Marine Le Pen, a senhora que se segue

Marine Le Pen
Marine Le Pen (REUTERS/Heinz-Peter Bader)

“Em nome do Povo”. Este é o slogan da campanha presidencial que será apresentada hoje, 4 de fevereiro, em Lyon, e que Marine Le Pen, líder da Frente Nacional (FN) francesa, prepara para a campanha das presidenciais: com o primeiro sufrágio marcado para 23 de abril e a segunda volta agendada para 15 dias depois, 7 de maio.

Bem colocada nas intenções de voto e a indicarem uma passagem à segunda volta, são já bem conhecidas algumas das ideias de Le Pen para a sua governação, uma vez eleita. Hoje, deverá detalhar as medidas que tem vindo a apresentar e deve também falar de novas iniciativas.

Mas para já e em traços gerais, nada como recordar algumas das propostas já avançadas. O protecionismo económico é um dos pontos-chave defendido pela líder. Marine pede “mais empregos em França para os franceses” e, durante a semana passada, chegou a propor a imposição de uma taxa extraordinária mensal de 10% (sobre o salário auferido) a ser paga pelas empresas francesas caso contratassem imigrantes (o que deverá também abranger os portugueses que vivem naquele país). Um imposto extra que não teria de ser entregue ao Estado caso as mesmas companhias optassem por colocar nacionais.

A saída do euro e o regresso ao franco tem sido um dos temas dominantes das suas apresentações, tendo já afirmado que quer referendar a saída da União Europeia.

Com posições anti-migração, Marine Le Pen quer fechar as fronteiras até porque alega que, com eles, “vêm também terroristas”. Considera, inclusivamente que o país “deve armar-se contra o terrorismo islâmico” e deve expulsar os radicais. A nacionalidade francesa, defende ainda, deve ser retirada a todos os nacionais com dupla nacionalidade que saiam para participar em guerras.

Ao nível laboral, Marine Le Pen tem vindo a defender o aumento dos salários mais baixos em 200 euros e a antecipação da reforma dos 62 para os 60 anos. Para a líder de extrema-direita, o incentivo à natalidade tem sido um dos pontos cruciais da sua ideologia, defendo esse mesmo caminho quando o assunto toca ao aborto. Uma polémica, de resto, que quase divide a Frente Nacional e que tem oposto tia e sobrinha, Marion Maréchal Le Pen.

Marine Le Pen tem declarado a vontade de revogar a lei que permite o casamento homossexual, quer baixar a idade da maioridade penal para os 13 anos e – ao contrário do que tem advogado – já não defende o restabelecimento da pena de morte. A 1 de fevereiro, a líder de extrema-direira anunciou que a imposição da pena capital, uma defesa histórica do FN, já não iria figurar no seu programa de campanha. Porém, em cima da mesa está a possibilidade de dar essa mesma escolha aos franceses por via de um referendo de iniciativa popular e mediante uma recolha de assinaturas considerada baixa: 500 mil.

Os amigos políticos: Donald Trump, Theresa May e Visegard

“Com Trump, com Theresa May, com Putin e com o grupo de Visegrad, já não me sinto mais isolada”. A frase foi dita por Marine Le Pen, presidente do partido de extrema-direita num programa televisivo de debate político, e replicada na sua rede social Twitter, na sequência da eleição de Donald Trump nas presidenciais dos Estados Unidos da América pelo Partido Republicano.

Com aquela declaração, Le Pen definiu, aqueles que considera serem os seus aliados: para lá do presidente norte-americano eleito, a líder nacionalista francesa revê solidariedade ideológica na primeira-ministra britânica conservadora Theresa May – que têm em mãos o processo de saída do Reino Unido da União Europeia, conhecido por Brexit –, no presidente russo e num grupo que junta a República Checa, a Hungria, a Polónia e a Eslováquia. Estes países, integrantes do Visegrad, definem-se, lê-se no site, como nações “que partilham heranças, valores e raízes comuns culturais e intelectuais que pretendem preservar e futuramente fortalecer”.

