Mikaela Lupu: “Os modelos precisam de ser muito magros, parecem doentes”

3 Mikaela Lupu
Fotografia de Paulo Spranger/Global Imagens
a carregar vídeo

O português perfeito de Mikaela Lupu faz com que a maioria dos portugueses, habituados a vê-la na televisão, nem desconfie de que é moldava. Deixou o país onde nasceu com apenas cinco anos depois de os pais, ambos operadores de gruas de torre, terem recebido um convite para trabalhar em Portugal.

Aluna exímia, decidiu trocar o plano inicial de uma carreira na área das Ciências pela representação. Apesar do risco e incerteza da profissão, os pais sempre a apoiaram incondicionalmente. Com apenas 15 anos, surgiu a oportunidade de entrar na série da TVI Morangos com Açúcar, onde deu vida a Teresa, uma adolescente com anorexia. Na altura lidou de perto com raparigas que enfrentavam a doença, o que a fez ficar fã da série ‘13 Reasons Why’ e a defender convictamente que devemos falar de anorexia e depressão sem tabus, pois “o conhecimento protege-nos”.

Em 2017, Mikaela Lupu teve a oportunidade de interpretar a sua primeira protagonista, Carlota, na série Vidago Palace, da RTP. Atualmente é embaixadora da Oral B e entra na casa dos portugueses todas as noites na telenovela da TVI A Impostora.

Nas redes sociais gosta de passar mensagens importantes sobre o feminismo, assédio sexual e a importância de dar sangue: “Devíamos ser obrigados a dar sangue, tal como devíamos ser obrigados a votar.”

É o novo rosto da Oral B. Que significado teve este convite para si?

Fiquei muito vaidosa, contente. O sorriso é naturalmente algo muito importante, principalmente para uma atriz ou para quem trabalha com a imagem. Fiquei feliz por poder distribuir sorrisos.

Recentemente esteve num evento em que teve a oportunidade de contactar com algumas jovens, muitas delas suas fãs. Como foi essa experiência?

Foi maravilhoso, o primeiro encontro de fãs que tive oportunidade de fazer. Houve raparigas a virem de tão longe para estarem comigo que fiquei mesmo muito emocionada e contente. Curiosamente estava à espera de um público mais novo e algumas eram mais velhas que eu. É um bom feedback do meu trabalho, não só de um público de uma faixa etária mais nova mas da minha idade também.

Pelas interações que vai tendo com os fãs pelas redes sociais ainda não tinha ficado com essa ideia?

Sim, mas pessoalmente é completamente diferente. Recebo imensas mensagens e tento sempre responder a todas, mas estar pessoalmente com elas é diferente. Havia duas raparigas que estavam tão envergonhadas que mal falavam, foi muito bonito. Mantenho contacto com quase todas.

 

Veio para Portugal muito cedo. Continua com alguma ligação à Moldávia?

Por causa do trabalho já não vou lá desde 2007. A nossa família é muito grande e é complicado conciliarmos férias todos. Irmos sozinhos não é a mesma coisa. Tenho intenção de ir em breve porque este ano faz 10 anos que não visito a Moldávia e as saudades são muitas. Tenho uma grande ligação, principalmente com costumes, gastronomia e a neve, morro de saudades da neve. Há sempre um fiozinho de ligação à terra mãe.

Então gosta daqueles dias em que cai um bocadinho de granizo…

Fico toda contente enquanto a maioria das pessoas fica muito deprimida.

Neste momento sente-se 100% portuguesa?

100% não, tenho ainda uma grande veia moldava. Talvez 70%, porque vim muito nova, com cinco anos.

Como surge a representação na sua vida?

Era uma grande paixão. Desde muito nova que participava nos clubes de teatro da escola, era sempre a encenadora ou a atriz principal. Organizava aquilo tudo, basicamente. Foi sempre uma coisa que gostei de fazer. Enquanto os outros brincavam, eu organizava as peças, preocupava-me com os espetáculos que apresentávamos uma vez por semana e a paixão começou aí. Mas nunca me passou pela cabeça que se pudesse tornar na minha profissão por ser algo demasiado longínquo, distante, difícil de alcançar. A oportunidade surgiu quando me agenciei na agência Glam. Fui chamada para um casting e a seguir a esse vieram outros até que surgiu a primeira oportunidade, os Morangos com Açúcar. Foi todo um mundo novo porque era muito novinha também. Na minha vida tenho sido sempre nova em tudo. Tinha 15 anos e era a mais novinha do elenco, foi uma grande explosão de coisas novas.

