Investigadoras portuguesas no Reino Unido em discurso direto sobre as eleições

São cinco mulheres, portuguesas, investigadoras na área da Economia, Saúde e Relações Internacionais que trabalham e vivem no Reino Unido. Geograficamente mais próximas de Londres ou mais distantes, todas elas reportam uma preocupação com o governo britânico que aí vem e resultado das eleições antecipadas desta quinta-feira.

Nas urnas, o principal confronto dá-se entre a conservadora Theresa May, ainda primeira-ministra, e o trabalhista Jeremy Corbyn, candidato pelo qual estas portuguesas parecem reunir simpatias. Em síntese e recorrendo ao humor britânico, poderíamos até dizer que estas portuguesas pedem um “May, not”!

Porém, há muito mais em discussão num sufrágio como este e a maior parte das matérias que estão subjacentes a esta eleição não dispõe de qualquer espaço para que os eleitores possam colocar uma cruz.

A angústia face ao crescente conservadorismo britânico, a “esperança” de que a vitória de Theresa May (a ainda primeira-ministra) seja pequena e, mais radical ainda, “o plano B… regressar a Portugal” são expressões que estas mulheres, com idades entre os 30 e os 47 anos, utilizam em textos que escreveram para o Delas.pt a propósito deste “momento histórico”.

Também em uníssono, estas portuguesas repararam na forma como este processo e os media – no qual uma das protagonistas é mulher – trataram o sexo feminino. Ao mesmo tempo, destacam forma como os candidatos e dirigentes – Theresa May incluída – fizeram tábua rasa de matérias como a discriminação de género e direitos das mulheres.

Ora leia as opiniões na íntegra!

Céu Mateus, 47 anos, senior lecturer em Economia da Saúde, Universidade de Lancaster

[Fotografia: DR]

“Resido no Reino Unido desde outubro de 2014, em Lancaster, uma pequena cidade a norte de Manchester, onde o principal empregador é a universidade onde trabalho. A região – North West Coast – é uma das que apresenta piores indicadores socioeconómicos em Inglaterra, mas a universidade – Universidade de Lancaster – está no Top 10 em todos os rankings do Reino Unido.

A região votou a favor do Brexit, embora dependente de mão-de-obra emigrante europeia em alguns setores de atividade, como a agricultura. Os termos do Brexit são, sem dúvida, o que mais pode afetar o futuro dos emigrantes portugueses em Inglaterra. Uma vitória de Teresa May é uma incógnita sobre o nosso futuro, uma vitória de Jeremy Corbyn promete garantir os direitos para os cidadãos europeus que residem no Reino Unido.

A campanha acabou por ficar refém dos ataques terroristas – dois nas últimas duas semanas, com 30 mortos e cerca de 100 feridos. O terrorismo, a sua prevenção, e a resposta aos ataques conduzem-nos para temas mais relevantes no contexto europeu: racismo, xenofobia e direitos cívicos.

Estes problemas atacam de forma particular as mulheres, as quais, muitas vezes, já têm dificuldade em ver os seus direitos reconhecidos. Em Inglaterra, a luta pela igualdade de remuneração para igual trabalho, embora antiga, tem dado parcos resultados. Mas as questões da discriminação com base do género estiveram muito longe do debate político, ainda que com uma mulher candidata ao cargo de líder do país. Teresa May é criticada pelo que veste, o que calça, o corte de cabelo, as caretas que faz enquanto fala e por ser pouco empática. As mulheres são alvos mais fáceis, uma “minoria invisível”, num mundo que aceita melhor os Trumps que lhe saem na rifa do que as May do nosso descontentamento!”

Marisa Miraldo, 40 anos, professora associada em Economia da Saúde, Imperial College Business School

Marisa Miraldo [Fotografia: DR]
“Talvez, mais que nunca, o resultado das eleições de hoje [8 de junho] assume uma importância crucial.

