O melhor de dois mundos? Sim, é possível!

mãe trabalho

Elisabete apressa-se, dando uma última olhadela ao espelho, sempre de olho no relógio. Está na hora de levar a pequena Guadalupe, ou Lupita, como é carinhosamente apelidada, ao colégio, para logo depois regressar e dar início ao seu dia de trabalho. Em casa.


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Elisabete Vila Viçosa tem 32 anos e escolheu dedicar-se à filha quando, há cerca de 5 anos, a empresa onde trabalhava não lhe renovou o contrato assim que percebeu que esta pretendia constituir família. “Ser mãe a tempo inteiro é muito mais do que um emprego, é trabalho real e por vezes muito duro. Após os primeiros três anos de vida da minha filha tentei regressar ao mercado de trabalho, mas sem sucesso. A partir de uma certa idade, e sendo mãe, as nossas prioridades e necessidades não se enquadram no panorama atual. Trabalhar a partir de casa surgiu então como uma opção natural, tendo em conta o meu estilo de vida e os meus conhecimentos.”

No jornal The Sunday Times do dia 12 de março de 2017, David Goodhart relata no artigo “The alpha female is squeezing out families” o resultado de uma sondagem Netmums realizada no Reino Unido. Segundo o autor, em 2006 foram inquiridas 4 mil mães de crianças pequenas e, de entre as que trabalhavam em full time, apenas 12 por cento afirmava estar feliz, enquanto 62 por cento das mães em trabalho part time se considerava muito realizada. Um terço destas mães escolheria permanecer em casa e dedicar-se aos filhos, se a sua situação financeira o permitisse.

Licenciada em Animação Educativa e Sociocultural, com uma pós-graduação em Marketing, Elisabete trabalhou em várias áreas, desde o marketing à comunicação, gestão de conteúdos para redes sociais e área comercial, prospeção de mercado e gestão de clientes. “Já em casa, trabalhei em assessoria de comunicação e escrevi para um jornal nacional uma série de crónicas acerca das tribulações citadinas de uma mãe jovem.”


Um grande investimento emocional aliado à esperança de sucesso


Mas a tarefa que Elisabete tem atualmente em mãos é a mais importante de todas, na qual deposita um grande investimento emocional aliado à esperança de sucesso. “Estou a desenvolver um projeto que alia a jardinagem ao mundo da fantasia infantil. Desenvolvo e crio mini-jardins mágicos com plantas de fácil trato para os mais pequenos – a Mini Mô Gardens.”

Ser profissional dentro de portas

Elisabete não podia estar mais feliz com a sua opção, mas tem noção de que há algumas dificuldades quando se domicilia a vida profissional. “Desde logo, há que estipular um local específico para desenvolver as nossas tarefas (que, idealmente, não deverá ser perturbado pelos outros elementos do agregado familiar!) e depois um horário mais ou menos rigoroso – mas flexível, claro, o que o torna um verdadeiro exercício de acrobacia temporal. Há sempre mais tarefas e interrupções extra em casa do que num local de trabalho tradicional, mesmo sem contar com as crianças. Nem que seja ir abrir a porta ao carteiro! É-nos exigida uma organização e um planeamento escrupuloso para evitarmos a nossa própria dispersão.”

E é aí que entra o apoio familiar. “Trabalhar pontualmente a partir de casa sempre é melhor do que não trabalhar de todo, por isso o apoio da família surge naturalmente. Consciente das atuais condições de trabalho, o meu marido sempre me apoiou, aliás, foi muitas vezes meu cúmplice nestas aventuras. E mesmo agora, com a Mini Mô Gardens, todo o seu apoio é fundamental. Tal como eu, também ele trabalha em casa e o saber dividir tarefas e partilhar o mesmo espaço (de trabalho e também de vida familiar) 24 sobre 24 horas é um desafio possível graças à ajuda e respeito mútuos.”

