Miguel Vieira é o primeiro português a desfilar na Semana de Moda de Milão

Miguel Vieira apresentou a sua coleção masculina de outono-inverno 2017/2018, este domingo, número 34 da Via Bergognone, em Milão. O criador é um dos mais reconhecidos em Portugal e um dos que conta com maior número de internacionalizações no âmbito do certame internacional do Portugal Fashion. Mas esta apresentação foi diferente e um marco para a moda portuguesa: foi a primeira vez que um designer português com marca própria esteve integrado no calendário da semana de moda masculina de Milão. O Delas.pt entrevistou Miguel Vieira, na cidade italiana, para saber o que significa este passo importante na sua carreira.

Como é apresentar a sua coleção ao lado dos grandes nomes da moda masculina em Milão?

É algo que espero há quinze anos. Estou muito feliz, não só por mim a nível pessoal e pela minha marca mas também por Portugal. Entrar nesta semana de moda é muito complicado. Estou à espera há muito tempo para ter o aval da câmara de moda italiana, onde existe um júri composto por nomes como Armani, Fendi, Gucci, Prada e outros, que decidem se pode entrar um designer do exterior. Raramente conseguem entrar espanhóis, franceses e portugueses. Só ter entrado já é uma aposta ganha. É algo de que estava à espera há quinze anos.

O que é que mudou nestes quinze anos que agora lhe permite apresentar na semana de moda italiana?

Acho que foi sobretudo portefolio que fui apresentado ao longo dos anos, nunca cruzando os braços e esperando sempre que um dia conseguisse chegar aqui. Foi importante o júri perceber as matérias com que trabalho, a qualidade dos tecidos que escolho, saber quem são os meus clientes internacionais.

Qual é grande diferença entre estar representado num evento paralelo à semana de moda e fazer parte, como acontece agora, do calendário oficial da semana de moda? Basicamente é porque existe um maior fluxo de imprensa internacional e é dada uma cobertura muito mais mediática.

Estamos num momento de grandes mudanças na moda, em que alguns designer como a Burberry decidiram deixar de apresentar desfiles de homem nas semanas de moda masculina e fazer um único desfile misto. Acha que ainda faz sentido existirem semanas de moda distintas para homem e para mulher?

Acho importante sobretudo por causa dos buyers e das publicações masculinas, que assim vão ver mesmo o que lhes interessa e não vão divagar. Mas para os buyers que compram só roupa masculina é muito importante porque o foco fica muito mais direcionado.

Em termos criativos também temos visto uma fusão muito grande de género, a mesma roupa e os mesmo tecidos vestem tanto homens como mulheres. Para a marca Miguel Viera faria sentido seguir este caminho?

Não, o que eu tenho feito muito e farei mais, como aconteceu aqui em Milão, é apresentar a coleção de homem com um apontamento da minha linha feminina, e o mesmo se sucede no desfile feminino como irá acontecer em Nova Iorque daqui a três semanas. Assim consigo mostrar que tenho as duas linhas em ambas as fashion weeks, mas obviamente focado e direcionando o publico de cada uma das semanas de moda.

Esta coleção está especialmente repleta de detalhes com os tecidos com pinceladas e o uso de cabedal, que não é uma matéria que muito comum nas suas criações, em que é que se inspirou para trazer estes pormenores?

Esta coleção continua a ter as grandes matérias-primas que eu costumo trabalhar ao longo dos anos, como mohair, como a caxemira e alpaca, que são matérias que não dispenso por serem tão nobres. A minha formação é no controlo de qualidade portanto tenho muita sensibilidade nesse sentido. Esta coleção é de facto uma coleção com muito pormenor, o que não é muito visível mas que esta lá. Apliquei um técnica que consiste na sobreposição de matérias-primas. O que acontece é que ponho um tecido sobreposto ao outro e passam numa máquina que vai puxar fios do tecido debaixo e os transporta para cima. É uma técnica que dá para fazer imensa coisa, e que nesta coleção foi muito importante. Depois temos a coleção de acessórios que é muito grande desde os porta charutos, as bolas de ipad, os porta-moedas antigos com mola, as cigarreiras, e outros.

Quais são os mercados internacionais mais fortes neste momento?

Temos muitos mercados, eu costumo sempre dizer quando estou numa feira internacional a apresentar as minhas coleções, que tenho um stand aberto ao mundo. Tenho clientes na Índia, o Japão, na Austrália, Suíça, Alemanha, Espanha, Italia, Coreia, Dubai. Não somos mito fortes num só mercado mas temos um mercado muito abrangente.

Acha que o made in Portugal começa a ser visto de outra forma?

Eu fui sempre um grande defensor do fabricado em Portugal, inclusivamente tenho uma tatuagem que diz fabricado em Portugal como se fosse uma etiqueta no meu corpo. Portugal não é um país com uma grande tradição de moda mas acho que nos último as anos temos tido grandes designers, grandes criativos, cabeleireiros, maquilhadores que são portugueses e ajudam a levar o nome do país além fronteiras. Mas hoje em dia o fabricado em Portugal tem de facto um peso muito maior. Há muitos anos atrás era feio colocar nas peças a etiqueta fabricado em Portugal, eu tenho-o escrito nas minhas peças desde o primeiro dia, toda a vida o disse e foi um cunho que eu nunca quis tirar das minhas coleções. Hoje em dia fico muito feliz, não por mim mas por todos nós, por esta etiqueta começar a ter um peso importante.

O que é que acha que motivou esta mudança?

Portugal é um país que faz entregas muito bem feitas, nos timmings corretos, somos um país minucioso na produção e também somos económicos na mão de obra . A única coisa de que eu tenho pena e que me entristece muito, é a maioria do têxtil e do caçado em Portugal não terem marcas próprias, trabalharem só para private label e marcas internacionais.

Acha que essas marcas próprias vão começar a aparecer mais?

Acho que vai demorar, porque é preciso um investimento gigante e uma luta grande, como a que eu travo há quase trina anos. É preciso muito tempo para criar uma marca, e no têxtil e no calçado está tudo muito virado para a private label. Claro que ter uma marca é algo de uma grande complexidade, com um grande investimento, mas foi sempre aquilo que eu quis e foi sempre pelo que lutei e é algo de que me orgulho muito.

Uma particularidade da marca Miguel Vieira é que para além da roupa e sapatos, tem acessórios, óculos, móveis. Porque é que escolheu este caminho de se tornar muito mais do que uma marca de moda?

O princípio da minha marca foi sempre nunca depender de ninguém. Fazendo um paralelismo com as marcas internacionais, não faria sentido num desfile a Dior serem usadas carteiras da Louis Vuitton ou maquilhagem da Chanel, comigo funciona da mesma forma só me faz sentido que um desfile meu os modelos estejam vestidos dos pés à cabeça de Miguel Viera. Foi sempre esse o caminho que quis fazer e só quando consegui ter esse look total que comecei a fazer desfiles.

Falou de maquilhagem, a beleza pode ser o próximo segmento da marca?

Sim, era um segmento que eu gostava muito de trabalhar. No entanto estamos a falar de um investimento gigante, não no produto em si, mas nas campanhas mundiais que são preciso fazer e na quantidade de publicações que se têm de ter em revistas internacionais. Estamos a falar de valores demasiado elevados neste momento, por isso é complicado, mas chegará o dia.