Era muito boa aluna e decidiu construir carreira na representação, uma profissão incerta. Como lidaram os seus pais com essa decisão?

Ficaram mais tristes os meus diretores de turma do que os meus pais. Temos uma educação rígida e certinha, mas no que toca a decisões sobre o nosso futuro, os meus pais gostam que sejamos nós a tomá-las apesar de nos darem a opinião deles. Disseram: “É o teu futuro que está em causa. Não quero que um dia me digas que não seguiste o que gostas por minha causa, portanto escolhe tu.” Tomei a decisão certa.

Começou nos Morangos com Açúcar, atualmente está no ar na telenovela da TVI A Impostora e recentemente foi também protagonista da série da RTP Vidago Palace. O que mudou na Mikaela desde os Morangos até agora?

Ai, tanta coisa. De facto só passaram seis anos, mas parece uma eternidade. Foi um turbilhão no início. Entretanto estudei muito, viajei muito – para os atores é muito importante viajar, é onde absorvemos conhecimento e nos inspiramos para a maioria das personagens – e evoluí como atriz. Amadureci, acima de tudo. Dos 15 aos 21 não é uma grande diferença em termos numéricos, mas para quem entra no meio com 15 anos e tem de passar à frente da adolescência, porque nós gravávamos muitas horas, é complicado, havia muita coisa que deixava de fazer.

Alguma vez se arrependeu de não ter feito alguma coisa por causa do trabalho?

Tive de me afastar das minhas amizades escolares, mas nunca me arrependi porque quando tomei a decisão de seguir representação tinha consciência de que é duro, todos me dizia que iam ser muitas horas de trabalho.

É isto que quer fazer para o resto da vida?

Sou muito nova para me comprometer, tudo o que é para sempre assusta-me um bocadinho. É algo que quero continuar a estudar e a fazer nos próximos anos, mas tenho outras paixões. Não excluo completamente as Ciências.

A série Vidago Palace foi vendida a um canal italiano e a um polaco. Na sua opinião, vai ter boa aceitação nesses países?

Não conheço muito bem o panorama de ficção desses países, mas é uma série com muita qualidade e foi um sucesso tão grande cá e em Espanha que certamente também vai ser em Itália e na Polónia. O pormenor de serem só seis episódios distingue a série. Acabou bem. Recebo muitas mensagens de pessoas que queriam uma segunda temporada, mas por muito que gostasse de fazer uma segunda temporada, a série acabou tão bem que podíamos estar ali a desviar o final feliz.

A sua personagem nesta série vivia numa época muito diferente, o que a obrigou a adotar uma série de posturas e comportamentos que não são típicos desta altura…

Exigiu um trabalho de pesquisa diferente que se centrou em filmes e séries de época porque Vidago Palace passa-se no final dos anos 30. Vi tudo o que é dos anos 30 e 40. Li também sobre a história de Portugal na altura e sobre o papel da mulher, que era completamente diferente daquele que existe hoje em dia. O trabalho de pesquisa ajudou mas o realizador, o Henrique Oliveira, também foi uma ajuda preciosa, alertava-nos sempre quando dizíamos algo que não era da época, foi o nosso ombro.

Enquanto mulher via-se a viver nessa altura?

Não, de todo. Por acaso nunca pensei em como seria se vivesse naquela época. Mas não, nasci na época certa.

A sua personagem vive um amor impossível. Esse tipo de amores é uma realidade do passado ou ainda existem?

Existem e vão sempre existir, mas com impedimentos diferentes. Na altura eram as famílias porque as heranças eram muito importantes. Hoje em dia é, por exemplo, a distância.

E o que tem esta Carlota de mais parecido consigo?

O bom coração.

Na TVI, na telenovela A Impostora, dá vida a Sofia, que se vê obrigada a emigrar, tal como aconteceu com os pais da Mikaela. O facto de a sua família já ter passado por isso ajudou-a? Falou com os seus pais sobre o tema?

