David Ferreira: “Quando inicio o processo de criação de uma coleção não penso em mais nada”

David Ferreira
Lisboa, 26/02/2016 - Entrevista com David Ferreira designer de moda Portugues. (Jorge Amaral/Global Imagens)

Nasceu em Aveiro a 27 de fevereiro de 1990, terra que deixou com 15 anos. Estudou Design de Moda na Escola Profissional Árvore no Porto e partiu para Londres para frequentar vários cursos na Saint Martins School e na West Mister. Candidatou-se ao VFiles Made Fashion 2015, promovido pela revista norte-americana V Magazine, e ganhou a oportunidade de desfilar na Semana de Moda de Nova Iorque, em setembro de 2015. Acabou por ser convidado a concorrer ao Fashion Scout, em Londres, onde venceu o prémio de desfilar na Semana de Moda de Londres sem custos, o que aconteceu em já em fevereiro de 2016 e a oportunidade de participar em mais duas ediçōes com custos reduzidos. O talento de David Ferreira está a chamar a atenção, dentro e fora de Portugal, levando-o a expor as suas coleções em showrooms importantes de Paris, Londres e Nova Iorque. Esteve presente na Plataforma LAB da Moda Lisboa e nós falámos com ele.


Veja o desfile de David Ferreira na ModaLisboa


Saint Martins School e West Mister são duas das grandes escolas europeias na área do design de moda. O que o levou ir estudar para lá?
Sentia-me insatisfeito, queria mais, queria aprender mais, contactar com outras realidades estéticas e criativas. Sentia-me limitado com o curso que fiz no Porto, porque achei que o meu potencial podia ir mais além. Apostei em Londres e nestas duas escolas de referência no universo da moda e o resultado não poderia ser melhor. Tenho noção que Portugal continua a valorizar o que vem de fora, sou português, quero dar a conhecer o meu trabalho ao mundo e passar por esta experiência foi essencial.

O facto de ser português limitou a sua aceitação nestas escolas?
Não. Foi sempre uma questão de menor importância, o que se valoriza é o trabalho, o talento. E desde o primeiro momento que fui incentivado a desenvolver as minhas ideias.

Que são quais?
Explorar a criatividade. Desafiar-me consecutivamente. Não impor limites. Quando se está a começar, quando se é jovem acho importante termos espaço para explorar. Quer em Saint Martins quer na West Mister as palavras-chave eram de incentivo e não de castração.

Lisboa, 26/02/2016 - Entrevista com David Ferreira designer de moda Portugues. (Jorge Amaral/Global Imagens)
Lisboa, 26/02/2016 – Entrevista com David Ferreira designer de moda Portugues.
(Jorge Amaral/Global Imagens)

Apresentou a sua segunda coleção para a próxima estação outono/inverno. Como nasce uma coleção?
Tenho uma ideia que pode partir de um filme, um livro, de uma figura feminina que se destacou ou destaca na sociedade, ou a partir de uma conversa. Exploro a ideia, investigo, e depois começo a desenhar sem restrições. Quando inicio o processo de criação de uma coleção não penso em mais nada que não seja a própria criação, a montagem de uma ideia. Depois vem o ajuste com a realidade, se as peças têm de sofrer algumas alterações para poderem ser comerciais, vendáveis.

Como surgiu a oportunidade de participar na Semana de Moda de Nova Iorque?
Concorri ao concurso Vfiles, promovido pela revista norte-americana V Magazine, que todos os anos lança novos designers no calendário oficial da semana de moda de Nova Iorque. Fui um dos 5 vencedores do Vfiles Made Fashion que tem no júri algumas das mais importantes figuras do setor: Anne Quay (fundadora da Vfiles e ex-editora executiva da V Magazine), Italo Zucchelli, Mel Ottenberg e Dirk Standen, entre outros.

Foi difícil fazer uma coleção para apresentar num dos principais palcos da moda?
A maior e única dificuldade foi, sem dúvida, o tempo. Tive apenas uma semana para tornar uma coleção de seis coordenados numa coleção de 14 coordenados. Parte destas peças tive de as fazer durante o mês de agosto, o que complicou o processo porque em Portugal está tudo fechado para férias. Mas superadas as dificuldades, tudo acabou bem.

Como têm sido as reaçōes ao seu trabalho?
Tenho tido um feedback muito bom. Para além de toda a atenção que tenho recebido dos meios de comunicação internacionais, tenho recebido muitos elogios de editores, fotógrafos, stylists e designers. A Ruth Gruca, diretora do showroom da Vfiles, usou um dos meus vestidos para a afterparty da Givenchy e disse que nunca tinha tido tantos elogios, inclusive Mel Ottenberg e do Riccardo Tisci, sem ignorar os showrooms que querem representar-me em vários países. Neste momento a minha coleção ainda está no showroom da Vfiles em Paris.

Como se sente quando vê peças criadas por si em revistas como a V Magazine?
É muito gratificante. Ainda não tinha terminado a minha licenciatura e já estava a ser abordado pela equipa do Nick Knight e da Amanda Harlech para produzir uma peça única para uma sessão fotográfica para a V Magazine. É uma sensação de orgulho.

O que diverge o seu trabalho do que já existe no mercado?
Pretendo que a minha marca tenha um tom de alta-costura com um twist. Gosto de criar novas silhuetas, explorar formas e de trabalhar a manufatura. Nesta coleção todos os folhos e bordados de lantejoulas foram feitos à mão. O meu processo de criação é muito pessoal, muito eu. Gosto de criar os moldes de origem, criar os bordados, os estampados, tudo. Não sou um designer convencional e não me limito nem às tendências nem à pressão da comercialização. Tenho uma visão muito minha e acho que isso marca a diferença.
Mas o lado comercial é ignorado?
Quando começo a delinear uma coleção não penso nem na criatividade nem na comercialização. Investigo a fundo as minhas inspirações, depois avanço para outras etapas do processo criativo, a verdade é que não limito a ideia. Tenho muitos coordenados que crio sabendo que não são para a mulher comum. A criatividade deve ser um processo natural e não forçado. No entanto, adapto ou recrio ideias mais comerciais.

Que dificuldades se deparam os jovens designers?
Dar os primeiros passos. A Vfiles ajudou-me muito nesta fase, a minha primeira coleção teve mais cobertura mediática e atenção, do que muitos novos designers que já têm mais de quatro coleções apresentadas. A Vfiles também ajudou na comercialização, mostrou o meu trabalho aos compradores dos armazéns Barneys e Selfridges. É fulcral haver apoio e incentivo no lançamento… Depois temos de ser nós a mostrarmos o que valemos!

Com que materiais gosta de trabalhar?
Adoro materiais de qualidade como a seda, couro e pelos naturais. Politicamente incorreto usar pelos naturais… Não misturo política com trabalho…

A cantora Bjork usou uma peça sua num vídeo?
Criei uma espécie de máscara/chapéu num material plástico e a cantora Bjork teve acesso a estas peças e encomendou-me uma para usar num vídeo que tinha de fazer para ser apresentado nos Prémios Bafta, uma vez que não podia estar presente. Entretanto, já estou a realizar mais algumas ideias para ela…
Fotografia de Jorge Amaral/Global imagens