Haverá sexo quando não há intimidade?

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Há quem ache que o sexo e a intimidade são uma e a mesma coisa, e quem pense que um sem o outro é pouco mais que uma perda de tempo ou um pecado inominável. Temos este hábito estranho, sobretudo em questões de sexualidade, de nos pintarmos a preto e branco, e logo numa área tão recheada de cinzentos. Achamos sempre que só podemos ter sexo escorado na relação – e que o sexo fora dela é, no mínimo, um disparate – ou que a cama só é boa quando não tem as amarras e o quotidiano preenchido pela mesma pessoa – porque só a diversidade nos traz felicidade sexual. E é, justamente, neste extremar de posições que ficamos encalhados. Se não, vejamos.

A intimidade é vista como aquilo que todos queremos atingir mas muitos dificilmente o conseguem. Porque para que ela exista verdadeiramente (seja este lado de verdade aquilo que for para cada um) precisamos de mais do que uma sessão de sexo. Para início de conversa, é preciso tempo com o outro, vida vivida, mais de o que a descoberta de corpos, e implica que nos entreguemos, que nos mostremos, que nos dispamos verdadeiramente, além da roupa que nos tapa a pele. Os desejos, as angústias, os medos, tudo isto vem a par do quentinho que a intimidade nos traz e que o sexo ajuda a construir.

Por outro lado, o sexo, puro e duro, é aquilo que podemos ter sozinhos (se o encararmos como mais do que a penetração) ou com outra pessoa e que, de uma forma simplista, fazemos para termos prazer, umas vezes com orgasmo, outras nem por isso, mas sempre prazer.

Aquilo em que somos condicionados a pensar é que o prazer supremo reside na combinação de sexo satisfatório com uma intimidade recheada, que é ai que reside a verdadeira felicidade que, uma vez encontrada, devemos cuidar para manter. Mas se nem todos os chapéus têm as mesmas medidas, por que razão a intimidade, e não o sexo, deve ser um objetivo partilhado por todos? Por que razão uma vida feita de sexo sem intimidade – que é diferente de sexo sem ligação – não pode trazer o mesmo grau de felicidade, ainda que assente em premissas diferentes?

Mesmo que a ideia nos seja estranha, a verdade é que não faltam pessoas que fogem da intimidade como outras fogem do sexo casual. E mesmo que nos ensinem que o ideal é encontramos alguém com quem viver em paz nas metades de uma laranja cheia de sumo, também é certo que a simples ideia de partilhar o sono depois de uma noite de sexo não é natural para muitos do que agora estão a ler este texto. O que não significa que não procurem uma ligação sexual, que até pode extrapolar os limites da cama mas não entra em domínios mais internos e, justamente, íntimos.


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Posto isto, é possível haver sexo sem intimidade? E de que serve a intimidade se o sexo não existir? Tradicionalmente, estas esferas eram, de facto, a mesma coisa, mas a modernidade e a chamada cultura do “engate” tratou de separar o que, em tanta gente, pertence a universos distintos. Sexo é sexo, tudo o resto fica de fora do acordo onde os corpos e o prazer têm mais destaque. Ou, tal como disse Woody Allen, “o sexo sem amor é uma coisa vazia mas, dentro das coisas vazias, é a melhor coisa que há.”

Nem sempre o sexo origina ligações profundas. Nem sempre os parceiros pretendem mais do que umas horas bem passadas sem que isso implique o desvendar de objetivos, aspirações e pretensões de uma vida que se quer acompanhada. Há quem defenda que estas ligações sexuais são pretendidas por pessoas com medo de intimidade, ou seja, medo de se tornarem vulneráveis a um sentimento de apego , também conhecido como “amor”. Seja como for, elas existem (as pessoas e as ligações), por isso, não vale a evangelizarmo-nos ao ponto de nos barricarmos dentro de ideias que não nos trazem nada de bom. Até porque a vida não se compadece com vistas tão herméticas. O que nos serve hoje pode não caber amanhã.