Futebol, juventude e dinheiro

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Fotografia de Alessandro Garofalo/Reuters

Raquel Vaz-Pinto*

O pontapé de saída destas crónicas não podia ser melhor depois de um fim de semana de grandes derbies e clássicos: Manchester United vs. Arsenal, Borussia Dortmund vs. Bayern Munique e o Atlético de Madrid vs. Real Madrid. Além da rivalidade entre as equipas tínhamos ingredientes extras: Mourinho vs. Wenger, o regresso do capitão Hummels ao seu antigo estádio, o duelo tático entre El Cholo Simeone e Zinedine Zidane e ainda a reedição da final europeia em versão golo entre Cristiano Ronaldo e Antoine Griezmann.

O jogo que verdadeiramente me prendeu a atenção foi o derby da cidade de Milão. É daquelas rivalidades que não necessita de grande explicação. É um espetáculo único de história, tradição e grande emoção. Mesmo quando as duas equipas estão longe dos tempos áureos e quando o jogo tem mais intensidade do que qualidade. Há muitos fatores que explicam a atual falta de sucesso destes dois gigantes. À falta de estratégia junta-se, é claro, o enorme sucesso da grande rival, a Juventus, e as boas campanhas do Nápoles e da Roma.

Este derby também é relevante porque nos mostra como o “mundo do futebol” se tem alterado. Desde logo, ambas as equipas são propriedade de empresas chinesas. Aliás, no caso do Inter até o patrocinador principal, a Pirelli, é chinês. Os tempos estão mesmo diferentes, mas não surpreendentes: estas duas equipas italianas são os exemplos mais visíveis do interesse crescente da China na economia e poder do futebol, depois de terem entrado no Atlético de Madrid e no Manchester City.

Mas serão os novos proprietários capazes de pensar a médio e longo prazo? O caminho não será fácil. Olhando para o plantel, é consensual que o Inter tem mais talento individual e que se reforçou com a intenção de discutir um dos lugares cimeiros. No entanto, a “novela” Frank de Boer não ajudou e ainda não se percebeu se Stefano Pioli está para ficar ou se é apenas mais um na longa lista de treinadores pós-Mourinho. O empate arrancado a ferros no domingo com um golo do croata Ivan Perisic foi importante para uma equipa altamente irregular: capaz de ganhar à Juventus mas que depois perde pontos e jogos com equipas muito, muito fracas.

O Milan tem feito um bom campeonato e está em terceiro lugar a sete pontos da Velha Senhora. Vincenzo Montella, o treinador dos rossoneri, dizia no fim do jogo: “os jogadores do Inter celebraram o empate como se tivessem ganho”. Muito mais interessante foi o que Montella disse sobre o caminho escolhido para a sua equipa regressar aos lugares de topo: «um Milan jovem e italiano”. O argumento é simples: uma coluna vertebral de italianos que é complementada por jogadores estrangeiros de qualidade. Em 2003, o Milan ganhou a Liga dos Campeões com craques como Rui Costa e Andriy Shevchenko e, em 2007, com Kaká e Clarence Seedorf. Ao lado de Paolo Maldini, Gennaro Gattuso, Alessandro Nesta e Andrea Pirlo, entre outros.

Hoje em dia, face a campeonatos de equipas milionárias como a Premier League britânica ou o Barcelona, a melhor resposta de clubes como o Milan é apostarem na juventude e tentar aguentá-la o mais possível. Olhando para a atual equipa do Milan há dois jogadores que simbolizam esta aposta: Gianluigi Donnarumma de 17 anos e Manuel Locatelli de 18 anos. O primeiro é apontado como o sucessor de outro Gianluigi, o grande Buffon, e o segundo tem vindo a ser designado como o próximo Andrea Pirlo. Ambas as comparações são pesadas e difíceis de seguir.

Já escrevi muito sobre o regista Pirlo. Ainda hoje me acontece estar a ver a Juventus e imaginá-lo em campo. Mesmo quando Paulo Dybala (que ficou com o número 21 mesmo depois da saída de Pogba) marca um livre e faz um grande golo dou por mim a pensar em Pirlo. Locatelli já admitiu que “Pirlo era o seu ídolo e que tinha um poster do jogador rossonero no quarto”. No domingo, fez um jogo excelente e vai-se assumindo como um jogador importante para o Milan. O golaço que marcou à Juventus dando a vitória à sua equipa já o colocou no coração dos tiffosi rossoneri.

No entanto, a aposta na “juventude” e em “italianos” necessita de estabilidade e de paciência ao nível diretivo, e de gestão, sobretudo quando os resultados não ajudarem. A pressão mediática e financeira é muitas vezes inimiga de uma aposta a médio e longo prazo. Este será um grande desafio para o Milan, agora chinês.

Dar oportunidades a miúdos com potencial é muito importante. Há poucas coisas que me tenham custado tanto nos últimos anos como a saída do Bernardo Silva do Benfica. Gostava de o ter visto jogar de forma regular no Estádio da Luz. Mesmo em casos de “meteoros” como Renato Sanches, tenho as memórias deste ano, muito boas e intensas. Fiquei orgulhosa da sua saída para o Bayern. E quando olho para o meu clube – o Benfica – e vejo jogadores, miúdos e graúdos, que sofrem e celebram como adeptos, sinto-me acompanhada. Mesmo pelos que já não estão. São dos nossos.


*Autora de vários livros entre os quais Para lá do Relvado, o que podemos aprender com o futebol. É investigadora do IPRI-NOVA e professora de Estudos Asiáticos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da mesma Universidade. E Benfiquista.