O malabarismo do tempo

Quando questionada sobre as vantagens de trabalhar a partir de casa, Elisabete não hesita. “Uma das que me ocorre de imediato é a gestão de tempo. No entanto, essa gestão é na verdade também o maior desafio. Num escritório, o tempo útil de trabalho concentra-se nas horas em que lá estamos. No nosso caso, estamos sempre no «escritório», o que nem sempre é muito produtivo. Mas fazer as coisas ao nosso ritmo, conforme as nossas necessidades, não ter de depender de mais ninguém diretamente, sobretudo quando estamos a desenvolver um projeto pessoal em que acreditamos, é uma grande mais-valia. A outra vantagem mais óbvia é o aproveitamento das possibilidades oferecidas pela internet, desde a comunicação e publicidade à pesquisa e desenvolvimento, passando pelo serviço ao cliente, tudo centralizado a partir de casa, no horário que nos for mais conveniente. Na verdade, talvez por me ter vindo a habituar, mal sinto saudades de um ambiente de trabalho tradicional e do stress que lhe está associado. Excetuando, naturalmente, o convívio com os colegas e amigos. Mas esse convívio, ainda que menos regular, é de ouro quando acontece fora do âmbito de trabalho.”

Esta liberdade na gestão de tempo pode tornar-se inimiga da perfeição quando a organização não é calculada ao milímetro. “Impor-nos a nós próprias um horário ou ritmo de trabalho não é nada óbvio, pela força de vontade que tal implica. E enquanto isso não acontece, pode ser muito complicado, pois podemos convencer-nos de que temos tempo para tudo e que antes de nos deitarmos ainda conseguimos acabar aqueles dezassete assuntos que ficaram ligeiramente pendentes durante o dia… Outra desvantagem é, sem dúvida, a incerteza que subjaz ao trabalho. Em regime freelance tudo pode ser uma incógnita, desde o feedback inicial (motivador ou corretor) à resposta do próprio mercado, passando pelas dúvidas existenciais sobre estarmos a gastar o nosso tempo na coisa certa! E no meu caso, em que estou com um projeto tão embrionário, é um apostar tudo (mesmo financeiramente) sem qualquer garantia de retorno.”

Elisabete não tem dúvidas de que fez a melhor escolha, e acredita que todos beneficiam da mesma. “Acredito que uma mãe confiante e sem o desgaste causado pelo stress derivado do seu emprego fora de casa consiga estar mais em pleno com os seus filhos. E o nosso tempo e disponibilidade mental são o maior bem que podemos dar aos pequenos. Enquanto mãe e esposa, (acho que) sou mais e melhor estando em casa, mas quero trabalhar muito para conseguir crescer enquanto profissional neste novo desafio que eu própria me lancei.”

“Primeiro estranha-se, depois entranha-se”

Durante o seu dia de trabalho, Mafalda Galamas não tem mãos a medir. Licenciada em Comunicação Social na vertente Jornalismo Internacional, aos 38 anos Mafalda acumula a sua atividade jornalística em regime freelance com outras tão distintas como a de consultora de decoração de interiores e gestora da sua unidade de alojamento local. Tudo a partir de casa. O que a levou a trabalhar de forma independente foram motivos alheios à sua vontade, pelo menos inicialmente.

“Integrava a redação de uma conhecida revista mensal que tem vindo a sofrer restruturações na tentativa de reduzir o número de funcionários. Num desses momentos, ‘calhou-me a mim’. Independentemente de a decisão ter sido tomada com base noutros motivos ou avaliações, soube-o, coincidentemente, quando estava já em casa, a 15 dias de nascer o meu primeiro filho. Fui contactada telefonicamente pela minha diretora de então. Tendo em conta que a isto sucedeu-se o parto e a licença de maternidade, etc… Diria que a decisão ganhou forma em termos práticos apenas depois de ter sido mãe.”

Mas, o que antes lhe parecia estranho, depressa se entranhou. “Eu, que nunca me havia imaginado a trabalhar a partir de casa, devo reconhecer que rapidamente me adaptei aos benefícios que esta condição profissional traz. Se a pessoa for responsável e, sobretudo, disciplinada, é maravilhosa a possibilidade de sermos donas do nosso tempo e, consequentemente, das nossas vidas. A minha responsabilidade faz-me assumir um qualquer compromisso com a certeza de que irei conclui-lo seja entre as 9h e as 18h, ou a partir da meia-noite, quando os meus filhos estiverem a dormir (hoje já são dois…). É inegável o conforto e segurança que sentimos pelo facto de não necessitarmos de dar conta a terceiros de TODOS os passos da nossa vida – muitas vezes como se estivéssemos a pedir um enorme favor, levando com a «má cara» ou comentários infelizes de chefias ou colegas. Atualmente, sei que ir a uma consulta de pediatria, resolver um problema às finanças ou, simplesmente, ficar com os meus filhos em casa porque estão doentes, não vai ser motivo de stress ou angústia. E que o facto de, num determinado momento, dar prioridade a questões familiares não faz de mim pior profissional ou irresponsável. O saber que qualquer uma destas coisas é conciliável com a minha atividade profissional – mesmo que em horários pouco convencionais – é absolutamente tranquilizador.”

