Marion Le Pen sobre o aborto: “Sou um acidente que tem uma vida boa”

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Marion le Pen no discurso sobre o aborto que fez a 26 de janeiro, na Assembleia

a este despudor porque ele é público. Têm perante vós um acidente que tem uma vida boa e que prefere estar hoje aqui, perante vós, a dizer as verdades do que ter sido abortada”. A frase de Marion Le Pen, 27 anos, surge praticamente no fim de uma intervenção parlamentar de três minutos e meio sobre o aborto e que teve lugar na Assembleia Nacional francesa, esta quinta-feira, 26 de janeiro.

A neta do fundador do partido de extrema-direita francesa e deputada da Frente Nacional (FN) falava no âmbito do diploma para a extensão da obstrução à interrupção voluntária da gravidez (IVG). De facto, a deputada da FN respondia à socialista e presidente da Comissão dos Assuntos Sociais, Catherine Lemorton, que abordou a questão do aborto, lembrando o caso das crianças que podem, perante situações desta natureza, ouvir os seus pais falar como “este último foi um acidente”.

A deputada socialista francesa Catherine Lemorton [Fotografia: Facebook]
A deputada socialista francesa Catherine Lemorton [Fotografia: Facebook]

Esta proposta agora em discussão visa penalizar os sites que promovam a desinformação e mesmo obstrução em matéria de aborto, combatida pela direita e pelos movimentos pró-vida, e que deverá ser adotada definitivamente em finais de fevereiro, depois de passar pelo Senado. Aliás, o texto tinha já passado por esta câmara alta em finais de 2016, mas como foram feitas alterações no diploma, ele teve de voltar à assembleia para ter luz verde.

O líder centro-direita Christian Jacob anunciou também que iria pedir um parecer ao Conselho Constitucional sobre esta matéria, à luz da liberdade de expressão.


Recorde o que as medidas tomadas pela administração Trump relativas ao aborto e as reações que tem gerado


Quanto ao que Marion Marechal-Le Pen, a mais jovem deputada da história francesa por ter sido eleita aos 22 anos, afirmou em plena câmara baixa francesa, a verdade é que a deputada da FN fazia referência a um artigo de 2013, publicado na revista L’Express [Marion à descoberta do pai]. Nele, a deputada, sobrinha de Marine Le Pen, contava que só na adolescência conheceu o seu progenitor biológico. Querendo, na altura, separar as águas, a jovem afirmou: “Isso nada tem a ver com a vida pública.”

“Feministas medíocres” e “dinossauros de um 68 ido”

Num discurso duro contra os deputados da maioria, Marion Le Pen apelidou-os de “feministas medíocres” e de “dinossauros de um [maio de] 68 ido”. Isto porque, considera a deputada da FN, “ninguém hoje, no espetro político, ameaça a legalidade do aborto ou o livre acesso a esta prática”.

A deputada considera que o texto deste diploma “é contra as mulheres” e vem pôr em causa a “sua liberdade de expressão”, lembrando que “muitas abortam por razões económicas”.

E prosseguiu: “Vocês são a vergonha do combate das mulheres, obcecadas pelas cores do género, pelo sexismo da gramática, pelos brinquedos rosa dos Kinder, pela repartição do tempo no lar entre os casais”, respondeu Marion Le Pen à ministra dos Direitos das Mulheres, Laurence Rossignol

Recorde-se que Marion tem vindo a defender a limitação dos reembolsos “totais e ilimitados” pagos pela Segurança Social para o IVG e de todos os atos médicos relacionados.

Sendo a favor da prática, o que está em causa para esta jovem deputada é a forma excessiva com que é usada, quase como método contracetivo. Para a deputada do FN “não pode ser o Estado a pagar as distrações de certas mulheres”.

Aliás, na campanha para as eleições regionais francesas, em 2015, a sobrinha de Marine le Pen ameaçou suprimir as subvenções regionais estabelecidas para o programa de planeamento familiar do círculo pelo qual ela concorria: Province-Alpes-Côte d’Azur. Ela perdeu as eleições, mas os ataques contra o direito ao aborto nunca mais cessaram em França.

Recentemente, Marion travou uma querela política com a sua tia, presidente da Frente Nacional, exatamente sobre esta matéria. A sobrinha acusava, então, Marine Le Pen de afastar este tema controverso da campanha para as Presidenciais francesas, a decorrer em maio e cujas sondagens indicam que a líder extremista pode passar à segunda volta.

Dizia a jovem deputada que a Marine Le Pen sempre foi contra a prática do aborto no sentido em que este se tornasse numa “IVG por conforto”, ou seja, levando as mulheres a recorrer à prática quase como contraceção, e que isso estava claro na campanha de 2012. Agora – acusa Marion Le Pen – o polémico tema estava a ser removido por motivos eleitoralistas. Marine Le Pen tem abordado esta questão, mas por outro prisma: mais do que falar em aborto, tem falado em políticas da promoção da natalidade.

Um diferendo entre tia e sobrinha que foi entretanto acalmado já que a líder da Frente Nacional veio a público explicar que “não é tempo para querelas internas”.