Não falámos porque tenho imensas memórias da adaptação, de como é, de repente, sair no aeroporto de um país completamente diferente e um clima diferente, que é exatamente o mesmo pelo que a Sofia, de A Impostora, passa. Por ter memórias não senti necessidade de perguntar aos meus pais. Imaginei também como seria se agora tivesse de me mudar para um país onde nunca tinha ido e passasse a viver lá sozinha, sem ninguém, ter de começar do zero.

Era capaz de emigrar?

Tenho uma paixão louca por viagens e um dos meus grandes sonhos é viver cada mês num país diferente, conhecer até aqueles países que nunca nos lembramos que existem. As culturas diferentes despertam-me imensa curiosidade, aquelas para quem o normal não é o mesmo que é para nós. Tenho alguma curiosidade sobre aqueles países em que nem podemos estar num jardim descansados porque estão em guerra. Como será viver com essa instabilidade, esse medo? É isso que nas viagens me desperta imensa curiosidade, era perfeitamente capaz de ir para outro país se tivesse oportunidades de trabalho lá.

Nos Morangos com Açúcar interpretou uma jovem que tinha anorexia. Sendo a Mikaela tão nova na altura, como se preparou para uma personagem tão intensa e com um problema de saúde tão grave?

Conheci uma rapariga que estava em processo recuperação. Fazia-me imensa confusão como é que uma doença que parece ser da cabeça das pessoas, como se costuma dizer, afeta tanto uma adolescente fisicamente. A pessoa não se vê mais gorda quando se olha ao espelho, isso é um mito. A rapariga que conheci tinha praticamente a minha idade e fazia-me imensa confusão ela dizer-me que se olhava ao espelho, via-se tal como era, mas sentia-se gorda apesar de não o ser. Deve ser uma frustração horrível. Li sobre a doença, tínhamos um médico que nos estava a ajudar a nível da escrita dos guiões, mas o mais fulcral foi ter contacto direto com a doença.

O facto de ter de lidar de perto com uma doença deste género tão nova ajudou a que, durante o processo de crescimento, não tivesse problemas com o seu corpo?

Como nunca tive problemas com o meu corpo, não sei se algum dia poderia vir a sofrer de distúrbios alimentares, mas claro que falar das coisas e o conhecimento são uma proteção. Tenho sobrinhos e acho que se deve falar sobre isto, tal como se deve falar de depressão e homossexualidade. Os tabus não deveriam existir. O conhecimento protege-nos. Quando não sabemos é que somos atacados pela doença.

Na altura vinham várias raparigas ter consigo, diziam-lhe que sofriam do mesmo problema e a Mikaela não sabia como reagir. Se fosse hoje, seria diferente? Já saberia como reagir?

Não acontecia muito pessoalmente, era mais através das redes sociais. A personagem tinha um blogue, que existia na vida real, e espreitava de vez em quando os comentários e mensagens por curiosidade. Era assustadora a quantidade de raparigas que olhava para a personagem e via o caso delas. Diziam-me que faziam exatamente a mesma coisa, levavam a comida para o quarto, fingiam que comiam e depois levavam a comida com elas quando saíam de casa para deitar fora. Sentiam que era horrível mas não conseguiam deixar de fazê-lo. Foi um choque muito grande para mim ter um contacto tão direto com a doença, quase sofri de anorexia sem ter passado por isso.

Provavelmente muitas delas nem sabiam que estavam doentes mas reviam-se naqueles comportamentos e passavam a conseguir identificar o problema…

Exatamente. Acredito que a personagem acabou por travar muitos casos em fase inicial.

De todos estes papéis que já fez, qual foi o mais desafiante?

Talvez a Carlota, de Vidago Palace, por ter sido uma personagem de época, a minha primeira protagonista e um projeto com tanta qualidade. Gravámos Vidago Palace como se fosse cinema, foi praticamente uma produção cinematográfica que acabou por ter seis episódios.

Nunca fez teatro profissional?

Não, só nas escolas onde estudei teatro.

Gostava de experimentar?

