Despenalização da violência doméstica volta a ser aprovada na Rússia

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O Kremlin defendeu hoje o seu projeto-lei que despenaliza as agressões familiares ocasionais (uma agressão por ano) na Rússia, afirmando que não se pode confundir “conflitos familiares com violência doméstica”.

De acordo com a nova legislação, que tem vindo a ser debatida no parlamento russo, bater num filho, mulher ou avô – provocando-lhe hematomas e arranhões – deixa de ser crime punível com prisão, desde que o agressor não repita o ataque, e ao mesmo familiar, no prazo de um ano.

“Temos de diferenciar claramente as relações familiares dos casos de reincidência. Quem ler o projeto-lei vai dar-se conta que os casos de reincidência implicam responsabilidade” penal, disse hoje Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin.

Por outro lado, o agredido tem de conseguir provar que houve uma agressão reincidente.

“Sem nenhuma dúvida que é preciso uma regularização legal que crie um obstáculo à violência doméstica. Mas também não se podem equiparar casos menores a violência familiar”, disse o mesmo porta-voz.

Os deputados russos aprovaram hoje, em segunda leitura, a nova legislação. A menos que haja uma surpresa de última hora, deverão aprová-la também na terceira leitura, marcada para sexta-feira. A partir dessa data, as agressões ocasionais contra familiares na Rússia apenas incorrerão em responsabilidade administrativa, desde que não ocorram mais do que uma vez por ano.

Quando o projeto-lei foi debatido pela primeira vez no parlamento russo, a 14 de janeiro, o advogado especializado em violência do género Mari Davtian considerou a nova lei “um absurdo”.

“As vítimas devem reunir todas as provas de espancamento e ir a todos os locais em tribunal para o provar. É um absurdo. O agredido deve investigar o seu próprio caso”, disse.

Na prática, acrescentou o advogado, em 90% dos casos as vítimas não vão fazer qualquer denúncia, porque o procedimento é muito complicado e porque o agressor é alguém que está na própria casa.

“A descarada ingerência na família” pela justiça “é intolerável”, considerou Vladimir Putin recentemente, ao responder a um ativista que o questionou sobre a conveniência de acabar com uma lei que permite “prender um pai só porque deu umas palmadas num filho porque o mereceu”.


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No entanto, o artigo 116 do Código Penal – que o governo russo quer agora despenalizar – não menciona bofetadas ou palmadas, mas sim “tareias”, que podem deixar lesões como hematomas, arranhões e feridas superficiais.

Uma mulher morre a cada 40 minutos na Rússia vítima de violência de género, um número oculto e silenciado num país dominado por valores ultraconservadores que toleram o machismo como parte da sua tradição.

Entre 12.000 e 14.000 mulheres foram mortas pelos maridos em 2008, segundo números divulgados pelo Ministério do Interior russo, que, desde então, apesar dos múltiplos pedidos de organizações internacionais.