“As pessoas não querem comprar apenas um produto mas o que ele representa”

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Luisa Delgado nasceu em 1966 na Suíça (e é por isso que nome não tem acento), chegou a Portugal para uma semana de férias em 1989 e acabou por ficar oito anos no país. Casou-se e iniciou uma carreira de sucesso em Portugal. Lançou marcas como o detergente de roupa Tide, o de loiça Fairy e a Pantene para cabelos no país mais ocidental da Europa, na altura trabalhava na Procter&Gambler, uma multinacional americana. Vinte e um anos e vários países depois Luisa é CEO da Safilo (um dos maiores grupos no setor dos óculos) e tem muito para nos contar.

Do que é que mais gosta em Portugal?

Vivi aqui quase 8 anos e o país acolheu-me muito bem desde o primeiro dia. Claro que o tempo ajudou, lembro-me que era janeiro e na Suíça estava a nevar e aqui estava toda a gente na esplanada. Gostei de Portugal desde o princípio. É um país com uma história fascinante e com uma variedade interessante também. Sempre fui muito feliz aqui. Também foi em Portugal que aprendi a trabalhar, o meu primeiro emprego foi cá. Aprendi muito neste país e venho cá muito e com muita alegria.

Quais são as principais diferenças no ramo empresarial em Portugal desde essa altura? Portugal evoluiu imenso. Umas das limitações de Portugal na altura, que agora está a ser ultrapassada, era que Portugal sempre teve uma produção de muita qualidade com muita atenção aos detalhes mas não tinha marcas. Acho fascinante o que está a acontecer agora com uma série de marcas em Portugal, na moda mas também no vinhos, etc. Acho que pouco a pouco está a crescer a cultura da marca, que é algo que envolve o storytelling, que vai para além do saber da produção, é algo fundamental mas a isto é preciso adicionar tudo o resto, inclusive a distribuição que naturalmente pode ser ajudada pelas plataformas digitais. Não há dúvida que a revalorização de Portugal está a acontecer. E isto também se vê nos óculos. A Safilo vende em Portugal mais ou menos o mesmo que vende na China, o que é incrível. E com isto vemos que há um interesse pelas marcas, os portugueses gostam de saber o que há de novo a nível de marcas, gostam da qualidade.

Vendem-se mais óculos de sol ou de visão em Portugal?

Compram-se mais de sol, pelo menos nós vendemos mais óculos de sol, apesar do mercado não ser maioritariamente de óculos de sol. O mercado mundial é cerca de 75% de visão para 25% de sol.

Porque é que isso acontece?

No início da Safilo nós éramos uma marca de vista, em 1878 fomos os primeiros a começar a fazer óculos em Itália e provavelmente no mundo, porque Itália é o berço dos óculos. A dada altura começou-se a falar de sol e um bocadinho depois começaram a chegar as primeiras licenças, e naturalmente muita da atenção e da criatividade desviou-se para esta nova realidade e para tudo o que está relacionado com as marcas de moda. Uma parte da nossa reorganização estratégica está em valorizar novamente os modelos de visão, mas numa visão de qualidade e que combine o design com a saúde. O que está a acontecer é que hoje em dia já ninguém compra óculos como instrumento médico, todos temos a consciência de que os óculos são o acessório mais visível, muito mais que sapatos ou malas por exemplo. E no mundo das selfies e da realização individual os óculos tornaram-se parte integrante da nossa personalidade. Uma grande parte das pessoas querem ter mais que um par de óculos porque os usam como acessórios, jogando com os materiais e cores. Os óculos de sol são o acessório mais in do momento, porque dão acesso a marcas de muito prestígio por um valor relativamente acessível.

Os óculos estão a par da perfumaria como ponto de entrada de um público médio para o mercado de luxo?

