Cláudia Vieira: “É impossível não errar quando se é mãe”

O palco do Teatro da Trindade será, a partir de 6 de setembro, pisado por Cláudia Vieira. Falámos com a atriz na plateia com vista direta para as cortinas atrás das quais irá deixar o nervosismo deste regresso ao teatro. À boleia de Hollywood é a peça, com encenação de Cucha Carvalheiro, que serviu de mote de a entrevista que foi muito além do teatro.

Com um grande sorriso e sinceridade, a atriz também nos falou da maternidade.

a carregar vídeo

Como está a ser este regresso ao teatro?

Era um regresso muito desejado e muito necessário para mim enquanto atriz, estava-me a fazer falta pisar o palco e trabalhar personagens desta forma. Faltava-me ser desafiada, esta é uma personagem de construção e para qual desconstruo um bocadinho a minha imagem. É um texto muito bonito de Neil Simon, que nos deixa sonhar, que nos emociona, que nos faz rir. É um espetáculo que me estava a ser muito necessário para a minha realização pessoal e para a minha carreira.

O que é o teatro lhe dá que a televisão não consegue dar?

Dá-me o contacto com uma sala cheia de gente, dá-me a reação no momento em que estou a representar e isso altera completamente a nossa forma de atuar. Traz-nos um nervosismo gigante, que só nos faz bem, porque nos desperta todos os sentidos.

Esse nervosismo mantém-lhe os pés no chão?

Mantém. Mas eu acho que não preciso disso para ser uma pessoa com os pés na terra. Não sou nada deslumbrada. Tenho consciência que as coisas foram acontecendo, sinto-me grata por isso, mas sei que houve uma entrega e dedicação enorme da minha parte. A minha carreira foi pautada por crescimento que eu não ambicionava, que eu não sonhava, que não desejava, mas para qual eu trabalho. O facto de eu ser bastante comercial e ter essa consciência faz-me ter respeito por aquilo que sou. Faz-me ter vontade de me afirmar e de criar o meu espaço na representação. O teatro dá-me isso, é uma afirmação muito minha.

O que é ser uma atriz comercial?

Eu não sou uma atriz comercial, corrijo para “eu sei que sou comercial”. Sempre fiz muita publicidade, já o fazia antes de representar, e isso cria, obviamente, uma ligação com marcas que nos torna comerciais. Depois, decorre do facto de fazer tanta telenovela, que nunca me permitiu fazer muitas outras coisas porque tive de dar muitos ‘nãos’ que não queria ter dado. Não queria mesmo. Mas eu estava embrulhada naquele meio, senti que precisava de criar primeiro o meu espaço na televisão.

A Cláudia tem os pés bem assentes na terra, ainda se deixa deslumbrar?

Deixo. Gosto de viver as coisas com intensidade e ainda fico maravilhada. A beleza e dimensão que os espetáculos e a arte têm, mexem muito comigo. Essa agitação que é provocada em mim faz-me ser muito apaixonada e usufruir dos momentos. Houve um momento da minha vida em que senti que não estava a viver dessa maneira, estava a esquecer-me dos meus rituais, dos momentos de introspeção, que para mim são uma das coisas mais essenciais para as pessoas serem felizes. Temos de nos conhecer, é preciso não viver com as imagens dos outros, que é algo que as redes sociais nos trazem muito. Hoje, há um deslumbre pela vida dos outros, porque só se partilham as coisas boas. Vive-se a viver a vida dos outros.

É uma Cláudia diferente no Instagram do que na realidade?

Tento não ser, mas não vou negar que quando não faço tantas partilhas é porque se calhar não estou tão tranquila ou tão em paz.

As redes sociais ajudaram-na a controlar o que dizem sobre si?

Sim. As redes sociais são uma ferramenta muito interessante. Adiei muito pegar nela, porque, por um lado, não queria ir para elas com um perfil que não correspondesse ao que sou. Por outro, para corresponder ao que sou, tinha de opinar – porque tenho opiniões sobre muita coisa – e, de repente, podia começar a opinar muito e achava que não fazia sentido.

