O contexto não iliba Dijsselbloem. É “categoricamente sexista e misógino”

4 Mulher beber vinho

As declarações de um político, envolvendo referências preconceituosas a mulheres, voltaram a dar que falar. Jeroen Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo e ministro das Finanças holandês, que acusou os países do sul de esbanjarem o dinheiro em “copos e mulheres” e depois pedirem ajuda.

“Durante a crise do euro, os países do norte mostraram solidariedade com os países afetados pela crise. Como social-democrata, atribuo uma importância extraordinária à solidariedade. Mas também deve haver obrigações: não se pode gastar todo o dinheiro em copos e mulheres e depois pedir ajuda”, afirmou Jeroen Dijsselbloem, em entrevista publicada na segunda-feira, no jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung.

As declarações provocaram um coro de protestos nos países do sul da Europa, que sofreram políticas de ajustamento, onde se inclui Portugal, e os pedidos de afastamento do político holandês do cargo de presidente do Eurogrupo não se fizeram esperar.

O governo português, através do ministro dos negócios estrangeiros, Augusto Santos Silva, pediu de imediato a sua demissão e o primeiro-ministro, António Costa não poupou nas críticas, considerando as afirmações populistas, xenófobas, sexistas e indignas de alguém naquele cargo.

Jeroen Dijsselbloem (REUTERS/Eric Vidal)

“Estas declarações do senhor Jeroen Dijsselbloem são absolutamente inaceitáveis. São também muito perigosas, porque demonstram bem qual é o perigo do populismo e que o populismo não está só naqueles que têm coragem de assumir que o são. Está também naqueles que aparecem com pele de cordeiro, porque fazem discursos que são racistas, xenófobos e sexistas, como o discurso do senhor Dijsselbloem”, sustentou o primeiro-ministro.

Políticos, sexismo e consequências
Dentro da generalização de comportamentos feita aos povos do sul, há quem sublinhe o preconceito de género que estas declarações trazem e que acontecem a pouco mais de uma semana de o Parlamento Europeu ter imposto sanções sem precedentes ao eurodeputado polaco de extrema-direita que, durante uma sessão plenária em Bruxelas no início deste mês, disse que “as mulheres devem ganhar menos do que os homens, pois são mais fracas e menos inteligentes”.

Ainda que sejam cargos diferentes, há um tom de diminuição da mulher comum ao discurso dos dois políticos e que reflete um preconceito de género.

“Sem dúvida que são afirmações sexistas uma vez que remetem a mulher para um lugar de objeto, retirando-lhe poder e associando-a aos copos. Portanto, a ser tratada como uma qualquer coisa que é comprável e objeto de prazer”, afirma Edite Estrela, deputada do PS e antiga eurodeputada.

Para a socialista, as declarações de Jeroen Dijsselbloem “são, a todos os títulos, afirmações inaceitáveis em alguém que seja um democrata, tenha um determinado tipo de formação e, ainda mais, sendo presidente de um organismo europeu”, lembrando que o político holandês se recusou a pedir desculpas pelo que disse.

Numa audição de uma comissão parlamentar o eurodeputado espanhol dos Verdes, Ernest Urtasun, pediu-lhe que se retratasse, mas o presidente do Eurogrupo recusou. “Não, não, eu sei o que disse porque saiu da minha própria boca”, respondeu

Jeroen Dijsselbloem também deixou claro que não tenciona sair do cargo por iniciativa própria:

“Não tenho qualquer intenção de me demitir.”

Edite Estrela defende não haver condições para o político holandês se manter como presidente do Eurogrupo. Comparando o caso com o do eurodeputado polaco, a deputada recorda que se este foi eleito para o Parlamento Europeu e tem “um mandato popular para o exercício da função”, que não lhe pode ser retirado – apesar de ter sido multado pelas suas declarações -, o mesmo não acontece com Jeroen Dijsselbloem. E explica:

“Não foi eleito por sufrágio direto, foi indicado pelo Conselho Europeu para desempenhar estas funções”.

Ou seja, é mais fácil que Dijsselbloem seja afastado do cargo, ou se demita, na sequência destas declarações, do que o eurodeputado polaco abandonar o Parlamento Europeu por afirmações igualmente sexistas ou xenófobas.

Falta de arrependimento é caricatura machista
É sobretudo no facto de Jeroen Dijsselbloem não se arrepender nem se desculpar pelas suas declarações que o escritor Rui Zink vê o exacerbar do machismo.

“Ele foi grosseiro e infeliz e a imagem é machista, primária e abjeta. Mas o mal não é esse. O grande mal, onde ele traiu o grande machola que é, foi em não saber pedir desculpa. E quando houve rapazes que lhe perguntaram se ele se retratava, aí é que ele se revelou, porque fez a coisa mais caricatamente à homem, à antiga, que é não ser capaz de reconhecer um erro e dizer: ‘peço desculpa, fui infeliz”, defende.

Além de não se desculpar, o político holandês disse também não entender a razão para as suas declarações terem tido a repercussão que tiveram e lamentou que alguém se tivesse “ofendido com o comentário” e que este tivesse sido visto como o “norte contra o sul”. “Foi direto e pode ser explicado com a cultura de rigor holandesa, a cultura Calvinista”, afirmou.

Dijsselbleom sustentou ainda que a frase que se refere a álcool e mulheres era sobre ele mesmo: “Disse não poder esperar que, se gastar o meu dinheiro de uma forma errada, possa pedir apoio financeiro”, alegou.