Certo é que a eleição do milionário Donald Trump, tida durante todo o processo como improvável, veio imprimir novo fôlego à extrema-direita francesa, que vê nesta mudança uma alteração ideológica no planeta. “Os americanos mostraram que o mundo muda. O que aconteceu nesta noite não é o fim do mundo, mas de um mundo. A eleição de Trump é uma boa notícia. Se ele cumprir as suas promessas, isso é uma boa notícia para a França. Numa democracia, é o povo que decide e dá a legitimidade. Não há governo digno se ele não governa pelo e para o povo. Essas decisões democráticas enterram o mundo de ontem”, afirmou Le Pen. Portanto, para Marine, o trabalho agora é simples: “Cabe-nos transformar a vitória ideológica em vitória política”, declarou no pequeno ecrã e replicou na sua conta de Twitter. E é isso mesmo que ela quer atingir no próximo mês de maio, nas eleições presidenciais francesas.

Mas quem é e o que é que defende esta mulher, de 48 anos, que se candidata às presidenciais francesas e sobre quem as sondagens, a seis meses do sufrágio, indicam que possa chegar à segunda volta das eleições para o Eliseu? Se as ganhar, será a presidente de França.

A filha querida chega ao poder e afasta o pai
Filha do líder e fundador da FN (criado em 1972), Jean-Marie Le Pen, é a mais nova de três filhas e não era, nos planos do pai, a sua sucessora política natural. Porém, o mundo dá muita volta. Advogada de formação – que começa por participar nas atividades do partido aos 13 anos e, aos 30, passa a integrar a estrutura da FN, na área dos serviços jurídicos – participa politicamente nos projetos do pai. Tanto que, aos 42 anos, acaba por tomar o pulso à FN. Estávamos a 16 de janeiro de 2011 quando Marine Le Pen assumiu a presidência do partido, após votação interna do partido, assumindo a missão de “desintoxicar” a FN das ideias mais radicais.

Marine tem trilhado um caminho diferente do do pai, sobretudo depois de, em agosto de 2015, o ter afastado e de, em conjunto com a direção da FN, o ter expulsado do partido na sequência de declarações polémicas antissemitas e xenófobas. Recorde-se que Jean-Marie reiterou publicamente que as câmaras de gás dos campos de concentração nazis eram “um pormenor” da Segunda Guerra Mundial e defendeu o regime colaboracionista de Vichy.

A líder apresenta-se mais moderada que o antecessor, mas defende, e tem conquistado o eleitorado por isso mesmo, uma retórica anti-sistema, sendo contra a globalização, criticando a União Europeia, mostrando-se anti-minorias e promovendo não só um controlo da imigração como um respeito e uma luta pela identidade francesa. Um discurso que, aliado à situação económica débil, aos atentados terroristas e ao crescente número de refugiados a instalar-se no país, tem conquistado adeptos entre os jovens, os operários e os habitantes das regiões mais pobres.

O percurso político de Marine começou em 1993, quando entrou nas eleições legislativas Paris, e tem sido marcado por poder e influência crescentes. Em 1998, conquistou o seu primeiro mandato político como conselheira regional do Nord-Pas-de-Calais, cargo que manteve até 2004. Nesse mesmo ano, já como uma das oito vice-presidentes do partido e depois de ter dado nas vistas politicamente nas legislativas de 2002 por via das intervenções de apoio ao pai, chegou ao

Parlamento Europeu
Em 2012, e à frente dos destinos da FN, candidatou-se às eleições presidenciais e conquistou um destacado terceiro lugar na primeira volta do sufrágio, com 17,9% dos votos. Seria François Hollande a sair vitorioso dessas eleições, com 28.63%.

Sob o pulso forte de Marine Le Pen, a FN foi o partido mais votado nas Europeias de 2014 e obteve 25% dos votos nas eleições Regionais de março de 2015, meses antes de afastar o seu pai do partido. Com este resultado, concentrou sobre si e sobre os seus ideais todos os olhares de França e da Europa.

