Dieta paleo: devemos comer como os Flinstones?

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Perante o aumento de doenças associadas aos novos hábitos de consumo, alguns nutricionistas aconselham uma dieta ajustada ao nosso código genético ancestral. Vamos numa visita à alimentação do Paleolítico com alguns toques de modernidade.

É que as calorias são sobretudo obtidas a partir do trigo, arroz, milho, açúcar e produtos animais processados, enquanto o uso de tubérculos diminuiu. Resultado? A obesidade e doenças cardiovasculares estão a crescer nos países em desenvolvimento e desenvolvidos Estima-se que aumentem ao ritmo de 130% até 2020. Isto sem falar da diabetes, autêntica epidemia do século XXI, que segundo a Organização Mundial de Saúde já atinge 10% da população mundial.

As vozes de nutricionistas, antropólogos, paleontólogos e até historiadores sobre o que escolhemos comer não tardaram em chegar. São distintas entre si, mas todas apontam as rotinas dietéticas do passado como chave para uma vida mais longa e saudável.

A proposta que vai mais longe, tem feito mais furor, e até arrecadado fãs em Hollywood, é a Dieta Paleo. Jessica Biel e Mathew Mc Conaghey são fiéis seguidores e, a julgar pela excelente forma física, não ousamos contestar a sua saúde.

Regresso ao prato paleolítico

Os mais rígidos seguidores da Paleo ingerem sobretudo carne e peixe, legumes, vegetais, sementes, frutos secos e frescos em pequenas quantidades e de preferência orgânicas. O pão (de trigo e outros cereais com glúten), cereais como o arroz ou milho, leguminosas e processados são abolidos. A ideia é nunca passar fome – um corpo bem nutrido é um corpo saciado, dizem – e o açúcar, não se tenha ilusões, passa a ser uma miragem. O objetivo é seguir uma alimentação semelhante à dos nossos antepassados antes do aparecimento da agricultura e consequente sedentarização.

Loren Cordain, professor no Departamento de Ciência da Saúde e do Desporto da Universidade de Colorado e autor do livro ‘A Dieta do Paleolítico’ — a obra que revelou o poder da alimentação ancestral, explica: “Nós estamos geneticamente adaptados para comer o que os caçadores-recoletores comiam e muitos dos nossos problemas de saúde atuais são o resultado direto do que comemos”.

Francisco Silva, 41 anos, licenciado em Geologia Aplicada e do Ambiente e a trabalhar na área da gestão de resíduos, é um adepto inveterado. Começou por fazer uma dieta low-carb moderada (pobre em hidratos de carbono) quase por curiosidade. “O que estudei nessa altura fez sentido e irritou-me porque é que nunca me tinha questionado antes sobre a alimentação que seguia. Senti-me ignorante e enganado!”, admite. “Continuei a investigar até chegar à Paleo. O grande click deu-se com o avançar da doença de Alzheimer na minha avó e a leitura do livro ‘Cérebro de Farinha’ de Kristin Perlmutter e David Perlmutter, que estabelece várias associações entre o excesso de hidratos de carbono e de glúten, na alimentação ocidental, com as mais diversas doenças, complexas e degenerativas”.

Ele que se considerava um “quase magro barrigudo” perdeu 20 quilogramas, deixou de ter dores de cabeça, ganhou vitalidade e tornou-se mais ativo, apesar de não ser fanático pelo desporto puro e duro (muitos dos seguidores são-no). Daí até à criação de um grupo no Facebook para dar a conhecer este estilo de vida foi um passo. Criou o grupo Paleo Descomplicado que, em menos de dois anos, chegou aos 50.000 seguidores, e já lançou o site Paleo XXI.

Alguns aderiram apenas motivados pela rápida perda de peso que a dieta pode proporcionar, outros porque se sentiam doentes sobretudo com doenças autoimunes como a artrite reumatoide ou síndromes metabólicos associados à diabetes e hipertensão, entre outras. Segundo as centenas de relatos no grupo online, parece que melhorias surgem rapidamente e há mesmo quem deixe de tomar medicamentos como imunodepressores.


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Francisco explica que este movimento ou estilo de vida se desdobrava, originalmente, em dois principais: “A Paleo e a Primal. Enquanto a primeira é mais fechada e mais dogmática (não admite laticínios, por exemplo), a segunda transformou-se em algo mais moderno e equilibrado”. Por exemplo, na Primal é facilmente admitido que produtos fabricados, provenientes da indústria, desde que constituídos por bons ingredientes, e não havendo evidências fortes de que são prejudiciais para a saúde, possam ser consumidos com moderação. É o caso dos derivados de leite como a manteiga e iogurtes e queijos inteiros (gordos) e naturais.

De igual modo, alimentos que a natureza não destinou aos humanos, desde que convenientemente preparados e caso não provoquem desconforto, não terão que ser erradicados, mas antes moderados. As leguminosas são um exemplo desta situação.

Outros olhares

A nutricionista Ana Rita Lopes afirma que apesar desta dieta ser rica em fibras, proteínas, vitaminas, minerais e antioxidantes, assim como ácidos gordos polinsaturados (ómega 3) e ter um baixo consumo de processados, por se excluírem frequentemente laticínios, leguminosas e cereais, “as pessoas podem sofrer de fadiga e falta de energia”, diz. “Além disso, considero que é difícil de colocar em prática devido ao seu fundamentalismo e monotonia em termos de opções alimentares”, conclui.

