Inês Rochinha: “Achava que era fixe magoar as pessoas”

Aos 24 anos, Inês Rochinha é uma das maiores estrelas da Internet do nosso país, somando mais de 180 mil subscritores no YouTube e 136 mil seguidores no Instagram. Mas nem sempre foi assim. A rapariga que hoje inspira e aconselha milhares de jovens portugueses já foi uma adolescente com poucos amigos e bastante insegura, ao ponto de chegar a fazer bullying a um colega de escola.

Este ano, além de ser o novo rosto da marca de refrigerantes Fanta, a youtuber decidiu saltar da Internet para o papel com o livro Conversas Sem Segredos. Na obra recria uma das rubricas do seu canal, as ‘Terças Secretas’, e responde a várias questões dos seus seguidores, que vão desde mudanças do corpo durante a adolescência ao bullying, sem esquecer as relações sexuais (na galeria de imagens acima pode ver alguns dos conselhos que a youtuber dá no livro).

Numa conversa com o Delas.pt, Inês Rochinha fala das peripécias que viveu na adolescência, do seu percurso até ao sucesso no YouTube e da aventura que foi escrever este livro durante os últimos dois anos.

Como começou a aventura no YouTube?

Muito à base da experimentação. Comecei a ver outras youtubers americanas a fazer coisas giras e pensei: “Por que não fazer também algo giro e interessante?” Na altura gostava imenso de costura e foi a partir daí que começou a surgir o bichinho dos vídeos.

No início teve também um blogue…

Acabou por surgir tudo em simultâneo, uma coisa levou à outra, mas o canal de YouTube foi o primeiro impulsionador.

Chegou a fazer vídeos sobre costura? De onde veio esse gosto?

A minha avó nessa altura estava a ensinar-me coisinhas básicas de costura e achei que seria giro partilhar com outras pessoas.

Lembra-se do primeiro vídeo que publicou?

Foi sobre a minha caixa de costura, no meu primeiro canal. O ‘My Makeup Secret’ não foi o primeiro.

Como foram as reações na altura?

Lembro-me que praticamente não tive reações porque o YouTube nessa altura, em 2011, era muito pequenino. Não se ouvia falar muito, era uma novidade e o feedback era quase nenhum.

Ainda assim quis continuar a investir nos vídeos…

Ainda estive uns três ou quatro mesinhos a batalhar nesse primeiro canal, mas depois quis começar algo a sério, com um conteúdo incrível, e resolvi começar tudo de novo. Na altura custou-me imenso porque tinha 100 subscritores. Depois com o projeto ‘My Makeup Secret’ fui recebendo cada vez mais feedback e hoje estou aqui.

Vídeo da rubrica ‘Terças Secretas’, de Inês Rochinha:

a carregar vídeo

Que mudanças teve de fazer, em termos de conteúdo, para que o canal tivesse mais sucesso que o anterior?

No anterior fazia muita costura, mas sentia que as pessoas não tinham muita curiosidade sobre essa área, por isso comecei a fazer mais coisinhas de moda e beleza. Comecei a descobrir a maquilhagem nessa altura da minha vida e uma coisa foi puxando a outra. Fui-me guiando pelas minhas paixões e não tanto por aquilo que achava que as pessoas iam gostar. Fui brincando com o editor, com a câmara e acabou por correr bem.

Então é a Inês que edita os seus próprios vídeos?

Sim, sou eu que edito, faço produção, pós-produção, criatividade, realização… Faço praticamente quase tudo.

Apesar de dar muitas dicas de beleza e maquilhagem, o canal Inês Rochinha é de lifestyle. Quis que o conceito fosse mais abrangente para poder abordar vários temas e, assim, chegar a mais pessoas?

Senti necessidade de falar de outras coisas para além da beleza exterior e isso levou-me a focar em tudo aquilo que me inspirava. Essencialmente produzo conteúdos com base naquilo de que gosto, no que vou aprendendo no dia-a-dia e que vejo noutros canais de YouTube. Pego nessa inspiração e faço o meu próprio conteúdo, crio vídeos inovadores que contêm as minhas ideias fresquinhas para os meus seguidores.

