Katty Xiomara leva Miami (sem cheias) a Nova Iorque

Era uma vez uma paraquedas colorido que viaja ao sabor da brisa caribenha até Miami Beach Art Deco, o primeiro bairro do século XX a ser considerado um lugar histórico pelo registo nacional americano. No voo suave e quente avistaram-se cores de frutas – mais precisamente melão, framboesa e papaia – e as linhas direitas da arte déco. Foi esta a história que Katty Xiomara nos contou com a sua coleção de primavera-verão 2018 em Nova Iorque.

Falámos com a designer portuguesa nos bastidores de mais um desfile internacional no âmbito do Portugal Fashion e ficámos a conhecer melhor esta coleção feminina e alegre, mas não só.

Esta coleção inspirou-se em Miami Beach Art Deco District. O que trouxe de lá para esta coleção?

O ponto de inspiração na verdade foi a arte déco e a evolução do movimento, que é interpretado de uma maneira muito mais colorida e muito mais doce, mais divertida em Miami, também muito mais tarde no tempo e na coleção vemos isso.

Essa leveza também se vê um bocadinho nos folhos que são um elemento que já tinha utilizado na coleção anterior?

Aqui os folhos têm muito a ver com o facto de falarmos em Miami e num espírito caribenho, nesta noção de festa e feminilidade muito patente na atitude de Miami. Mas também tem uma ligação aos anos vinte e trinta.

Como é que se adaptam as modas de outros tempos aos dias de hoje?

Tudo o que temos hoje tem base no que foi feito no passado, por isso é quase inevitável. Agora se fizermos de forma propositada é diferente, que foi este caso. Mas não ir buscar referências a outras alturas é quase impossível, porque a moda é feita disso, de refazer, do recriar, do reviver, as coisas novas têm sempre uma base de alguma coisa que já foi feita.

Ainda falta inventar alguma coisa?

O facto de existirem revivalismos não tira a importância de novas invenções, não há é o conceito de algo completamente novo vindo do zero, existe mais um readaptar. Se formos à base de um conceito de completamente novo, se falarmos de uma terminologia mais estética já é possível perceber o que é novidade o que é contemporâneo.

O que é contemporâneo, o que é a moda contemporânea?

É extremamente difícil de definir. Durante muito tempo tentámos limpar, deixar transparecer linhas simples e hoje em dia acho que é o contrario, tentamos tornar tudo mais orgânico, mais vindo de dentro para fora. O contemporâneo hoje vive muito disso.

Como é que se mantém a identidade com tantas alterações nessa definição do que é atual?

Não é difícil. A interpretação é a chave de tudo é aí que está o cunho pessoal. Qualquer artista consegue fazer isso, eu não me considero propriamente uma artista mas trabalho numa área criativa. Portanto é natural que o adaptar de diferentes conceitos e diferentes inspirações faça parte do meu trabalho e que seja algo intuitivo, algo que se faz com alguma à vontade.

Se moda não é arte, o que é?

É criatividade sem dúvida. Não considero que seja arte, porque a arte está relacionada com algo que queremos ver e admirar e não propriamente usar. A arte não tem este conceito de design que a moda tem e que envolve uma função de funcionalidade.

A moda deve ser funcional para resistir sobretudo comercialmente?

A moda teve sempre ao longo dos anos a necessidade de ser funcional, mas também a necessidade de pôr o conceito de vaidade acima da funcionalidade. Digamos que a mulher esteve sempre habituada a sofrer, costuma-se dizer “sofrer para bela ser”. Existe este conceito, felizmente hoje em dia não estamos sujeitos aos espartilhos e não temos este conceito tão fechado de moda. É tudo muito mais abrangente e fácil de adaptar. O conceito também é muito importante porque as nossas vidas hoje também são muito diferentes. Temos uma vida muito mais preenchida que antigamente e a funcionalidade ganha importância cada vez mais.

Qual é a importância comercial de apresentar na semana de moda de Nova Iorque?

É sempre muito difícil responder porque não há forma de contabilizar exatamente o que esta apresentação gera em termos da receitas. Mas eu penso que há reconhecimento, a marca tem cada vez mais nome e a ser reconhecida pelas pessoas. Notamos também nas feiras que as pessoas já nos conhecem lembram-se de nos ter visto.

É mais importante estar nas feiras ou em desfile?

É diferente, o desfile funciona muito mais em termos de imagem e serve para chamar a atenção, que no momento em que estamos é o que realmente interessa. Nas feiras, para ser franca, temos notado que a participação dos retalhistas é menor e têm havido também uma mudança muito grande na forma de comprar.

Que mudança é essa?

As pessoas querem comprar cada vez mais em cima da época do que comprar com tanta antecedência.

O sistema de moda see now buy now pode ser uma solução?

É diferente, são duas situações diferentes. Aqui não se trata de vender as coleções imediatamente depois do desfile. Trata-se mais de vendar aos retalhistas em cima da época, o que obriga à criação de um stock próprio para gerir. É uma maneira de trabalhar muito diferente. As feiras têm a sua importância mas neste momento acho que está tudo em aberto, não se sabe o que funciona melhor. As feiras servem para estabelecer um primeiro contacto e mostrar as coleções mas se o nome da marca não tiver algum impacto nos media e as pessoas não conhecerem a marca, o interesse dos retalhistas cai. Portanto, na verdade, são as duas coisas importantes.

É esse o caminho para uma marca ser bem-sucedida?

Não sei se é esse, mas para já é esta a receita que está validada. Se vai continuar a funcionar não sei.

O mercado asiático foi um dos primeiros mercados em que a marca Katty Xiomara se internacionalizou, porque é que acha que foi tão bem aceite neste mercado?

Acho que teve a ver com a identificação com a marca. O mercado asiático é muito mais aberto a coisas novas, por vezes a mercados que estão viciados em consumir sempre o mesmo. Por isso preferem ter apenas em loja aquilo que sabem que vende e não apostam em nichos de mercado. Há pessoas que jogam pelo seguro, mas os japoneses não são tanto assim e se calhar é isso que me faz ter mais sucesso na Ásia.

Faz sentido continuar a apresentar a coleção em Portugal, quando a marca se está a internacionalizar?

Faz sempre sentido. Portugal é o nosso mercado mais direto, acaba por ser onde trabalhamos com um maior contacto com o consumidor. Tem funcionado e o desfile em Portugal continua a ser bastante importante.


Margarida Brito Paes, em Nova Iorque