Material (muito importante) para levar na mochila emocional

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Na bancada da cozinha, vão-se juntando folhetos com as várias promoções de material escolar. Entre mochilas, cadernos coloridos e marcadores de vários feitios, estão já sublinhados os que são precisos e as preferências de cada um deles. Escrevem-se listas, que serão comparadas às que se recolheram na escola para que, uns dias antes do primeiro dia, esteja tudo organizado… ou, pelo menos, quase tudo pois já se sabe que até ao fim do mês vai haver mais pedidos.

Os mais velhos organizam tudo sozinhos, na véspera e de preferência, em cima da hora. Só para manter aquela adrenalina de pisar o risco. Os mais novos, normalmente, com a ajuda dos pais, têm tudo pronto, com redobrado carinho e entusiasmo, alguns dias antes. Há uma expectativa crescente do reencontro de amigos, de conhecer professores, de rever caras e descobrir novas amizades. Ao contrário das crianças, os jovens, mesmo que, com aparente indiferença a este frenesim, sentem uma ansiedade mais controlada mas mesmo assim nota-se o entusiasmo, com que vão deixando escapar, uma ou outra observação.

Seria então de esperar que o assunto mochila estivesse arrumado. Contudo, há uma espécie de mochila que não se tem em conta. A mochila das expectativas, dos medos, das vergonhas, dos sucessos e insucessos passados, das experiências mais ou menos felizes com professores e amigos. Uma mochila que tem muitas vezes um peso excessivo, que tanto alegra como pode assombrar o arranque dos anos escolares. Para essa mochila não há promoções porque são tão individuais, como as cabeças pensantes e as costas que as carregam. Por esse mesmo motivo, pretende-se que, para lá do espaço a ocupar por livros e cadernos, haja também espaço para outras coisas, tão importantes como tudo o que faz parte da tal lista de material escolar.

  • Pilares Pessoais: a grande maioria dos alunos tem uma ideia do que será o estudante ideal. Normalmente exagerada e fantasiada, onde o erro e a falha não existem. A Mariana é boa aluna porque sempre foi assim! Esquecem-se de um sem número de fatores que levam aos resultados desses tais alunos perfeitos. Ao coloca-los, de forma utópica, nesses pedestais, é mais fácil de se demitirem, de procurarem eles mesmos, quais são as suas mais-valias. Que competências tenho que vão facilitar o meu percurso escolar, este ano? Posso trabalhá-las mais? E aqui é pensar um pouco mais além e buscar qualidades a outras áreas e papéis que não só os escolares. Um jovem que seja um bom elemento nos escuteiros, ou goste de ajudar a vizinha nos trabalhos manuais, tenha apetência para a música ou adore passar horas a jogar à bola, tem certamente competências que podem ser usadas, também na escola. É apenas mostrar-lhe como adaptar a este novo contexto. Valorizar e conhecer os pilares que podem ajudar. Arrumar, num compartimento, sempre pronto a usar, as mais-valias de cada um. Os pais, e os adultos de referência, em geral, podem dar aqui uma ajuda nessa busca e validação do auto-conhecimento.
  • Mala de sucessos. As ansiedades normais dos começos estão muito relacionadas com o medo de falhar. E desse já se falará mais adiante. Do outro lado da moeda estão todos os sucessos acumulados. As vitórias e conquistas. Mesmo que seja uma criança pequena a iniciar o seu percurso escolar é possível mostrar-lhe as vitórias que já alcançou: pegar num lápis, saber as cores, contar até… onde já saiba! E aquele jovem que vai iniciar o ensino secundário? A mala dos sucessos permite ir buscar oxigénio, para voltar a acreditar e ganhar aquela confiança necessária, de conseguir alcançar as suas metas. Quantos são os alunos que, mesmo investindo bastante tempo na preparação de testes e exames, chegam ao dia das provas e têm dificuldade em fazê-los, por insegurança. Na maior parte dos casos, os alunos olham mais facilmente para os insucessos e desvios, do que para as suas conquistas. Fruto também da muita importância que se dá e do reforço no erro, mais do que no sucesso. Num erro, errado por assim dizer, coberto de vergonha.
  • O erro faz parte: Falhar faz parte do caminho. É normal e desejável. Quem erra tentou, enfrentou a incerteza de não saber como iria correr a seguir. Da mesma forma que se tem exagerado no elogio, também se tem valorizado, em demasia esta coisa de errar, em consequência da importância de estatísticas e pautas. Ensinar a criança e o jovem a aprender algo com o erro, a não se conformar com ele, a olhá-lo de frente e perceber como dar a volta. Tirei nota mais baixa a ciências? Ah, vais ver para na próxima unidade, do que fui feito! Mais do que apontar o dedo é ajudar a pensar. A maioria das crianças e jovens, não quer e não gosta de falhar. Perante os outros e muito menos em relação a si própria. Por isso, se algo não correu tão bem como o esperado, que conclusões tirar daí? Começar por ajudá-lo a pensar, com perguntas que ajudem (O que podias ter feito diferente? O que ajudava a conseguires o resultado que queres? … ) e depois, com suaves aconchegos, ajudar a repensar o caminho. Numa das divisórias da mala, que haja espaço suficiente para a reflexão e ação sobre o erro.
  • Diversão: a escola não é só estudar. Supostamente é também aprendizagem e descoberta do novo, testar amizades e brincadeiras. Muitos são os alunos que dizem que gostam tanto da escola, especialmente … nos intervalos! Porque é também nessa relação com o outro, fora dos contextos formais, que a criança e jovem se encontram na formação da sua identidade, nos gostos e interesses que está a desenvolver. Associar a escola a algo positivo, de diversão e de clima de festa controlada, predispõe a que as aprendizagens aconteçam. Trabalhamos melhor, em cenários de bem-estar. Aprendemos melhor quando estamos mais felizes.

Por isso, neste novo ano escolar, juntem-se às canetas e cadernos, a construção de competências de valorização pessoal, a dose certa de experiências de sucesso passadas, a certeza do erro fazer parte do processo e encare-se a escola, como apenas mais um espaço, onde se requer esforço continuado e empenho diário.


Sobre a autora: Ana Bela Lopes trabalha como psicóloga educacional e formadora nas áreas da psicologia, há quase duas décadas. Formadora do Alto Comissariado para as Migrações, no âmbito da Bolsa de Formadores. Gestora do Projeto Pais que Respiramporque acredita na aventura de se ser Pai com as pequenas imperfeições… perfeitas. É autora do blog Penso Rápido.