Licenciou-se em Comunicação e Multimédia e especializou-se em Marketing Digital. Esta formação foi feita a pensar num futuro como youtuber ou pretende mesmo trabalhar numa empresa da área?

Neste momento, além do YouTube, trabalho mesmo numa empresa de Marketing. Claro que comecei esta aventura na comunicação, no marketing e em tudo o que é multimédia devido ao canal, foi algo que me ajudou bastante a perceber o que queria da vida. Fico muito grata por isso, por ter tido essa experiência, essa alavanca, mas sou extremamente sonhadora, tenho vários objetivos e limitar-me apenas ao YouTube era pouco. Foi daí que também surgiu o projeto do livro, sinto que tenho mais para dar ao mundo do que apenas um canal de YouTube. Por isso, aqui estou a batalhar para isso.

Vê-se a alimentar o canal de YouTube até quando?

Não gosto de usar as palavras “para sempre” e “nunca”. Sempre fiz isto como uma paixão, um gosto pessoal. É um escape de criatividade e emocional, ajuda-me a equilibrar o meu dia-a-dia e a minha rotina. Vou até onde esta paixão me levar.

Em Portugal já se está perto de considerar o youtuber como uma profissão ou ainda estamos muito longe disso?

Estamos perto. Cada vez mais temos casos de sucesso no YouTube e fico muito feliz com isso. Acabamos por ser uma comunidade pequenina em comparação com os grandes lá de fora, como os EUA e o Brasil. É um bom sinal ver os mais jovens que nos seguem no YouTube dizerem que um dos seus sonhos é serem youtubers. Isso é incrível e mostra a evolução dos tempos e do digital, que é super fascinante.

Há muitas pessoas, principalmente de idade mais avançada, que pensam que ser youtuber e influencer é fácil e não dá trabalho. Custa-lhe conjugar a vertente de youtuber com o seu emprego?

O conceito de youtuber está pouco claro para muita gente, principalmente para os mais novos. Têm tendência a pensar que é tudo muito simples e instantâneo, talvez por existirem tantos youtubers e haver tantos conteúdos em todas as plataformas. Dá a sensação de que é tudo muito simples e na verdade não é, requer muitas horas de trabalho e dedicação. É algo que se não corrermos por gosto não conseguimos fazer porque retém muitas horas do nosso dia-a-dia, acabamos por abdicar de muita coisa na nossa vida privada para termos aquele momento para produzir conteúdo para as pessoas que nos seguem. É importante desmistificar esta ideia de que o YouTube é uma coisa simples porque na verdade é um trabalho como qualquer outro e exige tempo, paciência e muita dedicação.

Muitos jovens portugueses começam a fazer vídeos para ganhar algum dinheiro e alcançar fama, mas desistem quando percebem que nada disso é imediato. Quanto tempo demorou até começar a ser reconhecida?

Em 2014 houve um boom do YouTube. Nessa altura os canais começaram a crescer de uma forma exponencial, uma coisa absurda, e foi nesse ano que também atingi os 50 mil subscritores. Tenho o meu canal desde 2011. De 2011 a 2014 consegui 50 mil subscritores e nos três anos seguintes ultrapassei os 180 mil seguidores. Com estes números conseguimos ver que o YouTube cresceu imenso e registou-se também uma grande valorização dos youtubers.

Como é que os seus pais e restantes familiares olham para o seu percurso?

Sempre me apoiaram muito nesta ideia do YouTube, até mesmo quando nem sequer se falava disto. Achavam imensa piada ao facto de eu ter tanta vontade de criar conteúdos para a Internet. Claro que tinham medo que me expusesse demasiado e aconselhavam-me a não dar o número de telefone, mas sempre me incentivaram muito a continuar.

Além do YouTube, a Inês cresceu também muito no Instagram, onde já conta com mais de 136 mil seguidores. É importante investir noutras redes sociais?

Temos de nos saber adaptar. Produzir um vídeo para o YouTube requer muito tempo e por vezes passamos uma semana sem publicar nada. Quando já temos uma quantidade interessante de público existe a necessidade de interagir com as pessoas com mais frequência e o Instagram permite-nos isso. É giro partilharmos as nossas conquistas e pormenores do dia-a-dia, torna-nos mais humanos. É também isso que se procura no YouTube: pessoas reais. O meio digital está sempre a crescer e devemos explorar outras vertentes para além do YouTube.