Porque é que acha que não faz sentido partilhar a sua opinião?

Porque vai haver um julgamento e porque não temos que expor tudo o que somos. Temos de ser fiéis a nós, mesmo profissionalmente temos de ser o mais próximo possível do que somos, mas não temos de ser totalmente nós. Se eu for para as redes sociais mostrar a minha opinião, estou a ser um livro aberto, e eu não concordo com o abrir da porta de casa. As pessoas que têm uma imagem pública têm de se preservar.

Como é que se sabe onde está essa linha ténue entre o que se pode expor ou não?

Não se sabe, e tem tudo a ver com a personalidade de cada um. Só partilho aquilo com que me sinto confortável. Há a necessidade de criar uma ligação mais próxima com as pessoas que acompanham o nosso trabalho, porque isso vai trazer-nos outras coisas profissionalmente. E as redes sociais tornam a nossa aproximação muito mais independente e isso é muito interessante.

Do micro ecrã do telemovél passamos para o grande ecrã. Porque é que não a vemos mais no cinema?

Não me veem tanto nem em teatro, nem em cinema porque a televisão me consome muito, consume a maioria do meu tempo. Tenho consciência de que sou comercial, adoro fazer televisão, não tenho qualquer tipo de má relação com o ritmo das novelas, nem com os textos. Muitas vezes é ingrato, porque há uma crítica gigante, como se fazer televisão fosse um parente menor da representação. Nem toda a gente tem capacidade para o fazer, pela carga de trabalho que exige, pelo número de horas e a quantidade de texto que se tem de trabalhar. Claro que temos uma equipa a ajudar, mas é uma mudança de ritmo que muitas vezes não dá tempo de preparação. Fazer televisão é uma luta contra o tempo.

“Não sou segura, quando subo a um palco fico sempre nervosa.”

Acha que a telenovela, por exigir toda essa rapidez, é a melhor escola para um ator?

Não, a melhor escola é o teatro. Porque a base da representação vive da construção de uma personagem. Ao fazermos muita televisão, a construção de personagem acontece com o rodar, vão surgindo ao longo dos projetos. No teatro isso não pode acontecer. A personagem tem de estar construída e ter as nuances todas do inicio ao fim, e que o encenador e o ator definiram. Tem de haver um trabalho prévio, por isso é que, em teatro, se começa a trabalhar tanto tempo antes. Agora transformar isso para a televisão nem sempre é fácil. Muitos atores que só fazem teatro percebem, quando chegam à televisão, o grau de dificuldade que é trabalhar com as emoções com a rapidez que é exigida. Do episódio 40 podemos passar para o 12, com outras contracenas, uma fase completamente diferente da história. É desconcertante.

Como é que se gere esse ritmo com a vida pessoal, sobretudo quando se tem uma filha pequena?

Não é fácil, mas gosto da vida atribulada. Às vezes, sinto que me foge do controlo, mas adoro ter uma agenda preenchida. Andar de um lado para o outro, no meio disto tudo ver se a Maria já almoçou, saber quem a vai buscar à escola. Mas tenho uma gestão do meu lado pessoal e profissional, que acho muito sensata e equilibrada. A minha vida é feita por projetos, e já sei que há períodos em que estou muito ocupada profissionalmente e vou descurar um bocadinho o meu papel de mãe, ou de filha, ou de namorada…

Sente-se culpada por isso?

Não. Primeiro porque sou sempre atenta. Estou sempre lá e, mesmo não estando, às vezes, presente, sei sempre o que está a acontecer. Sou mãe galinha, portanto tenho o domínio do que está à minha volta, e necessito muito desse controle. Depois tento compensar. Após ter passado por um período em que estive muito ocupada, consigo dizer que não ao trabalho e dedicar tempo à família.

Em 2015, no programa da SIC Alta Definição, disse que ainda deixava a Maria dormir na sua cama e que sabia que se calhar isso era um erro. Ainda a deixa dormir consigo?

