O que mudou na moda em 2016

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Entre a música, a política e a religião chegou a moda, quebrando uma ausência de desfiles que durou 57 anos. O Paseo del Prado foi o cenário escolhido para eternizar um desfile histórico da Chanel, e talvez um dos últimos eventos no ambiente característico de Cuba.

Este ano ficará para sempre escrito na história da indústria da moda como aquele em que começou uma das maiores revoluções a que este setor já assistiu. Os ciclos de produção estão a mudar e começam a comprometer o sistema que todos conhecemos, mas as mudanças vão mais longe estendendo-se até aos padrões de beleza e aos movimento social que vivemos.

See now, buy now

24 de novembro de 2016 foi a data escolhida para a apresentação portuguesa da coleção de verão 2017 de Tommy Hilfiger, a primeira depois da marca ter aderido ao novo sistema da moda “see now, buy now”. Foi por isso a primeira vez que a imprensa viu uma coleção três meses antes do desfile, uma mudança radical no sistema de moda tradicional em que a comunicação e compra só é feita seis meses depois da produção.

A Burberry foi a primeira marca a anunciar que as suas coleções estariam disponíveis logo a pós a venda, uma revolução no sistema produtivo que tem cada vez mais fãs. Tommy Hilfiger e Tom Ford foram os outros dois grandes nomes da santíssima trindade que deu origem ao novo ciclo da moda. Mas este novo caminho já tem vários apóstolos entre os quais Ralph Lauren, Michael Kors, Thakoon, Topshop e Alexander Wang com a Adidas. Uma legião poderosa e que pretende conquistar o lugar do ciclo tradicional da moda. A proposta é simples: inverter o sistema de produção da indústria levando o desfile para o final cadeia. Uma reviravolta que começou em fevereiro mas ainda há muitas perguntas sem resposta.

A grande questão em torno desta mudança é perceber como vai funcionar o sistema de produção, de comunicação e até como se vai processar a compra das coleções para lojas multi-marca em todo o mundo. Esta será uma resposta ao ritmo acelerado da moda numa tentativa de abrandar ou é um acelerar de ritmo para responder com mais eficácia ao desejo de consumo imediato e assim tentar minorar as cópias criadas pelo mass market?

Alexandra Moura, criadora de moda portuguesa disse ao Delas.pt que esta é uma mudança muito positiva: “É uma revolução necessária. O ritmo tem sido assustador e é muito bom que os grandes nomes tenham vindo reivindicar esta mudança nos ciclos da moda.”

Para além do ritmo, também a oposição à contrafação e às marcas de grande consumo que criam peças idênticas às apresentadas na passerelle, são dos aspetos mais positivos desta revolução no calendário. “Há uma mudança em relação ao que diz respeito à criatividade, que é muito diferente da cópia” explica a designer, esclarecendo que mesmo que as cópias continuem a ser feitas, o facto do original estar na loja antes ou em simultâneo com a cópia muda completamente o paradigma, havendo por isso uma valorização da criatividade.

Para além das questões relacionadas com os direitos de autor, esta alteração do ciclo mexe diretamente com os ritmos de produção, como disse o criador português Pedro Pedro ao Delas.pt:

“Apelar ao consumo imediato faz sentido para as empresas grandes já que depois de todo o buzz em volta do desfile esperar seis meses pode ser prejudicial para as vendas.”

Mas para o mercado português será que esta mudança faz sentido? “Faz todo o sentido chegar às pessoas de imediato, em tempo real. Mas somos um mercado pequeno com empresas pequenas não sei se teremos capacidade para o fazer.” explica-nos Pedro Pedro. Apesar da nossa dimensão e da capacidade produtiva que este novo sistema implica é possível aplica-lo até no mercado Português, prova disso é o designer Nuno Baltazar que irá apresentar a sua coleção de verão 2017 em março levando-a diretamente da passerelle para a loja.

Outras grandes questões que vão ser levantadas prendem-se com a comunicação das marcas, já que também os catálogos e campanhas terão de estar prontos antes dos desfiles acontecerem.

Se esta revolução se tornar uma realidade para todas as marcas, também as revistas vão ter de mudar completamente a sua forma de trabalhar, assemelhando-se cada vez mais ao formato online, ou então distanciando-se por completo da atualidade criando formas distintas e alternativas de dar notícias, o que é difícil quando tudo se prende com o imediatismo do consumo.