No Instagram até já tem vários clubes de fãs.

É verdade, tenho fãs maravilhosos e sinto-me muito grata por isso. É inesquecível sempre que alguém me aborda na rua para me dizer que gosta imenso do meu livro e do meu trabalho.

Que conselhos gostaria de deixar a jovens que querem tornar-se youtubers ou crescer no Instagram?

É muito importante mostrar consistência, qualidade e criatividade. Termos de ser nós próprios. É mais fácil copiar, mas a base do sucesso está no facto de nos diferenciarmos e distanciarmos dos outros. Quem vê vídeos no YouTube é cada vez mais exigente, é preciso dedicar mesmo tempo ao projeto.

Este ano, com o lançamento do livro Conversas Sem Segredos, saltou do digital para o papel, onde responde a muitas das questões que lhe chegam através das redes sociais e às quais costuma responder também através da rubrica ‘Terças Secretas’, no YouTube. Se já respondia a esse tipo de questões no canal, porque decidiu lançar o livro?

Este livro surgiu como um desafio, não estava a contar com ele inicialmente. Aceitei-o por ser uma forma de incentivar e ajudar as pessoas não só a ler, que é um hábito que se está a perder imenso, mas também nos dilemas mais íntimos. Às vezes esquecemo-nos da nossa vertente mais humana, deixamos de falar de certos assuntos porque temos receio de abordá-los com os nossos pais ou os nossos amigos, e este é um espaço seguro e divertido onde as pessoas se sentem confortáveis para abordar este tipo de questões. Queria também que os meus seguidores se sentissem importantes neste meu percurso como youtuber e o livro foi a melhor forma de o fazer. As ‘Terças Secretas’ acabam por distinguir o meu canal porque falo do interior de cada um, que é algo que falta no YouTube. Gostava que houvesse mais pessoas a fazê-lo. Já que tenho o privilégio de ter pessoas que me seguem e me enviam mensagens com tópicos tão interessantes, porque não explorar isso num livro e contar a minha história?

No livro aborda questões como as mudanças no corpo durante a adolescência, o bullying e as relações sexuais, algumas delas colocadas por crianças de 11 anos. O facto de estas seguidoras serem tão novas fez com que tivesse um maior cuidado nas respostas que deu a cada uma das perguntas?

Claro que sim. Nos próprios vídeos das ‘Terças Secretas’ tenho sempre um cuidado especial porque sei que aquilo que vou dizer pode influenciar muita gente e não quero, de todo, ser impulsionadora de algo negativo. É bom partilhar ideias, mas não quero ser eu a levar as pessoas a tomar determinadas decisões. Quando escrevo para um público mais jovem, como é o caso deste livro, muito centrado na adolescência e pré-adolescência, tenho esse cuidado. Foi por isso que demorei cerca de dois anos a conceber este livro, não sou escritora, queria que o resultado fosse o mais genuíno possível.

Muitos jovens têm mais facilidade em falar consigo sobre assuntos íntimos do que com familiares e amigos. Sente isso?

Às vezes até me sinto mal porque as pessoas confiam demasiado em mim, é assustador. Sei que sentem que me conhecem bem, tal como eu sinto que já conheço um bocadinho as pessoas quando leio as mensagens, no entanto as pessoas não me conhecem nem eu as conheço a elas. Existe uma química, qualquer coisa especial.

Ou seja, apesar de todos os avisos para não se exporem demasiado a estranhos na Internet, os jovens continuam a fazê-lo.

As pessoas sentem-se à vontade para vir falar sobre essas questões comigo porque dou a cara e, em muitos dos casos, já me acompanham há anos, não é há um dia ou dois. Essa confiança e à vontade para falarem comigo parte daí. O minuto de loucura que têm em que partilham os seus segredos acontece porque eu também já partilhei muitos com eles, há empatia. Não sou apenas uma desconhecida na Internet a fazer vídeos no YouTube.

Os pais têm noção deste tipo de partilhas?

