Gerir o tempo (em menos tempo): somos escravas do relógio?

Todas ambicionamos ser omnipresentes, autênticas mestres da arte mágica que é desempenhar dezenas de tarefas diárias de forma competente e a tempo e horas. Acordar, despachar os miúdos, levá-los à escola, enfrentar o trânsito até ao escritório e entregar aquele trabalho antes das 12h00, almoçar com o cliente, reunir à tarde, ir à consulta médica da mais nova, ou à aula no ginásio a que já só assistimos pela metade, os banhos, o jantar na mesa às 20h00.

Ter tempo para ser mulher, mãe, amiga, profissional (por esta ordem?). Das mulheres é esperado que cumpram, com um sorriso e na perfeição, todas as tarefas da agenda, que sejam pontuais nos seus compromissos e que não descurem nenhuma área da sua vida. Mas será que levar a vida sob o jugo do relógio nos traz algum benefício? Temos mesmo tempo para tudo, ou estamos a querer dar passos maiores que a perna?

No dia em que as 24 horas – que já são curtas – perdem uma delas, como gerir tudo isto, sem se “roubar” tempo ao sono?

Multitasking e o medo de dizer “não”

Mileine Vargas é hipnóloga e trainer em Programação Neuro Linguística (PNL). “Não adianta reclamar quando há algo que não conseguimos alcançar. Tentarmos entender e corrigir as nossas falhas, isso sim, vale a pena. O tempo pode ser um grande aliado se soubermos usá-lo a nosso favor”, diz a especialista, também licenciada em Design, mestranda em Educação, empresária durante 18 anos, e hoje dedica a sua vida a ajudar as mulheres a abrir os seus horizontes, a fazer melhores escolhas e a serem mais felizes.

Mileine considera que muitas pessoas encaram o tempo como um inimigo a ser combatido e vencido, e esta perceção gera um desgaste muito grande.

“Normalmente são pessoas que estão sempre ‘correndo atrás’ para dar conta de tudo, e principalmente de todos à sua volta. Vivem boa parte das suas vidas a tentar agradar à família – e isso ocorre frequentemente com as mulheres –, a tentar agradar ao chefe ou aos colegas de trabalho, e ainda fazem de tudo para estarem presentes nas reuniões com amigos, carregando um medo gigantesco de dizer não”, descreve a especialista.

Também Ana Teresa Silvestre, consultora de Imagem e life coach na LOOK A DAY, acredita que “as mulheres, culturalmente, ainda acabam por acumular em si, exclusivamente, muitas tarefas relativas à casa e à família combinadas com as obrigações profissionais, havendo aqui também uma maior pressão para provarem o seu valor, já que a igualdade de direitos no trabalho ainda não é uma realidade geral”.

E explica com a experiência: “Mas muitas das mulheres que recebo – e julgo que, no geral – sofrem daquilo a que chamo de ‘síndrome de supermulher’ – a ideia e convicção forte de que conseguem fazer tudo, e sozinhas!”

Ana Teresa Silvestre diz que “mais do que a pressão exterior para que consigam fazer tudo bem e sem falhas”, são “as próprias que se pressionam desta forma”.

“O multitasking parece vir incorporado com o sistema feminino, assim como a tendência ao perfecionismo, refere a life coach.

“Na maioria das vezes, sobrestimamos o que é possível fazer com o tempo disponível, ao mesmo tempo que nos custa imenso pedir ajuda e delegar. Acabamos por ver isto como um sinal de derrota e a conclusão de que não somos, mesmo, capazes de fazer tudo, pelo menos não ao mesmo tempo, nem da forma que gostaríamos”, analisa Silvestre.