Agora, mais forte do que nunca – e com a sobrinha Marion a apresentar-se já quase como herdeira legítima destes ideais – , todas as sondagens apontam, com uns confortáveis 29 pontos percentuais de intenções de voto, Marine Le Pen como candidata favorita à primeira volta nas Presidenciais de 2017, com passagem garantida à segunda volta. “Hoje, os Estados Unidos, amanhã, a França. Bravo América!”, escreveu a líder nacionalista no Twitter, no dia seguinte às eleições norte-americanas. Será? As respostas chegam em maio.

Vida privada
Fez no mês passado 40 anos que Marion Anne Perrine Le Pen, aos oito anos de idade, sobreviveu a um ataque bombista que tinha como principal objetivo matar o pai, Jean-Pierre. A família dormia descansadamente num apartamento, no quinto andar, quando 20 quilos de explosivos rebentaram no exterior do prédio, situado do 15º bairro de Paris.

Contas feitas, ficaram destruídos 12 apartamentos e, anos mais tarde, Marine declarava que algo também tinha mudado para ela desde aquela noite de 2 de novembro. “A partir do momento em que acordei com o rebentamento, nunca mais fui uma criança como as outras”, escreveu, em tempos, a atual líder nacionalista. A mãe, Pierrette Lalanne, que deixou a família quando Marine tinha 16 anos, fez um ensaio fotográfico nu para a Playboy com o claro propósito de envergonhar o marido. Marine Le Pen nunca se pronunciou em relação a este caso.

Aos 24 anos, Marine concluiu a sua formação em Direito Penal pela Universidade de Paris. Como advogada chegou a defender membros da FN de acusações de violência física e verbal. Em 1995, salvou um imigrante argelino, Nourredine Hamidi, da expulsão do país. O que poderia configurar uma incoerência com o que defendia politicamente, foi justificado por Marine Le Pen com o argumento que “assistiria gratuitamente os imigrantes sempre que eles fossem injustamente tratados”.

Tinha 27 anos quando se casou pela primeira vez. O marido, Franck Chauffroy, era quadro do partido, mas o casal divorciava-se mais tarde, após terem tido três filhos: Jehanne, atualmente com 17 anos, e os gémeos Louis e Mathilde, de 15. Marine Le Pen voltaria a casar-se mais tarde com outro elemento do partido, Éric Iorio. Desde 2010, que o vice-presidente da FN, Louis Aliot, é seu companheiro. Segundo as várias biografias que foram sendo traçadas sobre Marine Le Pen, a líder é amante de desportos náuticos, de desportos de inverno, em particular de ski.

Marine e a moda como mensagem
A imagem sempre foi uma forma de comunicação e Marine Le Pen, segundo os analistas da especialidade, soube sempre tirar mais-valias desse tipo de mensagem. A imprensa francesa chegou mesmo a descrevê-la como “Madame Tout Le Monde”(Senhora Como Nós, em tradução livre) quando a líder, em setembro deste ano e a propósito da rentrée política, visitou Brachay, no nordeste de França, uma pequena localidade francesa que tem a particularidade de concentrar o maior número de eleitores da FN (72%).

De jeans ou calças mais soltas, de camisas ou camisolas com decote em V e de manga curta – mostrando braços vigorosos – e de mala ao tiracolo, nenhuma das opções parecia, à partida, ser a mais recomendável para quem quisesse chegar à glamorosa presidência francesa. Mas Marine não se acanhou. Escolheu aquela indumentária – e tem feito opções muito semelhantes ao longo da carreira política – procurando diluir-se ao máximo no seu eleitorado, promovendo uma identificação comum.

Recuando no tempo, os analistas voltam a 2012, aquando das eleições presidenciais, para demonstrar o gosto de Le Pen pela simplicidade. E quem sabe, a eficácia. Nessa altura, a presidente da FN surgiu um pouco despenteada. Chegou mesmo a estar no Parlamento Europeu com uma espécie de clipe azul-turquesa no cabelo. Um look negligé que parecia cuidadosamente preparado. Um dos jornalistas do Le Monde, citado pelo blogue Spectator, chegou a considerar que esta atitude tinha o propósito de demonstrar que Le Pen “estava tão confortável no mundo da política como na sua casa-de-banho”. Certo, é que no Eliseu ela sentir-se-á, seguramente, à vontade.