Mudar de vida aos 40: dois exemplos de sucesso

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Diz “mudar de vida” e ouve: “Tu vê lá, olha que já tens 40 e uma filha”, “Tu vê lá o que vais fazer da tua vida”, “Então, tiraste um curso e agora vais deitá-lo pela janela fora?”. Os mais próximos tiveram medo, obviamente. É normal, faz parte. Há coisas que só nós, que estamos completamente mergulhados no processo, sentimos como certas”.

Cristina Nobre Soares, hoje com 42 anos, mudou de vida. Não de vida pessoal: Hugo, o marido, e Leonor, a filha, estão no lado certo do coração, mas mudar sim de carreira, dar uma volta de 180º graus ao dia-a-dia profissional e torná-lo mais próximo daquilo que realmente sentia ser o seu eu.

Licenciada em Engenharia Florestal, Cristina viu o contrato no Politécnico onde há anos dava aulas não ser renovado. “Por isso, de certa forma, acho que não fui eu que comecei. A vida começou-me”, conta ao Delas.pt.

Não foi uma coisa repentina, não acordou um dia com a mudança em mente. Nos anos anteriores a vontade de mudar já era como um bichinho de conta que andava por ali a tentá-la, como que a lembrá-la de que não há apenas um caminho possível.

“O primeiro momento talvez tenha sido quando o meu pai morreu. Parece um tremendo lugar-comum, mas quando um pai nos morre percebemos que somos mortais. Quando um pai morre, uma das coisas que ele nos deixa, são as penas do que não fez e gostaria ter feito. E percebemos que isto a que chamamos vida é apenas um intervalo de tempo de carbono. E o que fazemos com ele, depende essencialmente de nós. Aos vinte temos demasiadas certezas. Talvez porque ainda tenhamos demasiado tempo. Os dois costumam ser diretamente proporcionais”, partilha a ex-professora.

Por isso, longe de lhe tirar o chão, o contrato não renovado proporcionou à ex-engenheira florestal um novo recomeço, um recomeço mais feliz. Na escrita, a paixão até aí das horas vagas começou a preencher-lhe o tempo inteiro, como um amor clandestino que se tornou oficial.

“Primeiro, pensei em tornar realidade uma ideia que já trazia comigo há algum tempo. A questão das escolhas e das vocações, para alguém que se sentia frustrado com o próprio caminho, era obviamente o tema que me assaltava todos os dias. E a pensar nos adolescentes pensei em criar um campo de férias, onde contactassem com pessoas que tivessem seguido as suas vocações, por mais alternativas que fossem e que se sustentassem com isso e em mesmo muitos casos eram profissionais de sucesso. E surgiu o Dream Lab. Que depois se estendeu para adultos”, conta.

Mas nesse período nunca deixou de escrever, antes pelo contrário: foi dando corpo à paixão que hoje é a sua atividade a tempo inteiro. É copywritter e storyteller freenlancer, tem um projeto de biografias e ainda trabalha numa empresa que ‘descomplica’ a escrita.

Há quem lhe chame a crise dos 40 – há quem lhe chame a sabedoria dos 40.

“Os 40 constituem um pico de maturidade, em que se sente que metade da vida pode já ter sido vivida surgindo portanto, uma maior exigência com a forma como se despende os dias e as escolhas que são feitas. Afinal nesta fase denota-se um maior conhecimento e experiência, o que torna as pessoas de 40 anos capazes de empreender uma mudança tão radical como a mudança de trabalho e até quiçá de sector profissional. Obviamente não é uma mudança fácil, como por norma nenhuma mudança é, mas pode gerar muitíssimos ganhos a diversos níveis”, esclarece Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica da Oficina de Psicologia.

Cristina Nobre Soares não tem dúvidas de que os 40 são a altura certa para empreender uma mudança, para procurar o que está mal e endireitar a balança para o lado da realização, seja ela pessoal ou profissional.