Há, depois, o exemplo de outras mulheres, que parecem perfeitos. “As comparações que fazemos com outras que achamos, vendo de fora, serem capazes de terminar todas as tarefas e ainda terem uma noite descansada, estimulam este nosso ímpeto para encarnar a Wonder Woman (super mulher). O que acontece é que não conhecemos, de facto, as outras realidades com as quais nos comparamos – aquela mulher que achamos que faz tudo melhor do que nós muitas vezes tem ajuda, muita ajuda…”

Escolha as suas batalhas: a lei da “seleção natural”

Existe na língua inglesa uma expressão muito usada em vários contextos e que poderíamos aplicar aqui: pick your battles (escolha as suas batalhas). Ana Teresa Silvestre corrobora. “Não, não é possível fazer tudo e bem. Há que fazer escolhas, estabelecer prioridades e abdicar de algumas batalhas – para sempre, ou por agora. E por mais organizada que uma pessoa seja, há sempre um limite à capacidade que temos”.

Muito importante desmistificar: “Não se trata de nos organizarmos melhor, mas de selecionar. A questão do que escolher ou dar prioridade é, claro, muito pessoal e depende de cada caso, de cada vida, de cada agenda”, diz a life coach.

Para isto, considera fundamental que as mulheres saibam distinguir quais os valores mais importantes. “Se sabemos, sem sombra de dúvida, que a família é a nossa prioridade, então temos de dizer ‘não’ a mais um pedido para trabalhar até mais tarde.”

Para ajudar nesta avaliação, Ana Teresa costuma recorrer a um exercício, a Roda da Vida, que realiza no início dos processos de coaching e que passa por medir o nível de satisfação atual com as várias áreas da vida (trabalho, finanças, relacionamentos, hobbies, desenvolvimento pessoal, etc.).

Através de uma triagem, obtém-se então a fatia mais importante, na qual se deve colocar o foco e aumentar o nível de satisfação, para que esta influencie depois positivamente todo o panorama global. A partir daqui é possível perceber o que é prioritário trabalhar agora e o que pode e deve deixar para segundo plano.

Percorra a galeria acima e siga as dicas que as especialistas partilharam com o Delas.pt com o objetivo de levar a uma gestão de tempo mais eficaz

Culpa, o nosso “nome do meio”

E quando não conseguimos realizar esta ou outra tarefa, como lidar com o sentimento de culpa que nos persegue? Mileine Vargas considera que é essencial averiguar o grau de relevância dessa mesma tarefa e o benefício que traria à sua vida.

“Muitas vezes assumimos compromissos para agradar às pessoas à nossa volta, que não são necessariamente importantes para nós mesmos. Como queremos evitar conflitos, ou talvez o outro tenha um bom poder de persuasão, tendemos a aceitar uma ideia que não é nossa”, explica a hipnóloga.

Outro passo para a libertação da culpa é ser realista. “O tempo que estimei para isso foi suficiente? Em muitos casos tendemos a sobrestimar atividades num curto período de tempo e a subestimar o que conseguimos realizar num prazo mais longo. É exatamente por isto que muitas pessoas perdem a motivação para dar continuidade àquilo que desejam. Isto gera uma tremenda desilusão, que pode até afetar a autoestima. Entender exatamente o ponto em que falhamos é importante para o corrigir numa nova oportunidade.”

Ana Teresa Silvestre concorda em absoluto. “Sim, o ‘nome do meio’ da maioria das mulheres é ‘culpa’, que as assola por tudo e por nada. Achamos constantemente que estamos em falta, que não somos o suficiente, que não fazemos o suficiente”.

A solução passa, defende esta especialista, por “não nos pormos a jeito de ‘falhar’, porque se sobrestimamos a nossa capacidade de dar resposta às tarefas do dia e colocamos tudo e mais alguma coisa na agenda, claramente vamo-nos sentir em falta”.

As recomendações que Ana Teresa deixa são, por isso, simples. “Temos de ser mais gentis connosco, não tão exigentes e conscientes de que somos humanas, a nossa capacidade é limitada e que isso não nos classifica como fracassos ou menos capazes. Que não somos omnipresentes, que não faz mal pedir ajuda e não somos péssimas pessoas por dizermos que não”. “Não é errado, é, aliás, imperativo colocarmo-nos em primeiro lugar. Já somos supermulheres, assim mesmo cheias de ‘falhas’ e ‘defeitos’, e precisamos de ter em mente que só podemos salvar o mundo quando nos salvamos a nós próprias. E que essa responsabilidade é só nossa.”

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