“A mulher no cinema foi muito esquecida”

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Uma realizadora que se assume como feminista, mostrou neste 25 de abril o documentário ‘Os Cravos e a Rocha‘, no Festival IndieLisboa, sobre a maneira como o cineasta Glauber Rocha sentiu a Revolução portuguesa. Luísa Sequeira é sobretudo uma agitadora cultural depois de ter sido a responsável pelo programa Fotogramas, na RTP, e de ser semanalmente o rosto no Porto do movimento Shortcutz.

Há um lado simbólico nos timings de apresentação do seu filme ‘Os Cravos e a Rocha’. No IndieLisboa passou no 25 de abril, a 1 de maio vai ser exibido na mostra de filmes insubmissos Desobedoc, no cinema Batalha, no Porto…

Sim, sobretudo porque este meu documentário é um olhar sobre ‘As Armas e o Povo’, por sua vez um documentário rodado entre 25 abril e o 1.º maio. Vai ter um sabor bem especial. O curioso é que quando estava a fazer este trabalho senti que estava ao mesmo tempo a fazer uma investigação sobre os tempos de hoje. Comecei a fazê-lo há seis anos, ainda com outra situação política… E o Brasil também estava diferente. O que é interessante em 1974 é que essa paragem em Portugal do cineasta Glauber Rocha acaba realmente por mudar a sua vida. O que depois percebi, através do António Escudeiro, que foi o operador de câmara, é que se tornou vital aquela sua ideia de querer aparecer em todos os planos. Enfim, ‘As Armas e o Povo’, é um documentário pautado pelas entrevistas do Glauber. Trata-se de um olhar diferente, um olhar estrangeiro, absolutamente necessário nessas revoluções. A partir daí, ele vai para Itália e realiza oClaro. Depois disso, a sua figura ficou sempre ligada aos seus filmes. Os seus documentários começam também a ficar perto da ficção. Glauber era uma personagem que gostava de picar as pessoas.

Assume que é um olhar muito feminino sobre um artista fundamental para as artes brasileiras?

Sim, tentei dar um pouco de um olhar de cinema poesia… Mesmo sendo um documentário informativo há um lado um bocado poético. Tem a ver com o cinema do Glauber e com aquela frase que enfatizo: “política e poesia são demais para um homem só”.

Serão demais para uma mulher?

Não, uma mulher está habituada a fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Veja o meu caso, além deste filme fui criando o meu filho e adiantando uma série de outros projetos. Estou ainda a fazer um documentário sobre Bárbara Virgínia, considerada a primeira mulher a fazer uma longa-metragem e a primeira a fazer um filme na altura da ditadura. Foi a primeira mulher portuguesa a estar com um filme no Festival de Cannes, em 1946. Estava a competir ela e o Leitão de Barros. Engraçado, Três Dias sem Deus, foi completamente abafado. Há um ano e tal que ando a preparar este projeto. Claro que fui ao Brasil falar com ela e aí percebi como esse filme foi esquecido, sobretudo porque chegou a Cannes com o tal filme do Leitão de Barros, o Camões, precisamente o filme mais caro apoiado pelo Estado Novo. O mais incrível é que ela não foi apresentar o filme a Cannes – tinha um compromisso com uma exibição no Porto, mas naquela altura, as mulheres tinham que pedir autorização aos maridos ou aos pais para viajar, imagine!

Vai ser um documentário com cunho feminista?

Sim, sobretudo na contextualização daquele período. A mulher no cinema foi muito esquecida, seja a nível nacional, seja a nível mundial. Lembro que a Carmen Santos, portuguesa, foi uma das pioneiras do cinema no Brasil. Chegou a trabalhar e a realizar com o pioneiro Humberto Mauro. Ninguém fala dela – não sei por que razão! É também uma pessoa com uma grande história. Foi para o Brasil e tornou-se atriz, produtora e realizadora! Uma vida inacreditável, já estou a pensar também num documentário.

Sei que está a fazer um documentário sobre ‘As Novas Cartas Portuguesas’. Assume-se como feminista.

Sim! Temos muito ainda porque lutar. Porque é que no cinema só há 8% de mulheres? Porque não há mais mulheres no cinema? Ponho também a pergunta: porque é que as mulheres ganham menos do que os homens? E hoje, 2016, ainda há uma pressão maior sobre as mulheres: têm de estar arranjadas, ser boas mães, boas profissionais e boas na cama – tudo! Não dá!