Liberdade de expressão e de pensamento. Descubra as diferenças

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Dias depois de comemorarmos 42 anos de Liberdade no nosso país, que sentido fará falar acerca da ideia de liberdade de pensamento e de expressão? Será que ainda há muitos cravos para plantar neste canteiro?
Uma das grandes liberdades que este século nos trouxe é: fazermos aquilo de que gostamos. Esta é uma forma de liberdade, espécie de pleno que reúne ambas as vontades: pensar e expressar-se livremente. No entanto, apenas uma minoria de privilegiados, vive nestas circunstâncias de realizar o que deseja, seja a nível profissional, lúdico ou amoroso. Não deveríamos ter, ao menos, parte do domínio destas liberdades/possibilidades?
Par de gémeas siamesas
O filósofo e economista John Stuart Mill, na obra ‘Da Liberdade de Pensamento e de Expressão’ (2010), defende, sobretudo, o direito do indivíduo em pensar e agir livremente. E não é um incentivo à irresponsabilidade. Deve-se pensar e agir, segundo os desejos de cada indivíduo, e assumir a responsabilidade dos seus atos. Aquilo que pode parecer um paradoxo, acaba por ser o modelo funcional das comunidades: liberdade e responsabilidade – par de gémeas siamesas. Saber o que pensar e o que fazer é a forma suprema de liberdade. É curioso por que associamos primeiramente a liberdade ao hedonismo poético desgovernado. Liberdade e responsabilidade são o contraste ou a contradição, a que se referia Hannah Arendt, entre a consciência de que somos livres e responsáveis, e a experiência no mundo exterior em que as orientações obedecem ao princípio de casualidade.
Primeiro pensamento, depois expressão
A célebre frase “conhece-te a ti mesmo”, demonstra a convicção de Sócrates (469 a 399 a.C.), no investimento da liberdade individual. Foi um dos primeiros filósofos a aclarar o conceito de liberdade e para o qual “o homem livre é aquele que consegue dominar os seus sentimentos, seus pensamentos, a si próprio”. Para Sócrates “a escravidão é marcada pelo facto do Homem deixar que as paixões o controlem”. A palavra-chave para a concretização da liberdade é o autodomínio. Ou seja, se se for livre a dominar os pensamentos, a expressão agirá em conformidade, sendo também ela livre. O conceito de liberdade de expressão traduz-se no princípio de que é essencial na construção de uma sociedade democrática e igualitária, na sua dimensão individual e coletiva; no sentido de que todos os indivíduos têm o direito de procurar, divulgar ou receber ideias e informações. Com origem nos ideais iluministas, o conceito de liberdade de expressão foi primeiramente documentado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Constituição Francesa de 1793.
A violência da liberdade ideológica
John Gray, filósofo britânico, proferiu numa palestra em 2015, que “continuamos a sonhar com um sistema universal, seja ele comunista, anarquista, neoliberal ou positivista, e deparamo-nos com uma ilusão. Nos séculos XIX e XX, e nas primeiras décadas do século XXI, nenhum desses sonhos demonstrou qualquer sinal de estar se tornando mais próximo da realidade, mas, mesmo assim, estes sonhos são constantemente renovados e, muitas vezes, são renovados de forma violenta.” Gray acrescenta que “a violência desse sonho da unidade, da harmonia, da civilização única, teve diversas formas no século XX: tivemos formas violentas no leninismo, bolchevismo, estalinismo, no trotskismo e no maoísmo. Todos eram formas de violência organizada. Também tivemos o nazismo, o fascismo e mais recentemente, projetos neoconservadores de mudanças de regime”. Segundo este testemunho fica-nos uma convicção: há uma violência inerente aos conceitos de liberdade de pensamento e expressão, porque estes existem, inequivocamente, por oposição.
Falamos de liberdades inerentes à própria condição humana. Direitos que são independentes das diferenças culturais, religiosas, políticas, sociais e de quaisquer outros aspetos, visto pertencerem a todos os indivíduos igualmente, devendo ser garantidos para assegurar a condição das pessoas como seres humanos. Em Portugal, como em muitos outros países que viveram décadas em ditadura política, o elemento castrador continua omnipresente. Há um fantasma chamado pudor ou medo que assombra estas liberdades individuais, impedindo-nos de ser, de facto, um coletivo. A verdade é que ainda há muitos cravos para plantar neste canteiro, sim.