Eu diria que está um bocadinho acima por ter uma distribuição muito mais cuidada e especializada do que a perfumaria. Mas a grande diferença é que os óculos são muito mais visíveis, os perfumes não são logo reconhecidos e os óculos têm a marca muito mais visível. Para além disto os óculos funcionam como a moda, são cuidados a nível de design e integrados em coleções o que não acontece na perfumaria. Por isso eu diria, com toda a modéstia, que os óculos estão um passo mais próximos das marcas de luxo que os perfumes.

Porque é que os óculos são tratados de forma diferente do outros acessórios, ou seja, as carteiras sapatos são na maioria das vezes produzidos pelas própria casas de moda no caso dos óculos existe um produção mais distanciada, porquê?

Fazer e distribuir óculos, não é como fazer e vender carteiras ou cintos. Primeiro porque os óculos respondem a uma necessidade que é médica e fisiológica de conforto. Por isso é preciso uma componente técnica muito grande. Na Safilo temos um grupo de quase 300 pessoas entre designers e técnicos. Temos profissionais cuja única coisa que fazem é desenhar charneiras ]as dobradiças que juntam os aros às hastes] e que estudam as fisionomias das caras. Pelo mundo fora há pelo menos 5 ou 6 fisionomias suficiente diferenciadas que requerem moldes diferenciados, na Ásia há pelo menos três fisionomias diferentes entre o Japão, Coreia e China.

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O mesmo modelo é adaptado a essas fisionomias todas?

Sim e não é apenas adaptado tecnicamente também é diferenciado estilisticamente para que não fique desequilibrado. Dentro da Europa uma cara mais germânica ou russa de homem, por exemplo, tem uma fisionomia completamente diferente de uma mais latina. Todas estas especificidades técnicas fazem com que a parte que não é apenas um desenho estético mas também a tradução do desenho estético numa parte técnica. Cada par de óculos tem o seu molde único que só é usado uma vez em cada par. Depois temos a distribuição, os óculos não se vendem só em lojas de moda, apenas uma pequena parte. Porque existe o aconselhamento, a loja da especialidade, a loja de confiança, que entra em tudo isto e requer um controlo e um savoir faire de distribuição que só os operadores especializados têm. Nós mundialmente cobrimos quase cem mil portas, isto é negócios. Estamos presentes em 39 países diretamente e temos distribuidores exclusivos e auditados e controlados de forma muito estreita nos outros países do mundo. Estamos em quase todo lado, não há país onde não estejamos.

As marcas estão todas presentes em todo o lado ou também é feita uma escolha?Trabalhamos em cinco segmentos de posicionamento diferente. O mais alto é o de Elie Saab que está na haute couture, é o equivalente dos vestidos de princesa em óculos, e portanto estamos a falar de um nível altíssimo. Depois temos outro segmento que é o fashion luxury que é um segmento tradicional Safilo, onde temos Fendi, Dior, Givenchy, etc. O premium ainda neste segmento fashion luxury com Maxmara e Boss, é luxo mas um luxo mais elevado. Depois temos o contemporary lifestyle, que onde a marca mais importante é Carrera, mas onde também entram Marc Jacobs, Tommy Hilfiger e Fossil. O último é o fast cool que é o equivalente à moda de mercado de massas, aqui temos a nossa marca Polaroid com lentes de confiança e um desenho instantâneo com um preço acessível e uma presença muita vasta. Cada um destes segmentos tem a sua lógica, tanto de desenho, como de produção e distribuição.

Qual é marca que tem melhores resultados no mercado?

Nós estamos a crescer em quase todas as nossas marcas de acordo com os objetivos. Mas a nível de segmentos estamos a sofrer uma polarização. O segmento alto está a correr muito bem, é pequeno mas está a correr muito bem. Há um consumidor através do mundo inteiro que está à procura de sofisticação, individualidade e riqueza de produto, e aqui quase que não há limite para o preço, porque aqui o valor de mercado é uma consequência do produto e não um fim em si. E o fast cool também está a correr muito bem. Nos outros segmentos reparámos que são as marcas com história que resultam melhor, porque as pessoas não querem comprar apenas um produto mas o que ele representa, outro fator muito importante é a criatividade e inovação.