A corrida ao poder desta quinta-feira não se define apenas por diferenças de programas eleitorais, mas também por diferenças sobre modos de estar na política e na sociedade. As diferenças partidárias são abismais pelo que o resultado terá um impacto significativo no futuro do Reino Unido. A vitória dos conservadores trará políticas severamente isolacionistas, a substituição do papel do Estado em áreas cruciais e medidas que resultarão no alargamento das desigualdades. Este quadro político, agravado por uma clara falta de verdadeira liderança por parte da líder do Conservadores, Theresa May, terá consequências sociais e económicas graves nas próximas décadas.

Por outro lado, a campanha de Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista, tem sido inesperadamente estratégica, com base num manifesto político sólido e consistente. Foi uma campanha não de oposição, mas de princípios e valores, que apela à coesão social, ao investimento na criação de emprego para os mais jovens, ao investimento do estado na saúde e educação, à defesa dos direitos dos trabalhadores, incluindo os imigrantes, e, sobretudo, à abertura e vontade de trabalhar com a União Europeia. Embora muito criticado pelos media por não ter baseado a sua campanha no Brexit (como, por exemplo, os Liberal Democrats), demonstrou que há um novo modo de fazer política, baseada não em campanhas eleitorais de oposição em torno de um aspeto mediático ou até mesmo populista, mas em valores instrumentalizados num manifesto político que fala a todos.

Será difícil uma vitória de Jeremy Corbyn no contexto das regras do sistema eleitoral em Inglaterra, no entanto, há esperança que os Conservadores não ganhem por maioria absoluta. A palavra do dia nas ultimas semanas é essa mesmo: há esperança!”

Eliana Barrenho, 35 anos, investigadora académica no Imperial College London

[Fotografia: DR]

“São históricas as eleições que trazem hoje a votos o Reino Unido.

Desde há um ano que testemunho impotentemente o declínio do sistema democrático britânico. Theresa May sequestrou o Partido Conservador e o Governo Britânico com o seu estilo próprio e autoritário. Dramaticamente, hipotecou a tradição liberal britânica, com consequências que se podem tornar irreversíveis para a sociedade. Ela tem marcado a agenda política com valores dúbios que põem em causa os direitos humanos, consentindo argumentos xenófobos e valorizando interesses duvidosos dos Estados Unidos de Trump, da Arábia Saudita e da Turquia. A mesma senhora que defendeu há um ano a permanência do Reino Unido na União Europeia, é a mesma que hoje defende um virar de costas ao velho continente. A todo o custo. A mesma senhora que nos últimos meses assumiu a política de desafiar a classe média, jovens, reformados, futuros profissionais, cientistas, pessoas com incapacidade, polícias, pequenas e médias empresas, a City, é a mesma que agora muda constantemente de opinião. Não tem uma linha de pensamento com princípios claros e objetivos. Não é consistente quanto ao que defende. Trata-se da antítese do que tem sido a governação deste país.

Estou preocupada, penso que a Europa tem muito a perder com este tipo de liderança.

Por tudo isto, como residente na Inglaterra há oito anos, e sobretudo como cidadã europeia, anseio por um resultado que se traduza na tomada do poder por parte da oposição. Nesta linha de pensamento, o mais salutar será a negociação parlamentar entre Trabalhistas, Verdes, Liberais Democratas e os partidos nacionais progressistas (incluindo o Partido Nacional Escocês e o Pliad Cymru). Há muitas coisas em jogo. O melhor, penso, para a elevar as expectativas da sociedade, é que todas estas forças, em sede democrática, tenham a capacidade para negociar. Desejo que a Liberdade, Tolerância e Competência se sobreponham ao autoritarismo, à retórica cinzenta e às incompetentes políticas de May. Infelizmente estes são só os meus desejos, já que não posso votar.

Mas estou confiante!”

Daniela Gomes, 30 anos, enfermeira diretora da Federação de Prática Geral de Cuidados de Saúde Primários de Islington, Londres

[Fotografia: DR]

“As eleições antecipadas do Reino Unido têm gerado um misto de emoções e crescentes expectativas sobre o futuro do pais.

