Mulheres angolanas saem à rua para combater criminalização do aborto

A votação final chega a 23 de março, quarta-feira. Mas para já, tudo indica que Angola passe a criminalizar o aborto, com pena de prisão entre 4 a 10 anos para as mulheres que recorram à prática.

Isto porque o novo Código Penal angolano proíbe, sem qualquer tipo de exclusão, a interrupção voluntária da gravidez, tendo-a viabilizou-o na passada sexta-feira, na votação na especialidade, na Assembleia Nacional.

A proposta inicial proibia o aborto, com pena de prisão, e apresentava, afirma a agência Lusa, na forma inicial algumas causas de exclusão de ilicitude do crime, quando são ponderados interesses em jogo, nomeadamente perigo de vida da mãe, violação coletiva que resulte em gravidez.

“Todas aquelas causas de exclusão da responsabilidade relativamente ao aborto foram expurgadas do código e nós, em princípio, deveremos olhar para o código, como tendo uma proibição absoluta relativamente ao aborto”, disse o ministro da Justiça e Direitos Humanos do país, Rui Mangueira, citado pela agência Lusa.

Em causa está a alteração daquele articulado e que, para lá da questão do aborto, vem proibir a prática da mutilação genital feminina.

Contudo, muito longe de ser pacífica, esta alteração ao código que data de 1886, ainda sob o domínio português e em pleno período colonial, está a gerar celeuma junto de vários quadrantes por ser considerada um retrocesso (veja a galeria de imagens acima para ficar a conhecer algumas reações).

Mulheres vão sair à rua para combater alteração

Há, aliás, manifestações marcadas para tentar reverter esta alteração legislativa, em Luanda. Para 18 de março, sábado, a partir das dez da manhã no cemitério de Santa Ana, está marcada uma marcha de protesto contra esta criminalização.

Sob o lema “Chega de Mulheres Mortas por Abortos Clandestinos”, esta iniciativa pretende evocar as mulheres que morrem devido aos riscos que a prática clandestina acarreta. Mais tarde, pelas 14h00, há uma marcha das mulheres pela Despenalização do Aborto, no Largo das Heroínas. Um local, refira-se, simbólico da luta, da resistência e da emancipação das mulheres.

Para este grupo de ativistas, “a criminalização do aborto é violência contra as mulheres, pois os direitos sexuais e reprodutivos não são assegurados”. Por isso, a aprovação do articulado, a ter lugar, representa “um retrocesso na luta pelo reconhecimento dos direitos das mulheres e uma violação grosseira das garantias e postulados constantes do protocolo de Género e Desenvolvimento da SADC (Comunidade de Desenvolvimento de Países da África Austral), relativamente aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, do qual Angola é signatária e Estado Parte”, explicam na carta enviada ao Governo da Província de Luanda. E prossegue: “Nós, mulheres, deparamo-nos com uma lei que põe em causa os direitos e a vida das mulheres e meninas de Angola. É sem dúvida para nós um retrocesso a aprovação desta lei e não concordamos com a penalização do aborto.”

Oposição pediu referendo

Se em 1886, a prática de aborto estava contemplada mediante duas circunstâncias específicas – violação e malformação do feto –, a nova lei vem anulá-las e proibir totalmente a interrupção voluntária da gravidez.

Durante o debate na generalidade, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) absteve-se na votação e pediu um referendo a esta matéria. Já o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) votou a favor do diploma. O líder do partido, Virgílio de Fontes Pereira, pediu calma e vincou, citou a rede Angola, que “o assunto não está encerrado”. “Entendeu-se que esta é uma matéria que pode ser retomada noutros termos, sendo que o princípio geral daquilo que é a política do Estado em relação ao aborto está consagrado no futuro código”, declarou o responsável.

Segundo justifica a Assembleia Nacional, o novo Código foi pensado tendo em vista a adequação com os valores consagrados na Constituição, elencando a dignidade humana, a garantia dos direitos e as liberdades fundamentais dos cidadãos como justificações para estas mexidas. Recorde-se que esta reforma da lei prevê alterações que vão desde as práticas tradicionais – como a mutilação genital feminina, à definição da idade penal.