Estamos em 2017 e, de vez em quando, ela ainda dorme comigo. Acho que é precisamente uma compensação para uns dias mais ocupados. O facto de ela dormir comigo traz uma partilha de momentos que é absolutamente genial e maravilhosa. Aos olhos dos pediatras e dos psicólogos é, se calhar, algo quase criminoso, mas aos meus é a relação de mãe e filha que é necessária alimentar.

As mães cometem erros ou quando se é mãe tudo é permitido?

As mães cometem muitos erros, mas é impossível não errar quando se é mãe. Cometem erros, mas isso é permitido.

Há algum erro que a sua mãe tenha cometido consigo que não queira repetir com a sua filha?

Há sempre. Eu sempre senti que tinha de conquistar as minhas coisas. Por um lado, trouxe-me uma entrega e dedicação muito grande às coisas. Por outro, não me deixou viver outras, porque quis aproveitar o momento e as portas que se abriram. Quero fazer sentir à minha filha que a vida é para ser vivida sem estar sempre a pensar no futuro, sempre com receios. Quero que ela sinta estabilidade, não quer dizer que a minha mãe não me tenha dado isso, mas são outros tempos e outras vivências.

Achas que é mais fácil ser mãe hoje, e ser mãe divorciada hoje, do que era na altura da tua mãe?

Acho que há uma abertura de mentalidade e de sociedade que torna o papel de mãe mais fácil, porque parece que temos sempre desculpa para tudo. Como temos que dar resposta a várias frentes, e isso faz com que nós e a sociedade desculpemos tudo. O que por vezes provoca distanciamentos. Acho que era mais fácil ser mãe antigamente porque a mulher tinha mais o papel de mãe presente na sua vida, então a grande dedicação era essa. Agora enquanto mulher, acho que a realização é muito mais interessante nos dias de hoje. Por mais que seja difícil a ginástica que se tem de fazer com o tempo – entre ser mãe, ser mulher, ser dona de casa, construir uma carreira -, é difícil, mas é apaixonante, sentimo-nos mais realizadas, sentimos mais o nosso papel.

Enquanto mãe de uma rapariga, acha que essa realização também a vai tornar a sua filha uma mulher mais forte?

Acho que sim. Não há uma limitação, há uma maior abertura de mundo que eu tenho e que a vai ajudar a crescer com mais referências. A nossa infância é altamente marcante e é responsável por muito da nossa personalidade. Quanto mais mundo a minha filha tiver, mais hipóteses de voar ela vai ter.

Da sua infância o que é que a tornou na mulher que é hoje?

A minha infância foi vivida numa cidade pequena da zona de Loures, colada a Lisboa. Cresci numa quinta e uma das maiores referências que tenho é a relação com a natureza, de muito respeito, de muita dedicação e até de necessidade.

Qual é para si o maior luxo: o silêncio ou tempo?

Acho que é o tempo, porque com ele conseguem-se encontrar momentos de silêncio e ser-se mais equilibrado. O tempo consome-nos. Quando o temos, sabemos o que nos faz bem e conseguimos ter a entrega certa nos diversos papéis que assumimos na vida.

Como é que se lida com a mudança emocional constante a que a sua profissão obriga?

Muitas vezes levamos um bocadinho da emoção do dia de trabalho para casa. Como todos nós, seja qual for trabalho em diversas áreas. Às vezes, vou a um estado emocional tão elevado numa cena que, por mais que me queira, não consigo libertar-me, mas é uma questão de minutos. Normalmente, não levo as personagens para casa.

Alguma personagem a marcou de tal forma que tenha mudado um bocadinho a sua personalidade?

Todas nos mudam qualquer coisa, porque a nossa forma de estar é mudada de acordo com as experiências que temos. Por isso, inevitavelmente, todas as personagens nos alteram. Mas isso tem a ver com o dia de trabalho e não necessariamente com as personagens. Esta área é muito diversificada, faz-me ter contacto com realidades muito diferentes, faz-me debruçar em muitas coisas que, se calhar, para outras pessoas, passam de uma forma mais leve.

É mais atenta ao mundo por ser atriz?