Infelizmente, enquanto profissional de saúde a trabalhar para o Sistema Nacional de Saúde inglês (NHS) verifico que, ao longo dos anos, os serviços têm sido alvo de constante reestruturação e cortes orçamentais que têm levado tanto os profissionais de saúde, como os pacientes a um estado de insatisfação geral. Esta foi intensificada recentemente pela postura pouco empática da primeira-ministra Theresa May que, ao ser confrontada por uma enfermeira sobre a injustiça associada a inexistência de aumento salarial desde 2009, respondeu que o dinheiro não cai das árvores.

Esta postura narcisista da atual primeira-ministra estende-se a outros setores e à Comunidade Europeia, quando refere que “nenhum acordo é melhor que um mau acordo”.

A aparente pretensão de Theresa May em estabelecer um paralelo do seu cargo político com o de Margaret Tatcher [ex-primeira-ministra britânica e com o cognome de ‘dama de ferro’] e o de Angela Merkel [chanceler alemã] transmitem inautenticidade e delapidam a sua credibilidade.

O partido trabalhista liderado por Jeremy Corbyn tem sido apontado como o ideal sucessor, apesar de a sua atitude – por vezes demasiado complacente – dividir opiniões quanto à sua capacidade de liderança do pais.

Enquanto mulher, mãe, imigrante portuguesa no Reino Unido e profissional do NHS considero que o partido trabalhista oferece mais esperança num futuro melhor, uma vez que dá prioridade aos direitos dos trabalhadores, defende o serviço nacional de saúde e se contrapõe aos planos de privatização do mesmo.

O partido trabalhista propõe-se a apoiar famílias com crianças menores ao viabilizar 30 horas semanais gratuitas de apoio pré-escolar a partir dos 2 anos de idade, permitindo a inúmeras mães a oportunidade de regressar mais cedo ao mercado de trabalho. O partido de Jeremy Corbyn propõe ainda reinvestir nos serviços públicos e promover o diálogo saudável com os parceiros europeus, de modo a garantir estabilidade da economia britânica e a segurança dos seus cidadãos.

Mais do que nunca, o Reino Unido precisa de políticas de esquerda, menos austeridade e mais justiça social. Com a perspetiva do Brexit, resta a muitos Portugueses talvez a esperança de terem um excelente plano B… o regresso a Portugal.”

Helena Carrapiço, 37 anos, investigadora e docente em Relações Internacionais, na Universidade de Aston, no Reino Unido

[Fotografia: DR]

“Ao longo deste processo que decorre do Brexit, as principais preocupações têm sido em olhar para o impacto da saída do Reino Unido da Europa e as relações do país com o Mundo, mas acho que os ingleses não olham tanto para uma outra possibilidade: a possível desagregação interna do Reino Unido tal como hoje o conhecemos”.

Esta análise partiu de Helena Carrapiço, investigadora e docente em Relações internacionais, na Universidade de Aston, quando traçou – para o Delas.pt – o perfil das mulheres britânicas que dominavam as eleições britânicas e que têm estado ligadas ao processo do Brexit. Estávamos então em março.

Mas as preocupações desta imigrante portuguesa em terras de Sua Majestade iam muito mais além. Mulher e recém-mamã, Helena lembrava que “mulheres na política britânica e as condições oferecidas às mães não são tão boas como em Portugal”, vincava que “o tipo de emprego que as mulheres têm a longo termo não é tão bom quanto o dos homens”, que “a desigualdade entre géneros é muito mais visível no Reino Unido” e que “as mulheres de classes sociais mais altas não identificam as necessidades das das mais baixas”.

A professora não escondia que a comunidade de investigadores portuguesa está “alarmada” e que, para qualquer imigrante, nem a garantia de permanência no território há pelo menos cinco anos é certeza de que vai estar em paz.

Imagem de destaque: Reuters