Acha que esta polarização está ligada aos movimentos económicos e políticos que temos vivido?

Penso que existe sem dúvida uma influência. Mas acho que também tem a ver com a maior informação do consumidor, hoje há muito mais acesso ao conhecimento. A raridade das coisas é muito importante para os segmentos de luxo mais alto, tudo o que é mais corriqueiro não pode ter um preço demasiado elevado, hoje o consumidor já não está disposto a pagar por uma originalidade falsa. Há mais clareza na mente do consumidor.

O que é que educou os consumidores?

O acesso digital a muito mais informação é a primeira coisa. Depois chegou o fast fashion, que provou que o consumidor gosta de misturar tudo, gosta de ser criativo não compra uma montra inteira, gosta de participar no processo de criatividade e de expressão própria. A moda já não é ditada, o que faz é oferecer peças com história e significado e cada um se apropria como quiser. Ao nível do público masculino, também houve uma grande evolução, os homens têm uma psicologia de compra diferente das mulheres.

Qual é a diferença?

Os homens são mais focados, mais técnicos, estão prontos para gastar em óculos, mas tem de haver um conteúdo técnico que eles percebam bem. A compra também é muito mais objetiva, sabem muito bem o que querem e provavelmente até já fizeram uma pré-seleção.dsc_7425_tratadaflat

As mulheres são mais emocionais a comprar?

Emocional é quase negativo, eu não gosto dessa classificação. Acho que as mulheres são mais intuitivas! Funcionam com a estética, têm um sentido de beleza e proporção maior e com as crianças são muito protetoras porque querem para as suas crianças o melhor da lente. E isto dá-nos muita alegria, porque escolhemos o segmento infantil como um dos mercados em que mais investimos na qualidade e onde no tornámos líderes.

Ao longo da carreira teve vários cargos de chefia. Acha que é mais difícil às mulheres chegar ao topo?

Os números diriam que sim, porque há menos mulheres nos cargos de topo. Eu, pessoalmente, não acho que tenha tido a vida muito mais dificultada do que um homem. Estive numa empresa de grandes princípios, a P&G, aqui em Portugal. Sem dúvida que trabalhar numa empresa americana com os princípios da P&G, me protegeu do que poderiam ter sido grandes dificuldades há 26 anos. Depois a uma certa altura, tornei-me mais consciente e percebi que há certas coisas na vida que para nós, mulheres, são mais complicadas.

E porque é que acha que isso acontece?

É uma combinação de várias coisas. Por um lado as nossas escolas, os brinquedos e tudo mais, não favoreciam o interesse das raparigas por tudo o que é programação, informática, etc. Veja, por exemplo, os jogos eletrónicos: a uma certa altura eram todos de guerra, até que alguém disse que deviam começar a ter mais bonecas e outras coisas e talvez assim as raparigas se interessassem mais. Hoje isso já mudou. É preciso fomentar o interesse, e hoje em dia já se faz muito mais isso que há 10 ou 15 anos. Acho que as coisas mudaram muito, tenho uma filha com 14 anos e não acho que ela esteja complexada por ser rapariga. Acho que o mundo mudou muito. O que permanece nas empresas, e todos temos de trabalhar para prevenir, é uma estereotipização do que é liderança, em estilo e modelo. Muitas vezes estas ideias estão dominadas pelo que é mais masculino, e aí é importante ter nas empresas princípios que favoreçam a diversidade.

E que princípios seriam esses?

