A voz é parte da sua identidade. E se ela mudasse?

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Pensa que o tom, o timbre, a intensidade da voz, a maneira como falamos, as expressões que utilizamos são parte do que cada pessoa é, da sua essência? O ser humano na puberdade estabiliza a voz que terá até ao seu último suspiro. Anos e anos, em que as pessoas que o ouvem o conectam aquela voz. Agora pense que de repente ficava com uma voz semelhante à do sexo oposto. Pense como isso influenciaria o seu relacionamento social com os demais.


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Esta noção de a voz ser “o espelho da alma”, que denuncia ao outro o que somos e de onde vimos, é a premissa do trabalho do realizador, Chris Chapman. Um dos vários artistas presentes na exposição ‘This Is a Voice’, no centro Wellcome Collection, em Londres, até 31 de julho.

E o que é que a nossa forma de falar transmite socialmente ao outro? A nossa classe social e a localização geográfica da qual somos provenientes é a resposta do realizador. Acrescentando ainda, que a classe social em que estamos inseridos pode apagar os traços geográficos da nossa voz. Em termos práticos, pense em como a voz, e os traços dela, se modificam quando um português passa um período alargado no Brasil, por exemplo.

Os dois filmes de Chapman enfatizam a correlação intrínseca entre a voz e a identidade. Um dos filmes demonstra uma terapia realizada no London Institute of Psychiatry, em que os pacientes que sofriam de psicoses criavam avatares para responderem às suas vozes interiores. O outro trabalho (o que é exibido na exposição) tem como objeto pessoas que se encontram na fase de transição de género sexual e o seu esforço vivido para conseguirem alterar as vozes. Na peça que é exibida, Chapman vai mais longe, aprofundando as questões do “eu”, do género e da identidade: “os barulhos que fazemos quando comunicamos com outros que não são linguísticos”.


“80% querem transitar de homem para mulher, em que para a alterar a voz, é preciso terapia de voz. Já no caso de uma mulher querer transitar para homem, é necessário tomar testosterona e em três ou quatro semanas, a voz fica mais grossa. Falei com um homem, que fora mulher, e ele sentiu a realização do processo quando, ao telefone, lhe chamaram ‘Senhor’ e não ‘Senhora’; foi o ponto de viragem para ele”, afirma Chris Chapman.


O realizador vê na voz um fator chave para todo o processo. A voz é o que poderia denunciar qualquer um que tivesse passado por uma transformação. Alguém que ninguém jamais suspeitaria, que havia passado por uma transformação sexual, dada sua aparência no novo género, a voz seria o maior medo, Chapman diz que estes são conhecidos por ‘stealth’ (despercebidos): “qualquer um que tivesse passado por uma transformação e que ninguém jamais sequer suspeita-se pela sua aparência no novo género tinha medo do que seria quando abrisse a boca. Especialmente no supermercado, onde quem atende não está realmente a olhar para os clientes, até notarem que a voz não é a expectável para o género sexual da pessoa com que falam. Aí deviam ver a expressão no olhar deles”

As cordas vocais podem ser alteradas através de cirurgia. Todavia as cordas vocais masculinas podem ser “usadas de maneira feminina”, sendo necessário para isso terapia. Existem mulheres com voz mais grossa e homens com voz mais fina, mas ainda assim o ser humano consegue sempre discernir se fala com um homem ou uma mulher simplesmente por ouvir a sua voz.

Segundo Chris Chapman, isto acontece devido às características não-vocais da nossa linguagem, os homens são mais interruptivos quando falam com uma mulher do que com outro homem, havendo também palavras que cada um dos sexos está mais predisposto a utilizar. Esta complexidade torna o filme interessante, a capacidade destas pessoas para modularem e treinarem parte da sua identidade deste modo abrupto. “É como se treinassem a sua impressão digital” para concluírem o processo de mudança de género.

Esta exposição tem traços comuns com o filme: ‘The Perfect Sound’ de Katarina Zdjelar, em 2009, em que um terapeuta da voz tenta ensinar emigrantes a soar mais como os ingleses. Também relembrando o filme, ‘Aural Contract Audio Archivea’ de Lawrence Abu Hamdan sobre refugiados palestinianos de 2012, que está envolto na ideia da voz como evidência, o teste do ‘tu és quem dizes ser’, em que Mohamad (um emigrante sem documentos) chumba no “accent test” feito pela UK Border Agency’s (agência de fronteiras do Reino Unido).