Sim. Conheço muitos pais que dizem que não deixam os filhos fazer canais de YouTube exatamente pela questão da privacidade e dos medos que sentem. Às vezes os pais vêm aos meetings com os filhos e acabam por falar comigo um bocadinho sobre o livro e sobre o meu trabalho, que acompanham juntamente com os filhos. O facto de me virem conhecer dá-lhes algum conforto.

No livro tem uma mensagem, enviada por uma adolescente, que lhe confessa que já teve prestes a matar-se por ser vítima de bullying. Como reagiu a este depoimento?

Demoro dias a processar este tipo de depoimentos, alguns deles nem sequer gosto de referir publicamente porque são assuntos graves. Nesses casos falo diretamente com as pessoas através de email. É perigoso alguém que não é especialista em psicologia, como é o meu caso, aprofundar estes temas. Apenas falo das minhas vivências e tenho medo de arriscar nas respostas a assuntos tão sérios. Ainda assim, considero que é importante dizer-lhes algo porque eles gostam de nós, consideram-nos amigos. Podemos desmistificar os assuntos mais pesados, fazê-los perceber que não estão sós e há sempre soluções para os problemas.

Foi este o capítulo que mais custou escrever?

Foi este capítulo e o das relações sexuais. É um tópico muito delicado, principalmente para os pais, e não queria, de todo, que isso impedisse os pais de comprar o livro ou que levasse os pais a proibir os filhos de o lerem. Ainda é um tema tabu na nossa sociedade e quis ter esse cuidado.

No capítulo do bullying refere que foi “bully”, ou seja, agressora e não vítima. Normalmente os agressores nunca revelam esta faceta. Por que decidiu fazê-lo?

Exatamente por isso, nunca temos bullies a falar sobre o que os leva a fazer isso. Foi um dos capítulos que mais temi porque senti mesmo que me estava a expor a 100%, estava a tocar em algo que nunca tinha sequer mencionado no canal. Podia fingir que essa fase da minha vida não tinha acontecido, mas percebi que podia ajudar muita gente a identificar o que as leva a ter este tipo de atitudes, despejando as frustrações nas vítimas. Houve um dia em que a pessoa a quem fazia bullying me enfrentou e, a partir daí, as coisas mudaram completamente. Antes disso, aquelas atitudes eram perfeitamente normais para mim, achava que tinha o direito de as fazer, e só depois de ter sido enfrentada percebi que estava a magoar alguém. Ter este depoimento no livro vem demonstrar, mais uma vez, que sou um ser humano e não falo só de coisas felizes. Há momentos mais delicados na nossa vida que nos levam a passar para o lado mau, mesmo que sejamos do bem.

Este verão passou a ser uma das caras da Fanta e protagoniza um dos anúncios televisivos. Como está a ser esta experiência de saltar do YouTube para a TV?

Tem sido incrível, é mais um projeto que abracei com o coração. Nunca pensei que podia vir a fazer um anúncio de televisão, a experiência foi muito interessante, acabei por ir a Barcelona e a Madrid. É um ambiente completamente diferente e trabalhar com o Nurb tem sido muito bom, é uma pessoa cinco estrelas.

Inês Rochinha Fanta

O que acha que a Inês de 11 anos, que era insegura ao ponto de fazer bullying, pensaria da Inês de agora, que é uma estrela da Internet?

Não imaginava que pudesse chegar até aqui, costumo dizer que a Inês de 15 anos está muito orgulhosa da Inês de 24. Depois de todas as peripécias com que lidei, principalmente na adolescência em que nunca tive muitos amigos e achava que era fixe magoar as pessoas, este resultado é um sonho. Se tiverem um tentem, ao máximo, concretizá-lo. Não se preocupem com os julgamentos dos outros. Quando comecei o meu canal do YouTube fui muito gozada mas, ao mesmo tempo, tive muitas pessoas a apoiarem-me. Empurrei a negatividade para o lado e agarrei-me às coisas boas, ao que me faz bem e alimenta a minha paixão. Hoje em dia estou aqui. Trata-se de dedicação, esforço e de se gostar muito do que se faz.

Ficha técnica do livro:

Conversas Sem Segredos, de Inês Rochinha. Editora Manuscrito, 13,50 euros