Ser mais mulher, melhor mãe e profissional

Em 2011, um inquérito do Centre for Social Justice apurou que 88 por cento das mães admitiu que a fragilidade da condição financeira foi a principal razão que as fez regressar ao trabalho depois da licença de maternidade. Apesar de considerar que é no fator financeiro e na sua instabilidade que reside a grande desvantagem de trabalhar a partir de casa, Mafalda sente também saudades do fator humano. “Ainda sinto falta do ambiente de redação, do convívio entre colegas onde as conversas são habitualmente enriquecedoras, e muitas vezes divertidas… Embora rapidamente pense que o facto de trabalhar à distância torna os meus dias mais produtivos e que este convívio é facilmente colmatado nos serviços em que me são exigidas entrevistas, lançamentos, ou até o contacto com clientes, como são o caso das minhas novas áreas de negócio.”

Mas não há dúvida que os ganhos superam as perdas, e Mafalda enumera-os sem hesitar, colocando o foco no ponto mais importante: o fator familiar. Outra sondagem da Netmums a 1300 mulheres referida no The Sunday Times quis saber o que significava atualmente para elas o feminismo: mais de dois terços responderam que o maior desafio do feminismo nos dias de hoje seria repor o valor da maternidade, com apenas um terço considerando que seria aumentar o número de mulheres na política. E Mafalda compreende e corrobora.

“Enquanto mãe os ganhos são incomensuráveis, sobretudo nos primeiros dois anos de vida da criança. Quer para nós, quer para elas. Deixá-los no infantário aos quatro, cinco ou seis meses de idade é, para a maioria das mães, um mal necessário. Felizmente, tive a oportunidade de colocar os meus filhos na escola apenas aos dois anos e meio de idade, (com o segundo acontecerá apenas em setembro), e a tranquilidade que nos dá a nós, mães, saber que vão apenas numa fase em que anseiam desenvolver-se e crescer na sua relação com o outro, sabendo pronunciar as primeiras palavras e mostrar o seu contentamento ou desagrado com algo, é enorme. Já enquanto profissional, os ganhos são medidos numa outra perspetiva. Degrau a degrau senti-me obrigada a aprender coisas novas, a fazer mais e melhor para chegar aos mesmos resultados. E hoje, o conjunto de habilidades que reúno tem um alcance muito maior do que se tivesse continuado a desempenhar as mesmas funções de antes.”

Mafalda destaca também uma maior realização enquanto mulher. “Acredito que ter ficado a conhecer-me melhor profissionalmente faz de mim alguém mais seguro das suas (in)capacidades. Conhecermo-nos bem, percebermos o que sabemos fazer ou aquilo em que somos mais fracos e no que devemos melhorar é um ganho para qualquer pessoa e profissional.”

Correr em busca de mais tempo

Rita Almeida Simões tem 34 anos e é licenciada em Estudos Portugueses, com pós-graduação em Edição de Texto. Sempre dedicou a sua vida às letras e, apesar de em tempos ter sido também atleta semiprofissional, a sua carreira está há muitos anos focada na revisão linguística e na tradução. Começou por trabalhar por conta de outrem, mas o desejo de ser dona do seu tempo falou mais alto e a experiência foi sol de pouca dura. “Lembro-me de, no meu primeiro trabalho numa editora, ter visto um dia um revisor externo vir entregar umas provas, trocar dois dedos de conversa com o editor e sair. Pensei imediatamente que era uma bela profissão: trabalhar com livros, com a língua, e dispor do próprio tempo. E a verdade é que trabalhei mais um ano como revisora interna noutra editora, até que, para conseguir conciliar melhor o trabalho e o atletismo, me despedi e me lancei como freelancer. Ainda não sonhava sequer ter filhos e foi uma decisão pessoal. Queria, acima de tudo, ter tempo para os meus treinos e poder acompanhar o meu marido, que viajava muito em trabalho.”

