Jovens e solteiras timorenses excluídas do novo projeto de planeamento familiar

Mulher Timor
Fotografia de Lirio Da Fonseca/Reuters

O desenho da nova política de planeamento familiar de Timor-Leste está a excluir as mulheres jovens e as solteiras, ao focar as suas medidas essencialmente em casais.

Esta é uma das preocupações manifestada por elementos da sociedade civil timorense, numa petição e carta aberta dirigida ao primeiro-ministro, Rui Maria de Araújo.

De acordo com o texto, citado pela Agência Lusa, a política terá “um impacto negativo e afetaria os direitos de todos, especialmente jovens, pessoas não casadas e mulheres nas zonas rurais“.

Uma das razões apontadas para esse impacto negativo é o facto da proposta do governo só permitir que as mulheres tenham acesso aos métodos de contraceção ou de planeamento familiar se se deslocarem às clínicas acompanhadas dos maridos.

“O direito das mulheres de acesso ao planeamento familiar não pode ser determinado por líderes religiosos. É inaceitável que mulheres não casadas não possam ter acesso ao planeamento familiar ou que só possam ter se o forem pedir com os maridos”, refere Berta Antonieta, académica de 25 anos e uma das promotoras da carta aberta.

Debate alargado e menos influenciado pela religião
Segundo os apoiantes da carta aberta, este tipo de medidas foi introduzido no novo desenho da política de planeamento familiar, por influência no debate de vários dirigentes religiosos.

Apesar de o Estado timorense ser constitucionalmente laico, o peso social e político da Igreja católica é particularmente intenso com padres, freiras e outros religiosos a participarem ativamente na definição de políticas sobre vários temas sociais, tanto em saúde como educação.


“É inaceitável que mulheres não casadas não possam ter acesso ao planeamento familiar ou que só possam ter se o forem pedir com os maridos”, refere a académica Berta Antonieta.


A Comissão Nacional de Luta Contra a SIDA é liderada por um pastor protestante que acabou com a recomendação do uso de preservativos, numa das primeiras medidas adotadas.

Para Berta Antonieta, “os grupos religiosos não devem estar envolvidos neste tipo de decisões do Estado”, sendo necessária “uma clara separação entre igreja e Estado”.

Outra das denúncias feitas é a de que o debate passou despercebido na opinião pública, ao ser realizado em plena campanha para as eleições legislativas no país e por não ter sido passado para a comunicação social.

Os signatários da carta aberta e da petição pedem, por isso, mais debates públicos e alargados para “incluir as perspetivas de todos os interessados“, incluindo organizações da sociedade civil, e acusam o atual “esboço apresentado pelo Ministério da Saúde” de violar a “constituição e políticas nacionais”, bem como “acordos internacionais que Timor-Leste se comprometeu a seguir”.

Uma política de planeamento dirigida aos jovens
Berta Antonieta alerta também os políticos para a necessidade de ouvirem os jovens, que representam mais de metade do eleitorado e são a maioria da população.

“Se querem vencer, não podem ignorar os jovens. Estas políticas, acesso à saúde sexual e reprodutiva, são questões muito importantes para nós”, afirmou, acrescentando que, por outro lado, “há muita gente mais velha que também pensa assim, que diz que argumentos que são mais moralistas do que sobre saúde pública não podem determinar a política”.

Os promotores da carta aberta insistem que “toda a gente tem direito de acesso ao planeamento familiar, independente da sua idade ou estado civil“, e o direito de escolher “qualquer método de planeamento familiar” e de poder decidir “livremente, se querem ou não ter crianças, quantas e quando as querem ter”.

O acesso a métodos de planeamento familiar em Timor-Leste continua a ser difícil e o estigma social associado ao tema impede muitos jovens de serem adequadamente aconselhados.

Mitos relacionados com a menstruação ainda são perpetuados no ensino público, a violência sexual continua a ser prevalecente e os direitos das mulheres, no que toca à sexualidade, continuam a ser ignorados, indicam estudos realizados no país.

Imagem de destaque: Lirio Da Fonseca/Reuters