E se a cesariana estiver a alterar a nossa espécie?

Gravidez

Cabeçuda e de anca estreita. A fisionomia humana parece estar a mudar de aspeto por causa da utilização excessiva das cesarianas. Um estudo da Universidade de Viena vem mostrar como a seleção natural está a ser corrompida e nem todos os genes que passam de geração em geração são os mais indicados para a reprodução da espécie.

Apesar das recomendações da Organização Mundial de Saúde para limitar a cesariana às necessidades médicas, a escolha de mães e pessoal médico tem vindo a aumentar a utilização do parto cirúrgico desde há 50 anos. E o resultado menos óbvio parece tornar-se agora mais evidente com a publicação do estudo ‘Cliff-edge model of obstetric selection in humans‘ do departamento de Biologia Teórica da Universidade de Viena, na Áustria.

A equipa de cientistas utilizou um modelo matemático que demonstra que a taxa de incompatibilidade fetopélvica – a desproporção entre a cabeça dos fetos e a pélvis da mãe no momento do nascimento – tem vindo a aumentar mundialmente. Em alguns países africanos a taxa de obstrução do canal vaginal não chega aos 2%, mas nos países em que tem havido ao longo de décadas o recurso à cesariana regular nos nascimentos, esse aumento do tamanho dos bebés ainda antes de nascerem, impedindo que nasçam sem recurso à intervenção cirúrgica, chega já aos 20%.


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Façamos um exercício simples. A taxa nascimentos por cesariana em Portugal era, em 2013, de 33,2%, o que significa que via corte pélvico tinham nascido 27 mil de bebés. Nada de especial e dificilmente capaz de alterar o curso da natureza, dir-nos-á o senso comum. Mas se olharmos para o Brasil, nesse mesmo ano, podemos perceber o impacto que os nascimentos por parto cirúrgico podem ter. Dos quase seis milhões de bebés brasileiros nascidos em 2013, 55,6% vieram ao mundo de cesariana – mais de metade, mais de três milhões de seres humanos, naquele que é o país, de acordo com os dados da OCDE, com a maior percentagem de bebés nascidos de parto não natural. Já parece suficiente para alterar a evolução da espécie?

O que estudo defende é que a prevalência de cesarianas faz com que a chegada à idade reprodutiva dos bebés, que sem o procedimento médico não sobreviveriam, não interrompa a transmissão de genes nocivos à espécie, fazendo com que os bebés nasçam ao longo de gerações cada vez maiores e com perímetros cefálicos mais elevados, impedindo o nascimento por via natural. A equipa defende que em alguns territórios se está a chegar à “beira do precipício”, ao ponto de não retorno, em que a maioria dos partos terá que ser feita, por razões médicas, por cesariana. Polémico, o estudo já faz correr tinta entre especialistas, enquanto os seus autores reforçam tratar-se apenas de um modelo matemático, de probabilidades estatísticas, ainda sem estes feitos no terreno.