O seguidores da Paleo rebatem, afirmando que as gorduras ingeridas – sobretudo através do azeite extravirgem, óleo de coco extraído a frio, oleaginosas e frutos secos – associadas a proteínas de qualidade e hidratos de carbono provenientes dos legumes e frutos frescos são mais que suficientes para nutrir um adulto ativo e produtivo. Além disso, um prato fresco e colorido é tudo menos monótono!

Aliás, alerta Francisco, “na Paleo, como em qualquer regime, quem comer mais do que o corpo necessita, ganha peso”. Por isso o que se recomenda é que as pessoas entendam que a comida é combustível para o corpo trabalhar de forma otimizada e que apenas se encha o depósito quando é necessário, sem o fazer transbordar!

Agora uma coisa é certa: quem tem uma alimentação dita “normal” é possível que, no início, sinta uma espécie de “ressaca” assim que retira os açúcares da sua alimentação. É que o açúcar atua como uma droga!

A coach na área da alimentação, Paula Martins, por seu lado alega que o nosso organismo tem uma extraordinária capacidade de adaptabilidade: “Se por exemplo deixarmos de beber leite, deixamos de produzir as enzimas que ajudam a digerir a lactose”. E, acrescenta, “nós já tivemos milhares de anos para nos adaptar aos cereais e a todos os alimentos que entretanto foram surgindo com o advento da agricultura”.

Mas Francisco não é radical. Diz ele: “O nosso corpo é uma máquina fantástica, dotada de um conjunto supercomplexo de mecanismos, que tenta adaptar-se ao meio em que se insere e minimizar estragos. É verdade que algumas adaptações se têm manifestado, mas isso não significa que sejam situações ideais. Ou seja, o facto de eu beber um copo de leite e isso não me provocar nenhum tipo de mau estar imediato, não significa que esse seja o melhor alimento para mim ou que o deva usar diariamente”. O mesmo relata em relação às leguminosas: “Há quem se sinta bem, outros nem por isso. E essa é a mensagem: aprender a interpretar os sinais que o corpo vai emitindo”.

Daí que deixe uma sugestão: “Tentem seguir esta lógica alimentar durante 30 dias (depois de se informarem bem da lógica que a sustenta e do que recomenda). Façam-no como uma experiência!” É que cada indivíduo responde de forma diferente a diferentes estímulos.

Histórias de Paleos sem teoria

Saibam os mais curiosos que são atualmente muito poucos os povos caçadores-recoletores. Conhecem-se os Inuit da Antártida, algumas tribos da Amazónia ou África, como os Hadza, na Tanzânia. É verdade que parecem imunes às doenças da civilização. Mas até que ponto o facto se deve apenas à alimentação? E será esta composta assim por tanta proteína animal? Ao que parece, não.

A paleontóloga Amanda Henry do Institute for Evolutionary Anthropology in Leipzig, numa entrevista à National Geographic, esclarece: “A base da alimentação dos caçadores-recoletores em África é vegetal. Nem todos os dias a caça é abundante”. Mais: nas suas investigações ela tem observado que o esqueleto humano, nomeadamente os maxilares, foram adaptando-se às necessidades da nova dieta rica em grãos e alimentos cozinhados. Estamos, por isso, ainda em evolução, acredita.

Mas é aí que Francisco Silva e Cordain desmistificam uma ideia totalmente errada e seguida por muitos que se dizem Paleo: os pratos devem ser sobretudo compostos por legumes e vegetais. As boas gorduras e as proteínas só vêm a seguir. Aliás, até defendem jejuns ocasionais, numa fase já de plena adaptação. Afinal os homens das cavernas nem sempre tinham com que se alimentar, mas quando o faziam, faziam-no com qualidade e, eventualmente, quantidade. Nunca se sabia quando seria a próxima refeição.

Teoria evolucionista aparte, o código genético dos humanos, apesar de estar em evolução, parece ainda estar condicionado por aquilo que os seus ancestrais comiam. Não será por acaso que os grupos indígenas parecem meter-se em sarilhos quando adotam abruptamente os hábitos ocidentais. A diabetes, que era inexistente entre os maias da América Central, começou a sua escalada a partir dos anos 50 do século passado. Os nómadas da Sibéria, como os Yakut, que viviam em ambientes gélidos e se alimentavam sobretudo de carne, mas não sofriam de doenças cardiovasculares, quando se sedentarizaram, conheceram o aquecimento central e os hidratos de carbono, após a queda da União Soviética tornaram-se obesos e propensos a sofrer de ataques cardíacos.

Ora isto não é um convite ao consumo de proteína animal, principalmente para quem trabalha à secretária e, cujos ancestrais, tinham uma dieta à base de vegetais. É que, alertam os especialistas, não existiu apenas uma dieta das cavernas. Existiram muitas. E cada um, consoante o estilo de vida, atividade desportiva, local do planeta onde vive (até devido ao clima) e saúde, terá que encontrar a sua.