Testemunho: O cancro da mama não é uma sentença de morte

shutterstock_363505520

Aos 35 anos, Carla Amorim teve um filho e logo a seguir um cancro da mama. O melhor e o pior da sua vida. Hoje tem 42 anos e conta como foi lutar contra a doença.

Com um bebé de nove meses nos braços, toda ela energia e amor maternal, Carla Amorim sentia-se invencível no seu corpo de mulher de 35 anos. Julgava ter descoberto o segredo da felicidade: como podia desejar algo mais do que ver o filho a crescer saudável, aquela alegria no coração? E então começou a perder líquido do peito já sem estar a amamentar, líquido que não era leite e não podia ser coisa boa. O alarme soou. “Vi logo o que se passava pela cara da médica nas urgências. Cheguei a casa, fui para a internet pesquisar e só pensava: ‘Tirem-me isto. Operem-me o mais depressa possível, porque o meu bebé não pode ficar sem a mãe'”.


Conheça a melhor forma de prevenir o cancro da mama mortal


Dias mais tarde, os resultados do hospital confirmaram o diagnóstico: cancro na mama. Carla dispôs-se a lutar, sem lágrimas, determinada. Descobriu aí a vocação de guerreira. “Esta foi a fase do ‘Vamos lá resolver o problema’, a primeira de três por que passei. O meu filho precisava de mim, era apenas um bebé. Os meus pais iriam precisar de mim mais tarde, na velhice, por isso tinha que agir. Não havia tempo a perder com lamentações.” Era o que ela dizia a todos quantos se aproximavam com a tristeza na alma, colegas de trabalho incluídos: “Não quero ninguém com pena de mim, nem a chorar à minha volta. Tenho um cancro, vou ser operada, daqui a nada estou de regresso. Ainda não morri.”

De agosto de 2009, quando descobriu o tumor, até abril do ano seguinte, já livre dos tratamentos mais complicados, foi tudo muito rápido na vida de Carla Amorim, a trabalhar ao mesmo tempo que fazia as sessões de quimio e radioterapia, sem parar. Sem pensar.

“Sentia-me exausta, mas ficar fechada em casa a chorar, em pânico, não era opção.”

Diziam-lhe que era maluca, tinha de abrandar. Ia ser impossível manter aquele ritmo sem dar de si. Mal sabiam eles que, com ela, a teimosia leva sempre a melhor. “Não queria que o meu filho se apercebesse de nenhuma mudança: era demasiado pequeno, não ia entender.” Também por isso nunca lhe contou abertamente, disse apenas que a mãe tinha um dói-dói.

“Quando rapei o cabelo, fiz questão que ele assistisse para depois não ser um choque. Assim só achou que eu quis mudar de visual.”

Carla ficou careca e sem peito, um golpe duro que escondia com casacos largos e lenços para poder ir à praia, às compras, visitar clientes (é responsável pelo atendimento numa empresa de dispositivos médicos). Foi essa a sua segunda fase no processo, mais visual e a mais odiada: “Matava-me completamente andar na rua e sentir aqueles olhares que me lançavam, ‘ah coitada, que pena, tão nova e com uma criança de colo’.” O próprio filho viu-se afastado dela nos dois meses que se seguiram à primeira operação. Essa foi a maior dor de todas:

“Deixei de conseguir dar-lhe banho, tinha que ser o pai a fazer-lhe tudo. Da primeira vez que pude voltar a sentá-lo na banheira ele não disse nada, agarrou-se só a mim com o maior abraço do mundo, a sentir-se de novo seguro. Somos muito ligados.”

E houve ainda uma terceira fase em 2010, em teoria até mais calma, depois de todos os tratamentos, em que Carla se permitiu finalmente revoltar-se e chorar um pouco. Porquê ela, mãe há tão pouco tempo? Ela que já fizera uma mamografia sem acusar nada, que ia ao médico de seis em seis meses e fazia palpação em casa? “Aí senti sobretudo vontade de escrever”, conta. Não se via sentada no gabinete de um psicólogo, não era coisa que lhe fizesse sentido, mas precisava de desabafar para seguir em frente.

“Falo muito abertamente disto porque nunca houve nada, no meio disto tudo, que me fizesse sentir inferior a ninguém. Não tenho um peito, há quem não tenha uma perna. E se calhar essa perna até faz mais falta, apesar da relação íntima que temos com o nosso peito.”

Resolveu a questão criando o blogue Viver Com Cancro da Mama para confortar outras mulheres como ela, na luta. “A minha fase má durou oito meses, foram os piores de sempre da minha vida, mas passaram”, sublinha, mais forte do que nunca aos 42 anos. Ainda hoje faz tratamentos de hormonoterapia, um comprimido por dia, para prevenir o aparecimento de novos tumores. Sacrificou o útero e os ovários e, com eles, os filhos que sonhava vir a ter. Mas Carla Amorim é a prova concreta, de carne e osso e longos cabelos, de que nem todos os cancros são a morte.