Menstruação: porquê tanto estigma em volta do sangue?

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Há quem considere os tampões como uma invenção tecnológica para esconder que as mulheres sangram. Sharra Vostral, afirma na sua obra “Under Wraps: a History of Menstrual Tecnology (2010, ainda sem edição traduzida para português), que “a sociedade quer fazer-nos sentir culpadas e empurra-nos para o desconhecimento do corpo e da sexualidade, assim como para acreditar que o nosso sangue é sujo e humilhante. É parte da nossa natureza e não há nada nele que nos deva envergonhar. Pelo contrário, há-que valorizar como uma parte da libertação dos nossos corpos.”

Mulheres contra o estigma

Em 2015 Samera Paz, estudante de Artes na Universidade de Artes da Filadélfia, criou uma série de pinturas chamada “One Week Late” – em português, “Atrasada uma Semana”. As pinturas foram feitas com o seu sangue menstrual. Qual foi o objectivo de Samera? Defender o corpo da mulher e tirar o estigma em torno da menstruação. Nas redes sociais, Samera explicou, “foi a minha maneira de normalizar a menstruação e tornar o sangue que seria descartado em algo que eu considero bonito”. A sua arte gerou polémica.

Nem todos viram beleza no seu trabalho e teve de enfrentar a crítica. A artista registou grande parte dos comentários pejorativos e colocou-os numa tela em branco, explicando que será o seu próximo projecto. O caso de Samera nas artes, não é único. Várias foram as mulheres, noutras áreas, que quiseram marcar a sua posição acerca deste assunto, independentemente das críticas a que são sujeitas – sobretudo, vindas de outras mulheres. No Reino Unido em 2015, a feminista Kiran Gandhi, correu a Maratona de Londres, sem usar qualquer absorvente. No final da prova revelou à imprensa, que o objectivo foi o de “acabar com o estigma em torno da menstruação feminina”.


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Em Espanha, também no ano passado, um grupo de feministas espanholas saíram às ruas vestindo calças brancas e calções manchados de sangue menstrual, chamaram-lhe “Manifesto para a visibilidade do Período.” Escreveram um manifesto para salientar que, ao tentar esconder a menstruação, uma função corporal perfeitamente natural, estariam a participar do “sistema patriarcal e a punirem-se por serem mulheres.” Nos Estados Unidos em 2014, uma feminista fertilizou o solo com o sangue da menstruação e plantou alfaces. A experiência registada pela autora, com sucesso, pode ser consultada no site da Vice Brasil.

Quem sofre afinal com o estigma?

A UNICEF estima que, uma em cada dez raparigas africanas, falte à escola, durante o período menstrual, devido à falta de privacidade e condições sanitárias. “Este problema é o último tabu, mais profundo do que falar das fezes ou da urina”, apontou Catarina Albuquerque, a primeira Relatora Especial das Nações Unidas para o Direito à Água Potável e Saneamento. Catarina explicou que, por falta de condições sanitárias, muitas jovens são violadas quando se afastam um pouco das escolas ou aldeias para ir fazer as suas necessidades e/ou cuidar da sua higiene íntima, longe de olhares indiscretos.


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Para Catarina Albuquerque a melhor forma de combater este preconceito é através de programas de educação e falar abertamente sobre o assunto. “Antes os diplomatas não falavam sobre este problema”, indicou a relatora ao Green Savers. “É a falar de uma forma descomplexada e a chamar os bois pelos nomes que se combate o problema. Normalmente somos recebidos com risinhos, mas é a falar das consequências que conseguimos ser levados a sério”.

Desmistificar o tabu

É incompreensível por que continuam as mulheres a segredar entre si acerca da sua menstruação. Algumas ainda esconde os tampões os pensos na mala e, caso tenha de utilizar a wc pública para servir-se de um dos produtos higiénicos (pensos ou tampões), fá-lo-ão com discrição, ao nível do secretismo. Há décadas que a área da publicidade de esforça por braquear literalmente este assunto, recorrendo a decores assépticos nos anúncios televisivos (ou berrantes incitando a uma infantilidade aberrante) e usando termos como “suave e limpa”, para tratar de um assunto que é uma coisa natural, biológica. A menstruação não deveria precisar de eufemismos. É o que é.