Adorava. Ainda não surgiu a oportunidade, estou sempre a correr de um lado para o outro, mas gostava muito de fazer teatro ainda este ano.

O que mais se imagina a fazer no teatro?

Aquelas personagens que quase não falam mas transmitem imensa coisa. Gostamos é destes desafios em que temos de falar com expressões e o olhar.

No Instagram costuma publicar algumas fotografias com uma t-shirt que diz ‘Everybody should be feminist’ (‘Todos devem ser feministas’, em português). Concorda com essa frase?

Completamente, as discussões à volta do feminismo costumam chatear-me muito. As pessoas pensam que estamos a exigir mais direitos quando, no fundo, a definição de feminismo é a luta pelos mesmos direitos que os homens. Gosto muito de passar essas mensagens, bem como de falar de episódios de que nós mulheres costumamos ser alvo, como é o caso do assédio sexual. Às vezes estou com os meus amigos e revolto-me em relação a estes temas, digo-lhes que devíamos fazer alguma coisa para ajudar a mudar a realidade.

Pelo facto de ser figura pública sente mais responsabilidade em passar esse tipo de mensagens?

Também. Recentemente fiz uma coisa que queria fazer há imenso tempo e que andava a adiar por falta de disponibilidade, que é doar sangue. É algo muito simples, rápido, demora 20 minutos no máximo, e até faz bem porque obriga o organismo a criar sangue novo. Podemos fazer em qualquer momento e a qualquer dia. Quando doei sangue cheguei à conclusão de que era muito mais simples do que parecia, não é um bicho de sete cabeças, não custa nada e não dói. Quis mostrar às pessoas que é fácil e que o Instituto Português do Sangue está sempre a precisar de doações novas, estão sempre com falta de sangue. Pensamos que há muitas pessoas a doar mas nunca é suficiente. Devíamos ser obrigados a dar sangue, tal como devíamos ser obrigados a votar.

Nas redes sociais costuma publicar muitas imagens de roupa e acessórios. A moda fascina-a?

Sim, essencialmente porque vou passando por várias fases. No verão tenho sempre a fase hippie, depois mudo no inverno. Agora estou numa fase vintage. Gosto de partilhar um pouco daquilo que são as minhas escolhas e maluqueiras do momento.

Via-se como modelo?

Não, não tem nada a ver comigo. Enquanto nós temos prazer em representar e aquilo para nós é como se fosse um hobbie, os modelos não devem sentir isso. É sempre doloroso, a roupa é desconfortável, os sapatos nunca são do tamanho certo, são muitas horas, é preciso serem muito magros, parecem doentes. Não me identifico em nada com a profissão de modelo. No entanto, a moda, em geral, é algo de que gosto.

Quais vão ser os próximos projetos?

Ainda não tenho nada garantido. É provável que venha a fazer cinema, mas ainda há muita coisa por confirmar.

Que cuidados tem com os dentes no dia a dia?

Sou muito picuinhas com os dentes. Escovo depois das refeições, principalmente depois de beber café, e é precisamente nisso que a Oral B me salva a vida. Também não troco a minha escova elétrica por nada.

Era daquelas crianças que os pais tinham de pressionar para lavar os dentes?

Houve uma fase que sim, mas passou rápido, felizmente. Até tenho uma história muito engraçada: adorava arrancar dentes. Assim que tinha um dente a abanar ia a correr ter com os meus pais e dizia: “Têm de tirá-lo.” Morria de medo que nascessem tortos, uns por cima dos outros. Devo ter tido um pesadelo com isso, não faço ideia. Nem dava hipótese, assim que o dente abanava um bocadinho tirava logo. Andava sempre desdentada porque em vez de esconder que os dentes estavam a abanar queria tirá-los logo.

Acreditava na fada dos dentes e escondia-os debaixo da almofada?

Não, descobri também muito cedo que o Pai Natal não existia, era muito cética.

Tem sobrinhos mais novos. Tenta passar-lhes bons hábitos no que diz respeito à saúde oral?

Sim, às vezes quando vou a casa da minha irmã espreito para ver como a minha sobrinha de 10 anos lava os dentes e fico ali para ela os lavar pelo menos durante dois minutos. Estou a tentar passar bem a mensagem.