exercerem funções de autoridade e de ingres­sarem na magistratura e na diplomacia alegadamente porque eram muito emotivas. Mas já passaram quarenta anos e, apesar da igualdade no acesso se refletir nas outras instâncias, ainda não se faz sentir no Supremo”, afirmou a nova juíza feminista do Tribunal Constitucional.

Feminista por uma questão de justiça
Clara Sottomayor é assumidamente feminista por uma questão de igualdade. Para ela, as mulheres são “um grupo descriminado historicamente”.

“Ser feminista não é nada de extravagante, como erradamente se pensa, por preconceito. É ser defensora da igualdade de género e da igualdade de oportunidades para todas as pessoas, em prol de uma sociedade melhor. O movimento feminista tem lutado em todo o mundo pelas causas mais nobres que conheço: o direito de voto das mulheres, o acesso à educação, a igualdade de direitos e deveres no casamento, a autonomia da mulher casada e a independência econó­mica das mulheres, a proteção das vítimas de violência e das crian­ças, só para citar alguns”, salientou.

Defensora de todos estes valores, a juíza recorre com frequência ao Facebook para expressar a sua opinião sobre o que se vai passando no mundo e no País. Em 2014 revelou que era das poucas pessoas, na sua profissão, que tinham conta nesta rede social. “Que eu saiba, além de mim, só dois conselheiros têm conta aberta no Facebook. São dois colegas de outras secções. Mas há muitos magistrados e magistradas de outras instâncias que estão na minha página”, afirmou.