“A poesia é nutritiva” e inspira uma nova geração de autoras

“Ser poeta é ser mais alto, é ser maior”. Assim o era para Florbela Espanca, um dos maiores nomes femininos da poesia portuguesa.

No dia mundial dedicado a este género literário, o Delas.pt quis saber o que ele significa para a nova geração de poetas e falou com duas das suas autoras: Cláudia Lucas Chéu e Inês Fonseca Santos.

Se a ambas é difícil explicar o que as leva, em concreto, a escrever poesia, mais fácil é reconhecer a influência que outros poetas tiveram nesse caminho literário.

“Não há exatamente um porquê, mas uma qualquer coisa em mim que se quer transformar em palavras, como disse Paul Claudel. Se as palavras formam um poema, talvez seja porque, antes de ser poeta, sou leitora de poesia. E a poesia é aquilo que me possibilita uma aproximação às essências”, diz Inês Fonseca Santos.

Cláudia Lucas Chéu começou na escrita com o jornalismo, ainda na faculdade, enquanto frequentava o curso de Línguas e Literaturas Modernas. Depois disso, e após se ter formado também como atriz, começou a “escrever para cena” e os primeiros livros que publicou são na área da dramaturgia. Daí para a poesia, a transição fez-se naturalmente.
“Provavelmente, a escrita dramatúrgica é muito próxima da poesia, porque o registo é muito semelhante. E, portanto, essa passagem da dramaturgia para a poesia foi muito orgânica. Claro que já escrevia poesia na adolescência – por brincadeira –, mas essa passagem da dramaturgia para a poesia não consigo explicar. Foi natural.”


Leia o poema inédito que Cláudia Lucas Chéu escreveu para o Delas.pt


Tal como Inês Fonseca Santos, também Cláudia Lucas Chéu é, antes de ser poeta, uma leitora da poesia dos outros. Gosto que tomou na adolescência, logo a seguir a outro.

“Comecei por ler literatura erótica, que é uma coisa muito apelativa para os adolescentes. Li tudo da Maria Teresa Horta, Henry Miller, depois dele fui para o [Charles] Bukwoski, os vários autores que estavam ligados à Anaïs Nin. Depois é que comecei realmente a ler poesia e só mais tarde é que descobri realmente os portugueses. O autor mais marcante terá sido o Al Berto, um dos poemas que mais me marcou, na minha adolescência, foi o ‘Cântico Negro’, do José Régio. Quando cheguei à faculdade, aí sim tive ligação com toda a poesia contemporânea portuguesa.”

Hoje em dia, e ainda que lhe seja difícil escolher favoritos, a autora de ‘Nojo e ‘Trespasse’ destaca Sylvia Plath, Shakespeare e Homero, entre os autores “incontornáveis”.

Incontornável para Inês Fonseca Santos é Manuel António Pina. Ao poeta, desaparecido em 2012, dedica o livro ‘Regressar a Casa com Manuel António Pina’ (2015) e a sua tese de mestrado em Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea.

“Regresso sempre à poesia de Manuel António Pina. Muitas vezes a um longo poema do Pina que se chama ‘Farewell Happy Fields’”, responde a autora, quando lhe perguntamos qual o poema que relê mais vezes.


Na fotogaleria, em cima, pode ler poemas e excertos destas e de outras poetas portuguesas


Num país de poetas, como é costume dizer-se sobre Portugal, nem sempre a expressão encontra correspondência no número de leitores.

O que poderia, então, levar mais pessoas a ler poesia? Para Cláudia Lucas Chéu, a agitação da vida atual, que se estende às artes, pode atrair leitores para este género literário.

“Entrando nesta lógica de fast food cultural, eu acho que a poesia serve muito esse propósito, porque exige um tempo de concentração bastante inferior do que um romance ou alguma coisa mais longa. E depois na poesia há um universo maior de interpretação: do autor, ou seja do sujeito poético, e do leitor. Em termos de alimento intelectual acho que é muito nutritivo – usando uma metáfora culinária. A poesia é nutritiva”, reforça a autora, que está prestes a publicar um livro novo, cujo lançamento acontecerá primeiro no Brasil.

“Chama-se ‘Ratazanas’, vai ser publicado em agosto, no festival de Paraty [no Rio de Janeiro], e a editora é a Demónio Negro”. A temática insere-se dentro das que dominam os seus livros que já publicou e que giram em torno da “família, da volúpia e, eventualmente, da violência”. Este livro está dentro dessas temáticas, embora seja fundamentalmente sobre aquilo que é subterrâneo na condição humana, nos vários contextos”, explica Cláudia Lucas Chéu.

Neste momento, Inês Fonseca Santos também se encontra a trabalhar em dois novos projetos literários: “reunir num volume poemas dispersos” e “terminar um livro que se chama ‘Suite Sem Vista’.

Para a autora, “escrever é sempre uma tentativa. Nunca há garantias”. No mesmo sentido, considera que não há uma fórmula para levar o público a ler mais poesia.
“As pessoas devem ler aquilo que lhes dá prazer e que as intriga, que as interpela, que lhes revela algo mais do que aquilo que a realidade encerra. Se for um poema, melhor.”