Apesar de tentar defender a relação entre gastos, sul, copos e mulheres com o contexto em que proferiu as declarações, a explicação não convence o escritor e, também, professor de Estudos Portugueses, da Universidade Nova de Lisboa, que não vê atenuante no facto de ser uma metáfora, “porque claramente o exemplo é o homem que gasta dinheiro em mulheres e vinho.”

“Não há hipótese. A metáfora atenuava se saísse da criatividade dele. Seria criatividade mal dirigida, mas seria. Só que é um cliché, um cliché antigo. E ele não tem idade, nem cara, para usar uma coisa destas à século XIX. A visão achincalha homens e mulheres e não funciona como metáfora porque é primário uma pessoa fazer estereótipos destes. É o mesmo estereótipo que há uns anos justificava a expressão PIIGS (Porcos) aplicada à gente do sul. O que entristece aqui é o básico e o não pedir desculpa”, reitera Rui Zink.

Da metáfora ao preconceito e ao politicamente correto
Relativizar o uso de expressões, muitas vezes percecionadas, pela maioria das pessoas, como racistas ou sexistas, com os limites do politicamente correto é “inimaginável” para Mafalda Lopes da Costa, professora de Jornalismo na Universidade Lusófona e autora do programa da Antena 1, sobre expressões linguísticas populares, ‘Lugares Comuns’.

“Quando não temos uma palavra para designar algo, designamos por coisas análogas, parecidas para chegar até lá. Quando temos a palavra sabemos exatamente como é que a vamos empregar e a consequência do seu emprego leva, obviamente, à ação sobre o objeto que designamos. O que estamos aqui a falar é de pessoas que, supostamente, para ficarem mais à vontade, escolhem exatamente as palavras. Não é um lapso linguístico, é um ato deliberado”, explica.

Por isso Mafalda Lopes da Costa não tem dúvidas que, independentemente do contexto, quando Dijsselbloem mistura os gastos dos países do sul com copos e mulheres está ser “categoricamente sexista e misógino”.

“É chamar de novo o velho paradigma da mulher associada ao álcool, ao deboche e por aí fora. Isto é um arquétipo masculino que continua a existir, infelizmente” e que “vindo de uma pessoa com as responsabilidades” que tem “é gravíssimo”, defende a professora de jornalismo.

A ministra das Finanças Magdalena Andersson e o Presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, numa reunião, em Bruxelas.(REUTERS/Francois Lenoir)
A ministra das Finanças da Suécia, Magdalena Andersson, e o Presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, numa reunião, em Bruxelas.(REUTERS/Francois Lenoir)

Este episódio é só mais um a juntar a outros em que a linguagem, usada metaforicamente ou não, se revela ofensiva e até perigosa para as mulheres.

Em Portugal, a CIG – Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género apresentou, em outubro de 2016, uma queixa no Ministério Público contra um taxista que afirmou em direto para a CMTV que “as leis são como as meninas virgens, são para ser violadas”. O taxista desculpou-se depois, publicamente, afirmando que nunca quis defender a violação de mulheres com a comparação, pelo contrário. A queixa acabou por ser arquivada.

O caso mais conhecido é, no entanto, o de Donald Trump, cujo discurso misógino foi uma constante da campanha eleitoral e se tem materializado em algumas medidas que preveem a retirada de direitos às mulheres, nomeadamente direitos reprodutivos.

Mafalda Lopes da Costa considera que a linguagem não é apenas um pormenor e pode levar à legitimação de comportamentos, que, consoante o teor da primeira, serão mais ou menos perigosos.

“Aquilo que me preocupa é de cada vez que alguém profere uma frase daquele género, sem freio mínimo, isso faz com que as pessoas se habituem a ouvir este tipo de coisas e, portanto, há um recuo brutal de todo o trabalho que foi feito até aqui. Legitima-se esse tipo de discurso. Se o presidente do Eurogrupo pode dizer uma coisa destas, qualquer um pode dizer. E temos o mesmo problema com o Trump: tanto mente, tanto mente, que qualquer mentira é legítima.”

Governo alemão praticamente isolado no apoio Dijsselbloem
As polémicas de declarações Dijsselbloem e os pedidos de demissão do cargo de presidente do Eurogrupo que se lhe seguiram vieram de vários quadrantes, unindo esquerda e direita e norte e sul da Europa.

Ao primeiro-ministro português, António Costa, juntaram-se todos os partidos portugueses e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Em Espanha, Grécia e Itália, mas também nas instâncias europeias o coro de protesto é semelhante. O seu afastamento é exigido pelo presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, e pelos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu, família política que o ministro holandês, eleito no seu país pelo Partido Trabalhista (PvdA), integra e que lançou um ultimato: ou Dijsselbloem se demite do cargo ou o seu partido se demarca publicamente das suas declarações sob pena de ser afastado do grupo dos Socialistas e Democratas europeus.

Sem se pronunciar diretamente sobre a continuação do holandês no cargo de presidente do Eurogrupo, o governo alemão, tentou desvalorizar a polémica. Segundo a agência Lusa, que cita a agência de notícias Efe, o porta-voz do Ministério das Finanças, Friederike von Tiesenhausen, afirmou num encontro com os jornalistas, que o ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, “aprecia muito” o trabalho do seu homólogo holandês à frente do Eurogrupo.

Friederike von Tiesenhausen defendeu ainda que deve ser lida na totalidade a parte da entrevista em que faz essas declarações, dando a entender, tal como o autor das declarações, que a citação está fora do contexto.