Todas estas mudanças formam uma maneira nova de ver, viver e sentir a moda. Mexe com os diversos ramos do setor e com várias economias paralelas a esta indústria. Agora resta-nos aguardar para ver quem mais se junta a esta nova forma de viver os ciclos de produção e esperar para perceber se se irá tornar uma realidade para todas as marcas.

A nova beleza

A discussão sobre o excesso de uso de maquilhagem não é nova, mas ganhou um novo alento quando, na final da taça UEFA, Alicia Keys decidiu atuar sem qualquer maquilhagem, deixando bem visíveis a imperfeições da sua pele.

Esta escolha criou tanto frenesim que levou a cantora a escrever uma carta aberta no site da atriz Lena Dunham. Uma carta que se tornou quase um manifesto, onde a vencedora de 15 Grammys condena o facto de as mulheres “sofrerem uma lavagem cerebral para sentirem que têm de ser magras, ou sexys, ou desejáveis, ou perfeitas. (…) O estereótipo que é passado constantemente em todos os meios faz-nos sentir que ter um tamanho de roupa normal não é normal” explica Alicia.

Esta revolta contra as pressões feitas sobre a imagem das mulheres, tornou-se ainda maior quando, por sugestão da fotógrafa Paola Kudacki, a cantora posou sem maquilhagem, uma experiência que descreveu como “a coisa mais forte, poderosa, livre, honesta e bonita (…) Não quero mais esconder-me. Nem a minha cara, a minha mente, a minha alma, os meus pensamentos, os meus sonhos, as minhas batalhas, o meu crescimento emocional”.

Foi depois desta reviravolta que Keys decidiu não voltar a usar maquilhagem e lançou o hashtag #nomakeup que já conta com mais de 12 milhões de publicações de mulheres sem maquilhagem. Esta é uma das maiores tendências de beleza da atualidade e é tão marcante que até o calendário Pirelli 2017 aderiu à moda, surpreendendo sobretudo por ter apresentado modelos vestidas mas também por estas estarem com muito pouca maquilhagem, incluindo Helen Mirren que com 71 anos revela as suas rugas sem retoques. Peter Lindbergh, o fotógrafo escolhido para dar vida ao calendário deste ano, revelou à Vogue americana que a sua intenção era enviar “uma contra-mensagem ao falso ideal de beleza da indústria.”

A verdade é que também na passerelle o ideal de beleza está a mudar, os desfiles já não são uma sucessão de modelos da mesma altura e traços similares, mas sim uma grupo de miúdas com personalidades marcadas e aspeto particular. Hoje nos castings para passerelle procura-se mais que as medidas perfeitas, procura-se a atitude da modelo, a rebeldia e um lifestyle que encarne na perfeição os valores da marca. É por isso que hoje há espaço para o cabelo cor de rosa de Fernanda Ly na Louis Vuitton e é permito a Lotta Volkova sair diretamente do backstage de Vetements onde ocupa o papel de stylist para a passerelle ao abrir o desfile da marca mais trendy da indústria.

Moda feminista

O mundo está mais feminista, as discussões sobre igualdade salarial, a representação no poder e a condição feminina em todas as suas vertentes está mais presente que nunca. A moda como reflexo que é da sociedade não fica alheia a este movimento em prol das mulheres. Bom exemplo disso é a última coleção da Dior que tem pela primeira vez uma mulher como diretora criativa, Maria Grazia Chiuri que deu seguimento ao legado de Raf Simons com uma coleção onde foram exibidas t-shirts com frases que dizem “We should all be feminist” (Todos devíamos ser feministas).

Menos óbvio mas nem por isso menos feminista, é o regresso dos ombros largos à moda para mulheres como imagem de empoderamento. Um revivalismo dos anos 80 que também foi a década em que a carreira profissional das mulheres começou a ser uma realidade. Outro prova de que a moda é feminista são os novos andrógenos, ao contrário da andrógenia dos anos 90 não são as raparigas que se começam a vestir como rapazes e a dar a ilusão de terem corpos mais retos, sem nenhuma sombra de curvas femininas. Hoje a moda andrógena é vestir de forma igual ambos os sexos, sem perder a feminilidade das mulheres, assim os padrões, cores e formas tradicionalmente reservadas a meninas invadem a moda masculina.

Por tudo isto a moda é provavelmente um dos rostos mais visíveis do momento feminista que vivemos.