O fim da moda como a conhecemos

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“A moda já não existe. Este é o fim do sistema a que chamamos Moda e vamos ter de inventar um novo sistema. Por agora acho que estamos concentrados nas roupas, celebramos a roupa. Como resultado disto assistiremos a um regresso da alta-costura.” Estas palavras foram ditas em março do ano passado, pela analista de tendências Li Edelkoort, autora do manifesto anti-moda que postula o fim da mesma, estando a transformar-se “numa paródia ridícula e pateta daquilo que foi um dia”.

Segundo Li uma das principais razões, para esta deterioração do sistema de moda, está na educação: os jovens designers continuam a ser educados para serem designers individuais, mas a sociedade está em mudança, a moda é um forte setor económico e as equipas de designers não são algo individual.

Além disso, também a produção é apontada como um problema: a escala massiva do consumo obriga muitas vezes a que o fabrico seja feito em países pobres e sem respeito pelas condições humanas dos trabalhadores. Para além do marketing e comunicação das marcas serem muitas vezes feitos em torno das vendas e do estatuto em vez de valorizar a visão e ADN das casas de moda, isto faz com que não exista inovação. Li Edelkoort previu nesta altura o regresso ao ritmo da alta-costura, o que irá influenciar todas as outras criações.

Lembramos que esta entrevista foi dada há quase um ano, mas não poderia estar mais atual. O ritmo acelerado da moda que levou Raf Simons a demitir-se da Dior, e que todas as estações põe em causa a sustentabilidade da indústria da moda, está neste momento causar reações que podem mudar para sempre os ciclos da moda como hoje os conhecemos.

Tom Ford, Burberry, Vetements e Tommy Hilfiger já anunciaram que irão alterar o calendário das suas coleções, apresentando inverno em setembro e verão em fevereiro, e que as suas criações vão estar disponíveis para venda em loja e online logo após os desfiles.

A grande questão em torno desta mudança é perceber como vai funcionar o sistema de produção, de comunicação e até como se vai processar a compra das coleções para lojas multi-marca em todo o mundo. Esta será uma resposta ao ritmo acelerado da moda numa tentativa de abrandar ou é um acelerar de ritmo para responder com mais eficácia ao desejo de consumo imediato e assim tentar minorar as cópias criadas pelo mass market?

Alexandra Moura, criadora de moda portuguesa disse ao delas.pt que esta é uma mudança muito positiva.

“É uma revolução necessária. O ritmo tem sido assustador e é muito bom que os grandes nomes tenham vindo reivindicar esta mudança nos ciclos da moda.”

Para além do ritmo, também a oposição à contrafação e às marcas de grande consumo que criam peças idênticas às apresentadas na passerelle, são dos aspetos mais positivos desta revolução no calendário. “Há uma mudança em relação ao que diz respeito à criatividade, que é muito diferente da cópia” explica a designer, esclarecendo que mesmo que as cópias continuem a ser feitas, o facto do original estar na loja antes ou em simultâneo com a cópia muda completamente o paradigma, havendo uma valorização da criatividade.


Veja também o artigo Tom Ford e Burberry dizem não ao sistema da moda


 

Alexandra Moura, que estará presente, à semelhança do que tem acontecido nas últimas temporadas, no showroom da London Fashion Week, revela:

“A moda de autor tem investimentos brutais e é muitas vezes usada como laboratório para outras marcas. Em Londres durante o showroom somos várias vezes avisados para ter cuidado com os olheiros que ali recolhem as nossas ideias para depois as produzir para outras marcas.”

Também Pedro Pedro, designer português, conta-nos que esta nova proposta de ciclo da moda “é o futuro. É também uma forma de tentar combater as cópias. Apesar de eu não saber se o facto dos originais e das imitações estarem em simultâneo nas lojas, não irá estimular ainda mais a compra das peças de grande consumo, visto que os originais são muitas vezes inacessíveis. Por outro lado, o que pode acontecer é uma maior consciencialização, ou seja, como as peças de desfile ficam logo disponíveis e visíveis nas lojas as pessoas podem perceber mais depressa que as marcas de grande consumo apresentam muitas vezes peças praticamente iguais às dos designers de autor.”

Para além das questões relacionadas com os direitos de autor, esta alteração do ciclo mexe diretamente com os ritmos de produção, como afirma Pedro Pedro:

“Apelar ao consumo imediato faz sentido para as empresas grandes já que depois de todo o buzz em volta do desfile esperar seis meses pode ser prejudicial para as vendas.”

Dadas as dimensões das marcas o que irá acontecer é que o ritmo de produção, até que este novo ciclo esteja estabilizado, acelere para dar resposta à venda direta. Alexandra Moura admite que “a adaptação não será fácil devido aos tempos de produção. Provavelmente as quantidades terão ser repensadas, a produção pode começar a aproximar-se mais do que se faz com as coleções cápsula. A sustentabilidade tem de ser tida em conta, temos gasto demasiados recursos. Esta é uma mudança que tinha de acontecer.”

Pedro Pedro considera que a adaptação será difícil mas a ideia desta nova era entusiasma-o.

“A mudança é boa. Independentemente do que aconteça pelo menos obriga-nos a pensar nas coisas de outra forma e a encontrar soluções novas.”

Mas para o mercado português será que esta mudança faz sentido? Segundo o designer, “faz todo o sentido chegar às pessoas de imediato, em tempo real. Mas somos um mercado pequeno com empresas pequenas não sei se teremos capacidade para o fazer.” Alexandra Moura também reconhece:

” Uma grande necessidade de mudança, talvez ainda não saibamos como, mas eventualmente também vamos querer mudar.”

Outras grandes questões que vão ser levantadas prendem-se com a comunicação das marcas, já que também os catálogos e campanhas terão de estar prontos antes dos desfiles acontecerem, antecipando o que acontece hoje.

Se esta revolução pegar, também as revistas vão ter de revolucionar completamente a sua forma de trabalhar, assemelhando-se cada vez mais ao formato online, ou então distanciando-se por completo da atualidade criando formas distintas e alternativas de dar notícias, o que é difícil quando tudo se prende com o imediatismo do consumo. Os artigos de tendências terão de se começar a basear em novos argumentos, visto que irá deixar de existir um intervalo entre o desfile e a venda, ou seja, as editoras de moda vão deixar de poder esperar pelos desfiles para perceber o que se vai usar, tendo de o fazer antes, recorrendo muito provavelmente aos gabinetes de tendências (que ganham assim terreno e importância na moda), a uma análise cultural e social, relacionando o momento e a forma como nos vestimos, e a prever as tendências das estações passadas que podem arrastar-se para a estação seguinte.

Todas estas mudanças formam uma maneira nova de ver, viver e sentir a moda. Mexe com os diversos ramos do setor e com várias economias paralelas a esta indústria. Agora resta-nos aguardar para ver quem mais se junta a esta proposta inovadora de viver os ciclos de produção, entretanto podemos fazer apostas e esperar para saber quem está certo.

 

Imagem de destaque Facebook Oficial da Burberry