Nós temos trabalhado muito na igualdade na Safilo. Quando eu cheguei a empresa era basicamente liderada por homens italianos. Pouco depois, temos hoje 30% de mulheres nos 125 lugares de topo da empresa, cerca de 24 nacionalidades e diversificamo-nos como uma empresa global. Algumas normas como, por exemplo, de cada vez que recrutamos alguém ou promovemos alguém, vermos candidatos de ambos os sexos e nacionalidades diferentes, são importantes. Depois o melhor é sempre o que é escolhido, até pode ser um homem italiano. O importante é que olhámos mais além e para várias tipologias de talento. É muito importante que as equipas sejam diversas e saibam aproveitar a diversidade para encontrar melhores soluções de negócio. Também é preciso investir um pouco no que eu chamo female empowerment. Lembro-me da primeira vez que fui aos EUA para a P&G, as americanas pareciam mulheres fortíssimas, maquilhadas como se fossem para a guerra, e nós europeias parecíamos mais tímidas, e apesar do estilo não ser o que conta mais, a autoconfiança é muito importante.

Como é que se trabalha essa confiança nas mulheres? É desde a infância? A família e a escola têm um papel muito importante. Uma vez que entram na empresa é com coaching e dando oportunidades, porque quando uma pessoa começa a fazer uma coisa e percebe que a faz bem, ganha confiança. A confiança nasce de acreditar em nós próprios. Acho que a superação e perceber que se é capaz é o grande truque. Mas é preciso dar as oportunidades. Se ao longo da minha carreira não me tivessem sido dadas oportunidades não teria chegado aqui. Claro que também é necessário trabalhar muito. O que eu percebi ao longo dos anos é que quanto mais alto é o cargo mais importante é a serenidade. Um líder tem que tomar decisões difíceis e por isso não pode estar perdido, tem que saber olhar para as coisas com distância e tomar decisões que têm riscos e implicações. É preciso coragem porque é necessário conjugar uma série de variáveis que não são científicas, nem são arte e que tem de ser equilibradas.

Ser mulher acrescenta algo de diferente à liderança?

Eu acredito que sim. Acho que como mulheres temos algo para acrescentar, acho que trazemos intuição e se nos deixarmos guiar por ela, temos um extra porque é esta particularidade nossa que traz algo que é difícil de explicar. A intuição vai aliar-se sempre à estratégia e análise levando-nos por caminhos que são mais completos. Depois a empatia pelas pessoas e a parte humanista, que se encontra em ambos os géneros, mas nas mulheres é mais natural se elas deixarem. Porque ainda existem muitas gerações de mulheres a quem foi dito que tinham de eliminar as suas características mais femininas para chegar à liderança. O que às vezes as mulheres não têm é clareza, nós gostamos de falar mais que os homens, temos uma maneira de chegar aos objetivos diferentes. Isto tem coisas positivas e coisas negativas mas é preciso saber adaptar-se. Costumo dizer, quando dou formação a outras mulheres, “que sejam elas próprias, mas que sejam elas próprias com capacidades”. Ter capacidades é perceber numa reunião, onde há 3 segundos para criar impacto, que não se pode falar demasiado porque ninguém vai ouvir, é preciso ter uma paleta de estilos e usá-los de acordo com cada situação. Isto é o mais importante, porque quanto mais diferentes somos mais capacidade de adaptação temos de ter, isto tem muito a ver com comunicação, ser rápida, incisiva e clara. Porque já todas estivemos em reuniões onde uma mulher diz uma coisa e ninguém liga e três minutos mais tarde um homem de voz grossa diz exatamente a mesma coisa e toda a gente elogia.

Qual é o segredo para uma mulher ser ouvida numa reunião?

Falar pouco, falar alto e falar claramente. Além disso, usar uma linguagem que os homens percebam, é muito importante, tal como conhecer quem nos ouve e saber que ninguém consegue digerir mais de três ou quatro ideias. É preciso manter as coisas simples e saber o que se quer. É muito importante acreditar nas nossas ideias, o poder da convicção é incrível. É preciso não ser agressivo ou arrogante mas é imprescindível ser determinado.