“Um povo sem arte é um povo morto!”

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Manuela Couto é Amanda Nascimento em "Ouro Verde"

Manuela Couto, que interpreta Amanda Nascimento na novela ‘Ouro Verde’, da TVI, explica, em entrevista, as diferenças entre televisão, teatro e cinema e a importância da arte na vida das pessoas, “apesar de não lhes matar a fome.” “Um povo sem arte é um povo morto! Facilmente manipulável!”, assegura a atriz de 58 anos. A arrista revela ainda as peculiaridades que fazem da mais recente novela da estação de Queluz de Baixo um projeto aliciante.

Integra o elenco de ‘Ouro Verde’, que se estreou há pouco tempo, está em cena com o espetáculo ‘Os Dias Realistas’ e este ano chegará às salas de cinema com o filme ‘Al Berto’, de Vicente Alves do Ó. Qual destes meios que lhe exige mais dedicação?

Todos me exigem muita dedicação, e aos três respondo com a mesma força e energia. Pelas características inerentes a cada um, assim a minha energia é doseada: o teatro estende-se no tempo e o desafio é manter a frescura, espetáculo após espetáculo. A televisão e o cinema consomem-se rapidamente e o desafio é dar tudo naquele momento, que não se repete. É óbvio que se pode repetir, quando algo corre mesmo mal, mas não há o tempo de maturação, como no teatro.

Quais são as características da personagem Amanda e da própria novela que a levaram a embarcar em ‘Ouro Verde’?

Aceitei fazer parte da novela pelo projeto em si, porque gosto de trabalhar com a TVI e com o José Eduardo Moniz [consultor para a ficção do canal]. O facto de ser uma história de uma família ligada à banca e de ser escrita por uma autora [Maria João Costa] que nunca tinha feito novela foram fatores que me aliciaram – por tocar em questões que não devem ser esquecidas e pela “frescura” que uma autora com uma nova abordagem poderia trazer. E estou muito contente com o resultado!

Costuma-se dizer que não há histórias novas. Tendo isso em conta, acha que é cada vez mais importante oferecer ao público formas diferentes de contar as mesmas histórias e é essa necessidade que leva ‘Ouro Verde’ a recuar no tempo constantemente?

A diferença que existe na forma como a história é contada não tem que ver, necessariamente, com esses avanços e recuos no tempo. Essa foi a forma que a autora encontrou para situar a ação do núcleo de protagonistas e para ir fazendo uma “atualização” dos motivos do Zé Maria/Jorge Monforte [a personagem central, interpretada por Diogo Morgado]. A grande novidade na escrita da Maria João Costa reside no facto de ela fazer elipses na ação, não repisar os conflitos (uma característica da novela) e estar sempre a avançar com a história, criando novos conflitos a todo o momento. Há um suspense permanente em relação ao que as personagens irão fazer a seguir! É isso é muito empolgante: para o público e para os atores.

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Tendo interpretado várias personagens em novelas ao longo dos anos, que balanço faz da produção televisiva em Portugal?

O caminho faz-se a caminhar. Ainda há muito por fazer, embora cada vez haja mais coisas novas a surgir. O facto de haver menos dinheiro do que havia há uns anos, sobretudo pela quebra na publicidade, faz com que se faça cada vez mais com menos. É um desafio permanente à criatividade e à vontade de todas as pessoas que todos os dias fazem ficção em Portugal.

Tem sentimentos diferentes em cima do palco que não consegue ter em frente às câmaras ou não há diferenças de estado de espírito?

Claro que são situações completamente diferentes! No palco, somos nós e o público, e a partir do momento em que o espetáculo começa, ele não pode parar, a não ser que aconteça uma catástrofe. E isso faz do teatro, do palco e da plateia, um espaço “sagrado”, atrevo-me a dizer, pois nada nem ninguém o deve perturbar. Num set de televisão ou cinema, somos nós, atores, e toda uma equipa que está também a fazer o seu trabalho. O público não existe, o público irá ver o que estamos a fazer, noutro tempo, noutro espaço. É tudo muito mais abstrato.

Mas uma atriz experiente como a Manuela ainda nota a diferença entre interpretar com e sem câmaras?

Quanto mais experiência, mais noção da presença das câmaras, dos microfones, dos projetores, de tudo o que faz parte do trabalho. O desafio é, e isso vamos conseguindo com o tempo, fingir que nada daquilo está ali e representar como se fosse a primeira vez.

Ao passo que no teatro é possível aferir de forma mais imediata o parecer do público, como é que se faz o mesmo em televisão – é apenas pelas audiências?

Fundamentalmente, e no limite, é isso que importa, uma vez que as audiências se traduzem em investimento publicitário. Mas acredito que existem públicos e não um público uniforme que se revela apenas através de números.

O teatro e o cinema em Portugal dependem cada vez mais de financiamentos públicos. Acha que é preciso investir mais nestas artes para chamar gente aos palcos e salas de cinema portuguesas?

Acho que é SEMPRE preciso investir nas artes. Não se pode esperar que todos os espetáculos, todas as formas de arte, sejam autossuficientes. É uma questão tão antiga que até custa continuar a falar dela. De uma forma imediata, as pessoas não precisam de arte, de música, pintura, teatro, cinema, literatura, porque não lhes mata a fome, não as proteja do frio… Mas e a alma? Não percebo como se continua a discutir isto. Quer dizer, percebo: um povo sem arte é um povo morto! Facilmente manipulável.

Uma atriz tem de ir vendo o que se vai fazendo pelo mundo fora como forma de se melhorar a si mesma?

Uma atriz tem de estar atenta a tudo e, ao mesmo tempo, treinar a sua imaginação como se treina um músculo!

No discurso de aceitação de um prémio na recente entrega dos Globos de Ouro, Meryl Streep abordou a responsabilidade que as pessoas que têm mais visibilidade nos media têm na formação da opinião pública. Também sente esse peso?

Não o sinto como um peso, antes como uma responsabilidade.

Ultimamente muitos atores têm enveredado pelo mundo empresarial. Há algum projeto não relacionado com a representação que a Manuela gostaria de concretizar?

Para já, não. E duvido de que alguma vez venha a acontecer, mas a vida está sempre a surpreender-nos.