Pistorius matou Reeva? E pode mostrar as pernas em tribunal?

Reeva Steenkamp
This is an undated portfolio photo supplied by Ice Model Management in Johannesburg of Reeva Steenkamp, during a photo shoot. Paralympic superstar Oscar Pistorius was charged Thursday, Feb. 14, 2013, with the murder of his girlfriend who was shot inside his home in South Africa, a stunning development in the life of a national hero known as the Blade Runner for his high-tech artificial legs. Reeva Steenkamp, a model who spoke out on Twitter against rape and abuse of women, was shot four times in the predawn hours in the home, in a gated community in the capital, Pretoria, police said. (AP Photo/Ice Model Management) FOR EDITORIAL USE ONLY

O julgamento de Oscar Pistorius voltou a marcar a atualidade na última semana e a mostrar novos aspetos de um processo que parece lançar as suas últimas apostas na capacidade de gerar complacência tanto na barra do tribunal, como na opinião pública.

Na quarta-feira foram divulgadas fotografias explícitas do corpo de Reeva Steenkamp, momentos depois de ter sido assassinada pelo ex-atleta olímpico e seu namorado, em 2013. As imagens foram reveladas a pedido do pai da vítima, que, no dia anterior, solicitou ao tribunal a permissão para que viessem a público. O objetivo da família era o de mostrar ao mundo o que acontece quando alguém usa uma arma de fogo contra outra pessoa.

A juíza Thokozile Masipa aceitou o pedido dos pais de Reeva, interposto pela acusação, e deliberou favoravelmente na mesma sessão em que o procurador Gerrie Nel requereu o aumento da pena de Oscar Pistorius para 15 anos de prisão, por homicídio voluntário.

O atleta tinha sido condenado, em dezembro passado, a cinco anos de prisão por homicídio involuntário, mas o tribunal reviu o veredicto depois de ser solicitada a mudança da acusação.

Pistorius já cumpriu 10 meses da pena a que tinha sido condenado anteriormente, mas a perspetiva de poder passar mais dez anos preso levou o seu advogado de defesa a apostar também numa estratégia com impacto visual. Na mesma audiência de quarta-feira, o antigo atleta retirou as pernas prostéticas para mostrar as dificuldades físicas que tem, numa alegada tentativa de convencer os juízes a não o sentenciarem a uma pena maior.

Oscar Pistorius (REUTERS/Siphiwe Sibeko)
Oscar Pistorius (REUTERS/Siphiwe Sibeko)

O ex-campeão não conteve as lágrimas enquanto andou sem as próteses na sala do tribunal, em frente às câmaras, mostrando ao mesmo tempo a sua debilidade e vulnerabilidade físicas. O momento serviu para o seu advogado, Barry Roux, insistir na tese de homicídio involuntário e na alegação de que o antigo atleta baleou a namorada em legítima defesa, julgando ser um intruso quem estava naquele momento, na casa de banho da sua moradia.

Em contrapartida, as fotos do corpo de Reeva, divulgadas na mesma sessão, mostram a brutalidade dos ferimentos e um hematoma na cabeça. As imagens tinham sido resguardadas anteriormente pelo tribunal para “preservar a dignidade da vítima, mas na terça-feira, durante um depoimento emocionado e desesperado, Barry Steenkamp, o pai da modelo, pediu que todas as imagens fossem divulgadas e os juízes acederam.

Quando, na sessão do dia seguinte, a acusação requereu o aumento da pena de prisão para Pistorius, o procurador Gerrie Nel reforçou que o tribunal devia ter o conteúdo das novas imagens em consideração na deliberação da sentença.

“Quatro balas atravessaram o seu corpo. O tribunal deve ter isso em conta como factor agravante”, defendeu, citado pelo jornal The Independent, acrescentado que “é tempo de as pessoas verem o que essas balas fizeram, o que o acusado fez.”

Pistorius e O.J. Simpson: diferenças e semelhanças

Embora com contornos diferentes, o caso de Oscar Pistorius tem algumas semelhanças com o de O.J. Simpson. Ambos são atletas e gozam de amplo reconhecimento. Se O.J. era um herói na América e o país parou para assistir ao seu julgamento, Pistorius ganhou visibilidade internacional, numa época dominada pelas redes sociais. Primeiro pelos seus feitos desportivos apesar das pernas amputadas, depois, e muito mais, pela acusação de homicídio.

Apesar do tempo discorrido entre os dois julgamentos, há outro traço comum: antecedentes de violência doméstica a pairar sobre os dois acusados e a alimentarem as teses da acusação.

No caso de Oscar Pistorius, alega-se que o homicídio foi voluntário e resultou de uma violenta discussão entre o casal. Os especialistas forenses Calvin e Thomas Mollett analisaram as provas e dizem ter também razões para acreditar que o atleta agrediu Reeva com um bastão de cricket antes de disparar contra ela. As fotos apresentadas na última semana revelam um hematoma na cabeça.

A tese de que Pistorius é uma pessoa violenta e de que não seria a primeira vez que agredia uma namorada foi reforçada em 2014, quando Samantha Taylor, de 20 anos, revelou, numa entrevista ao The Mirror, ter sido agredida pelo antigo campeão paralímpico. Na altura, a jovem contou que durante um ataque de fúria de Pistorius chegou mesmo a esconder a arma deste, temendo pela vida.

Também no caso de homicídio em que OJ Simpson foi acusado pela morte da ex-mulher, Nicole, e de um amigo desta, os antecedentes de violência doméstica formaram um dos alicerces da acusação, liderada pela procuradora do Ministério Público, Marcia Clark.

Nos anos 90, uma mulher liderar uma acusação contra uma estrela desportiva nacional era motivo de escrutínio a todos os níveis, incluindo à sua imagem, como recorda a série de TV “O Caso de O.J. – American Crime Story”, que recria esse processo e que passou recentemente na Fox.

Os argumentos encontraram contudo fragilidades na questão das provas. O tratamento indevido destas e uma corporação policial tendenciosa e racista foram o combustível para a estratégia de defesa que apostou na questão da discriminação racial e falta de idoneidade da polícia de Los Angeles, por oposição à discriminação e violência de género sustentada pela acusação.

O.J Simpson
O.J. Simpson (D.R)

O.J. Simpson foi declarado inocente, acabando por ser preso anos mais tarde por outros crimes.

Já Pistorius conhecerá a sentença final no dia 6 de julho. A pena mínima prevista pela lei sul-africana para homicídio voluntário é de 15 anos, mas os juízes podem decidir por uma pena menor em circunstâncias excecionais ou face a atenuantes.

Se será a deficiência física do atleta ou as fotografias do corpo de Reeva a determinarem o veredicto só dentro de umas semanas se saberá.