Margarida Medeiros: as mulheres fotógrafas “não era suposto entrarem na História. E não entraram”

Fotógrafa

A formação é em Filosofia, mas é o gosto pela fotografia que a acompanha desde sempre. Margarida Medeiros, nascida em 1957, é professora na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, colaboradora do ‘Público’, e autora de vários ensaios sobre fotografia e imagem. Mais do que de lente em punho para captar o que vê, é o resultado desses instantes que verdadeiramente lhe interessam. “Primeiro achei que queria fazer fotografia, depois percebi que gostava de escrever sobre fotografias”, conta em entrevista ao Delas.pt no Dia Mundial da Fotografia (19 de agosto). Margarida Medeiros escreve para catálogos e revistas e no ano de 2000 lançou, a título individual, o livro ‘Fotografia e Narcisismo — o Auto-retrato Contemporâneo’, pela Assírio & Alvim. Sobre a história das mulheres fotógrafas em Portugal diz que há ainda muito que procurar nos arquivos.

O que se sabe sobre as mulheres fotógrafas em Portugal? Só o ano passado se revelou que a rainha Maria Pia tinha sido fotógrafa com uma obra de dimensão considerável.

Mulheres fotógrafas do século XIX, há algumas. No Porto havia um grande atelier gerido por uma mulher de que não me recordo agora o nome, e algumas rainhas, como a D. Maria Pia e a D. Amélia, fotografaram. Mas na História da Imagem Fotográfica em Portugal de António Sena, a única até agora publicada sobre a história da fotografia portuguesa, as únicas mulheres referenciadas no século XIX são a D. Maria Pia e a Margarida Relvas, filha de Carlos Relvas. D. Carlos tinha um grande interesse na fotografia e possuía excelente equipamento, que penso estar agora no arquivo do ANIM-Cinemateca. Mas num país onde a fotografia era uma prática relativamente reservada, as mulheres que conhecemos são muito poucas até aos anos oitenta.

A rainha dona Amélia também era uma amante da fotografia. O que se conhece sobre isso? Há registos tirados por ela?
Há algumas coisas que estão a aparecer agora na investigação dos arquivos, mas ainda não conheço material suficiente para dizer se há uma prática sistemática e determinada.

Quais são as áreas da fotografia onde encontramos mais mulheres, no geral? E em Portugal?
Depende das épocas, e do facto de isso se ter tornado ou não uma profissão. E em 2016 houve em Paris uma exposição histórica sobre mulheres-fotógrafas, no museu de Orsay. Foi incrível ver, ao longo dos séculos XIX e XX, a quantidade de mulheres que realizaram trabalho extremamente interessante. Mas quando vamos ver as histórias da fotografia elas estão praticamente ausentes. Ou porque eram mulheres de artistas conhecidos a quem era dada a atenção principal (caso de Lee Miller e Man Ray, Edward Weston e Tina Modotti), ou porque tinham um trabalho muito irreverente ou até chocante, como o extraordinário trabalho de Claude Cahun (essencialmente auto-retratos andróginos). Mas há muitas outras, como Julia Margaret Cameron (anos 60 do século XIX) ou Gertrude Kasebier, Germaine Krull, logo na viragem para o século XX, só para citar alguns exemplos. E também: Dorothea Lange, Margaret Bourke-White, Berenice Abbott, Helen Levitt…sobretudo se pensarmos nos EUA, onde a prática da fotografia teve sempre um estatuto extraordinário. A questão prende-se não tanto com o facto de as mulheres tirarem ou não fotografias (na viragem do século a Kodak fazia imensa publicidade para vender máquinas a mulheres e crianças, criando novos targets de mercado)…

…Prende-se mais com o quê, então?
Com o facto de os circuitos em que o faziam não lhes atribuírem um estatuto de visibilidade pública, não era suposto entrarem na História. E não entraram. Agora começam a estar à porta, mas ainda é preciso que surjam em exposições ‘temáticas’, do género da que referi, ‘Femmes Photographes’. Não misturadas numa eventual e desejável antologia “pós-género”… Em Portugal…na área da moda surgiu no final dos anos oitenta, no boom das revistas ilustradas, uma excelente fotógrafa, a Inês Gonçalves, e ligadas ao fotojornalismo mas também com outros projetos pessoais, a Luísa Ferreira e a Céu Guarda. No âmbito do fotojornalismo recordo-me de, nos anos oitenta no ‘Público’, a Luísa ser a única mulher numa equipa de cerca de 12 fotógrafos!

E fora dessas áreas?
Atualmente, sendo a fotografia um dos médiuns por excelência na prática artística, o panorama mudou bastante e se considerarmos as mulheres artistas portuguesas claro que há muitas a trabalharem com fotografia e com um trabalho muito interessante: Catarina Botelho, Sandra Rocha, Carla Cabanas, Claudia Fischer, entre muitas outras – para já não falar na consagrada Helena Almeida.

Margarida Medeiros escreve para catálogos e revistas. Em 2000 lançou, a título individual, o livro ‘Fotografia e Narcisismo — o Auto-retrato Contemporâneo’, pela Assírio & Alvim

Quando apareceram as primeiras mulheres fotógrafas em Portugal?
Isso ainda é muito difícil de dizer, pelas razões que apontei mas também porque ainda há muito trabalho a fazer nos arquivos públicos e privado…

Atualmente, como é o panorama nacional em termos de representação das mulheres nesta área?
Hoje a questão do género já não influi na possibilidade de uma mulher ser fotógrafa profissionalmente (porque de forma não profissional/ social toda a gente usa a fotografia) e se considerarmos as atitudes sociais, talvez possamos dizer que será mais fácil a uma mulher enveredar por esse tipo de profissão do que um homem, já que o estereótipo de género funciona ainda muito na posição entre ‘atividade lúdica’ (mulheres) e profissão séria (homens).

Quais são as áreas onde estão mais representadas hoje em dia?
Na área artística é mais fácil encontrar mulheres a trabalhar com fotografia, mas penso que em outras áreas mais diretamente comerciais é já uma profissão relativamente popular entre as mulheres.

O que a levou a interessar-se pela fotografia e a investigação nesta área?
Não sei responder a essa pergunta…Acho que sempre gostei de fotografia, embora a minha formação de base seja Filosofia. Primeiro achei que queria fazer fotografia, depois percebi que gostava de escrever sobre fotografias. Comecei a escrever ainda no ‘Diário de Lisboa’, depois fui para o ‘Público’ e da prática foi nascendo a necessidade de aprofundar conhecimentos teóricos, de ligar com a minha formação filosófica, porque a fotografia tem sempre algo de aporético e de indecidível, é ao mesmo tempo uma coisa precisa e vaga…muito problematizante.