“Há coisas que precisas de viver para depois mudar. Os quarenta são aquela etapa em que percebes que já chegaste a meio de um caminho qualquer. Então, se estás a meio, precisas de saber que caminho é esse e para onde te leva. Se não te levar para aquilo que tu és, então é altura de mudares. Os 40 são a primeira vez que te apercebes que há uma urgência nisto a que chamamos vida. E quando digo urgência não estou a falar de impaciência. Isso é diferente. É urgência em ires ter contigo, que no fim é quem encontras no fim desse tal caminho. Espero eu”, acredita Cristina.

Será que hoje as pessoas têm menos medo de arriscar?
“Por um lado, diria que as pessoas hoje têm maior acesso a informação e recursos que lhes abre fronteiras e encurta distâncias o que poderá despoletar maior vontade de arriscar. Mais do que empregos que pagam as contas ao final do mês as pessoas ambicionam trabalhos que lhe dê satisfação, desafio e reconhecimento. Por outro lado a instabilidade económica constitui um gatilho muitas vezes para a mudança de profissão, em que aqui mais do que a vontade existe a necessidade”, acrescenta a psicóloga da Oficina da Psicologia.

Foi esta instabilidade também que virou do avesso (ou melhor, do ‘direito’) a vida de Zélia Évora, que durante 24 anos foi administrativa na mesma empresa.

“Foi o meu único emprego. Pensava que ia ficar velha a fazer cobranças e atendimento de clientes e fornecedores”, conta hoje, com 47 anos.

“Na realidade começou por um despertar de mim mesma mas depois acabou por ser um valente empurrão da empresa que me despediu. Ao longo dos anos, especialmente depois dos 35, percebi que queria fazer outras coisas. Tornei-me diferente após a maternidade. Mais exigente comigo como mulher. Tirei vários cursos como massagem infantil, de Doula. Mas não eram profissões que eu pensasse que seriam boas para exercer a tempo inteiro”, acrescenta, confessando que o processo de mudança foi “bastante solitário”.

“No dia seguinte a ter sido despedida estava a ajudar uma amiga que tinha uma marca de peças de criança. Desde os 8 que eu costurava e eu não podia ficar em casa a pensar que não tinha emprego. Mas depois de ter terminado essa fase, quando comecei a perceber que era esse o caminho. Fazer as minhas próprias peças”. Peças essas que a tornaram uma artesã reconhecida ao ponto de escrever um livro – ‘A Terapia do tricot’, da Esfera dos Livros.

Zélia acredita que é lícito mudar em qualquer idade. “Aos 42 fui mãe novamente e acharam que eu era louca. Mudei de profissão e acharam que eu era louca. Não foi uma loucura. Chamava-se sobrevivência. As pessoas fazem isso todos os dias. As pessoas no mundo. Os emigrantes que eram médicos e hoje são pedreiros. Lutamos”, considera.

Até porque por muito bom que seja mudar os desafios são permanentes e todos os dias se põe em causa a mudança que se fez. O caminho que se escolheu.

“É um misto de felicidade de se fazer o que se gosta e medo de cair. Todos os dias. Um sobe e desce. De manhã de tarde. Uma catadupa de risos e nalguns dias choro,” partilha Zélia.

“Senti muito medo. Todos os dias. E felicidade sempre que um deles era superado. Os dois fazem parte, andam par a par”, diz por seu lado Cristina.

Para a psicóloga Filipa Jardim da Silva “tenderá a ser sempre mais desafiante explicar porque se muda quando o desconforto aparente não é muito em relação às situações em que a crise é notória. Porque é que se termina uma relação quando nem se discutia assim tanto, porque é que se muda de casa quando o espaço é suficiente, porque é que se procura um novo emprego quando se tem um ordenado ao final do mês? A resposta será a mesma: porque existe uma diferente entre ser suficiente e ser satisfatório. Mais do que um emprego estável, quer-se um emprego apaixonante, que nos preencha e faça sentir que as muitas horas nele despendidas valeram a pena”.