Muito mais. Sempre fui muito observadora, mas desenvolvi isso mais desde que comecei a representar. A forma como se dizem as coisas, a entoação que se dá a cada palavra faz muita diferença. É tão especial e tão bom. Para mim representar é um brincar de fazer de conta e eu sou uma privilegiada porque tenho esta profissão.

Percebe melhor o mundo à sua volta e os outros por estar sempre nessa brincadeira de faz de conta?

Talvez. Sou altamente crítica e isso chateia-me um bocadinho porque tenho logo um reparo ou uma avaliação a fazer. Tenho vindo a trabalhar isso. A representação talvez me tenha ajudado a atenuar esse meu lado mais crítico. Por exemplo, a fazer a avaliação do trabalho de um colega, as opiniões divergem tanto. Depois, às vezes, as pessoas que admiramos têm uma opinião que nos influencia e nos faz mudar a nossa opinião. Existe muito esse tipo de critica neste meio, de uns para os outros e do publico também.

Deixa-se afetar por essas críticas?

Não. Até sou confiante, mas fico sempre muito nervosa. Não sou segura, quando subo a um palco fico sempre nervosa. Mas fico sempre surpreendida quando percebo que atores de mão cheia ficam exatamente como eu. Para mim, que me sinto sempre novata, é importante saber que até o melhor ator fica nervoso, e que esses nervos são necessários para pôr os nossos sentidos em alerta e para a nossa entrega ser total e verdadeira. Por isso, sou confiante sem ser segura.

“Acho que era mais fácil ser mãe antigamente porque a mulher tinha mais o papel de mãe presente na sua vida.”

Como é que defende a sua filha das críticas que lhe são feitas publicamente?

Ela ainda é pequena e é relativamente fácil, mas em pouco tempo vai deixar de ser e isso é algo que me preocupa. A Maria vai estar sempre rodeada de pessoas que têm uma opinião sobre a mãe e sobre o pai, ao contrário das outras crianças que estão mais resguardadas. Mas não tem de ser uma figura publica por causa disso. Quero-lhe deixar bem claro que ela pode ser muito discreta, se quiser. O que ela poderá ouvir são opiniões sobre os pais, mas que tem de ser respeitada, porque ela não é uma sombra nossa, é a nossa filha. Preocupa-me um bocadinho, estou na expectativa de ver como ela vai crescer e lidar com tudo, e que consequências é que isso poderá ter na vida dela.

Ela já tem noção que os pais são famosos?

Sim. Ela tem muito essa noção, mas o que é importante é ela saber que não é por os pais serem atores e conhecidos que são superiores ou inferiores a outro pai ou outra mãe com outras profissões.

Além da televisão a Cláudia também se tornou famosa pelos trabalhos como modelo. Sentiu preconceito no meio da representação por ser bonita?

Sim, senti. Havia muita gente com muito talento e que se calhar eram merecedores de estar no lugar em que eu estava e não estavam, estava lá eu. A beleza abriu-me portas, mas por outro lado é preciso mostrar muito mais de nós. É muito mais exigente mostrar que não somos só uma cara bonita, temos de mostrar que temos entrega, que nos desconstruímos e que temos verdade naquilo que estamos a dizer independentemente da personagem ser bonita ou feia. Existe preconceito, e a televisão também sabe muito do que precisa e o que o público quer.

O facto das pessoas já a conhecerem atenua a pressão de ter de estar bem, ter de estar bonita, em boa forma, para conseguir trabalhos?

A experiência de vida faz-me sentir que não tenho de estar sempre a provar coisas aos outros, tenho de provar a mim, apenas. Por outro lado, sei que a expectativa é sempre elevada. Estou num determinado patamar e também não me apetece descer dele, sabe-me bem ter essa posição. Por isso sou muito exigente comigo própria, mas é para mim.

Foi essa tranquilidade e confiança que a idade lhe trouxe?

Foi isso que a vida me foi trazendo. Segurança e aceitação pelo que sou. E a capacidade de conseguir olhar para mim de modo pessoal e profissional, com serenidade.

Fotografias: Global Imagens/Gustavo Bom

Filme: Álvaro Filho