Portugal sem primeira-dama. E agora?

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Lisboa, 24/01/2016 - Marcelo Rebelo de Sousa, candidato vencedor das eleições presidenciais de 2016, discursa na sua sede na Faculdade de Direito de Lisboa. (Orlando Almeida / Global Imagens )

Durante a campanha eleitoral para as eleições presidenciais, Marcelo Rebelo de Sousa fez saber que a advogada Rita Amaral Cabral, sua companheira há mais de 30 anos, não desempenharia a função de primeira-dama. É a primeira vez, em quatro décadas de democracia, que tal acontece. O que é que muda? Quase nada.

Na verdade, a função de primeira-dama já tinha a morte anunciada: tal como o presidente eleito, também Sampaio da Nóvoa tinha declarado à comunicação social que a sua esposa não estava disponível para assumir o papel. Marisa Matias e Maria de Belém, ambas casadas, tinham-se manifestado a favor da extinção desta tradição. Dos principais candidatos, apenas Edgar Silva aceitava que a esposa assumisse aquilo que via como uma responsabilidade decorrente da sua possível eleição.

Sem um estatuto definido na Constituição, a existência de uma primeira-dama acabou por ser encarada com grande naturalidade durante os últimos 41 anos e só no início da presidência de Jorge Sampaio surgiria a necessidade de legislar sobre o assunto: no decreto-lei 28-a/96, de 4 de abril, é criado um gabinete para “prestar apoio ao cônjuge do Presidente da República no exercício das atividades oficiais que normalmente desenvolve” constituído por dois adjuntos e um secretário designados de entre os quatro adjuntos e 15 secretários da Casa Civil, que também integra 12 assessores. Os custos são pagos pelo orçamento da Presidência.

Ao longo do tempo, visitas oficiais, receções, atividades culturais e de solidariedade integraram as agendas sempre muito preenchidas das primeiras-damas, também vistas como interlocutoras privilegiadas, como prova o arquivo da Presidência, onde constam inúmeros pedidos de ajuda – para localizar pessoas desaparecidas, no pagamento de consultas médicas, pedidos de emprego e auxílio em conflitos laborais, por exemplo – que lhes foram dirigidos.

E agora?

Vista por muitos como uma tradição com laivos monárquicos, manteve-se ao longo do regime democrático pelo que é natural que o seu desaparecimento crie alguma curiosidade. Como passarão a ser recebidas as primeiras-damas de outros países e quem acompanhará Marcelo Rebelo de Sousa nas suas deslocações oficiais ao estrangeiro? Fonte institucional assegura que a inexistência de quem assuma o papel não cria quaisquer problemas protocolares.

A solução mais comum é os chefes de Estado fazerem-se acompanhar por familiares, por exemplo filhas, irmãs ou sobrinhas: Sergio Mattarella, presidente de Itália há cerca de um ano, é viúvo e surge em cerimónias oficiais com a filha, Laura; e a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, tem viajado na companhia da sua filha Paula.

O futuro presidente português também tem uma filha, Sofia Rebelo de Sousa, que por sinal apareceu na campanha. É Técnica Superior de Educação num colégio católico – para o qual o pai “tanto tem contribuído pedagogicamente”, lê-se numa newsletter de 2015 – e, garantem fontes próximas, até teria vontade e disponibilidade para apoiar algumas causas sociais, assim o pai concordasse. Virá a ser solicitada?

Famílias muito modernas

O protocolo serve exatamente para evitar qualquer tipo de constrangimentos pelo que, com a colaboração de familiares ou sem ela, será sempre encontrada uma solução considerada adequada.

Foi o que aconteceu em situações recentes e até há poucos anos imagináveis, como a participação do primeiro-ministro do Luxemburgo, Xavier Bettel, e do seu marido, Gauthier Destenay, em cerimónias públicas.

Já François Hollande teve de comparecer numa receção aos Reis de Espanha com Ségolène Royal, Ministra do Ambiente além de sua ex-companheira durante longos anos, relação que terminou por ele lhe ter sido infiel, um caso que fez correr muita tinta em França.

Talvez também devido a situações deste género, tem crescido em vários países europeus a ideia de que o papel de primeira-dama não faz qualquer sentido: mulheres (ou maridos) pertencem à esfera da vida privada de quem foi eleito e, portanto, não há motivo para desempenharem funções públicas. E, no caso português, a extinção do gabinete de apoio até pode sair mais barata ao Estado por libertar recursos humanos para outras tarefas da Presidência. Não esqueçamos que a Presidência Portuguesa é mais onerosa para os portugueses do que a Casa Real espanhola custa a nuestros hermanos.