Para Rita, o conceito de liberdade tornou-se uma realidade concreta desde que abraçou esta opção e, apesar de sentir falta do convívio direto com colegas e autores, as vantagens são impagáveis. “Tenho a liberdade de planear férias fora da época habitual, de acompanhar o meu marido quando ele viaja (agora levamos o nosso filho), de trabalhar às horas que quero e onde quero. Embora acabe por fazer um horário de trabalho relativamente rotineiro, alivia-me não ter de pensar «amanhã, às 9h, tenho obrigatoriamente de estar em tal sítio». Alivia-me não ter de lidar com os problemas comuns quando se trabalha numa empresa, não ser obrigada a pedir autorização a nenhum superior para ir ao médico, tirar férias, ficar em casa com o meu filho doente, fazer um fim de semana alargado de férias, etc.”

Ao contrário de Mafalda, depois de ser mãe e terminar a sua licença de maternidade Rita optou por retomar a sua rotina habitual de trabalho sem interferências e preferiu colocar o seu filho no infantário, ajustando os seus horários de forma a passar com ele o máximo de tempo de qualidade possível. “Não conseguia nem queria misturar as águas e senti que seria melhor para mim, enquanto mulher e profissional, pô-lo no infantário e voltar a ter o meu espaço e o meu tempo de trabalho. Não queria estar com ele sem estar, tê-lo em casa mas ter de estar agarrada ao computador a trabalhar. Não queria que associasse a mãe ao computador. Queria que os meus momentos com ele fossem só nossos e o trabalho não se intrometesse. Assim, pu-lo no infantário quando ele tinha 6 meses e não me arrependo absolutamente nada. Sei que passo mais tempo com ele do que é habitual. Sei que é um privilégio poder deixá-lo às 9h e ir buscá-lo às 16h30 e, se for preciso, trabalhar depois de ele estar a dormir à noite. Sei que a maioria dos pais vai buscar os filhos às 19h e tem muito pouco tempo diário com eles de pura brincadeira. Eu tenho isso e não o trocaria por nada.”

Um escritório portátil

Mas Rita sabe que nem tudo são rosas, e confessa que trabalhar a partir de casa pode também ser complicado, tanto em termos financeiros como pessoais. “Embora não sendo freelancer, o meu marido também não tem um horário de trabalho das 9h às 17h e, ocasionalmente, damos por nós a invejar as pessoas que o têm e que dispõem de verdadeiros fins de semana, feriados e noites. Trabalhar em casa significa estar sempre a ver o trabalho olhar para nós da secretária e saber que, se não o fizermos, não recebemos. É preciso travar o impulso de passar noites e fins-de-semana a trabalhar. Do ponto de vista financeiro, embora a minha remuneração média seja igual ou até superior ao que receberia estando a trabalhar como dependente, não é fixa e acarreta muitas obrigações fiscais, além de um peso enorme em impostos. Mas, apesar de tudo, do que mais sinto falta é da convivência com pessoas. Tento colmatar isso indo o mais que posso às editoras para as quais trabalho e conversando com colegas e amigos. E também tento sair de casa e trabalhar em bibliotecas públicas e cafés, por exemplo, combinando tardes de trabalho com amigas freelancer ou mesmo sozinha, simplesmente por atravessar um momento em que me dá gosto trabalhar rodeada de pessoas, mesmo que não fale com elas.”

No entanto, Rita teve já a prova de que não se arrepende de ter escolhido este estilo de vida, e tão pouco conseguiria abdicar dele. “Há poucos anos, tive um convite para regressar a uma editora. Como adorava a editora e as pessoas que lá trabalhavam, achei que não podia perder a oportunidade. Além disso, estava a passar por um período de algum cansaço por passar os dias a trabalhar sempre sozinha e ansiava por chegar às 18h da tarde e não ter nada para fazer. Não aguentei um ano sequer. O meu regresso à «normalidade» das 9h às 18h fez-me ver que tenho mesmo espírito freelancer e não há nada a fazer. O ambiente de trabalho era ótimo e o trabalho em si motivador, mas dava por mim a ter saudades de estar em casa, com o meu chá e o meu tempo e no meu espaço. Custou-me muito, mas despedi-me e retomei a atividade independente.”