A novela que parou a AR estreou-se há 40 anos

Em 1976, Carlos Cruz, então diretor de programas da RTP, foi ao Rio de Janeiro para se inteirar de como era ‘Gabriela’, que a Globo estreara um ano antes. O “senhor televisão” acabou por comprar esta produção brasileira para ser emitida em território luso. A estreia aconteceu há precisamente 40 anos, a 16 de maio de 1977, já sob o mandato de José Nisa.

Foi a primeira novela a ser transmitida em Portugal e o impacto não se podia revelar menor. Nesse ano, as estatísticas apontam para a existência de apenas 150 aparelhos televisivos por cada mil habitantes, o que obrigou aqueles que não os tinham a deslocarem-se para sítios públicos onde pudessem ver a história escrita por Walter George Durst, adaptada do romance ‘Gabriela, Cravo e Canela’, de Jorge Amado.

Sônia Braga deu vida à mulher do título, rapariga nordestina sofrida, mas alegre, que gostava de seduzir os homens com que se cruzava. A trama ousou misturar sexualidade e política, e os portugueses viram nela aquilo que nunca tinha visto em nenhuma outra produção em TV: o Brasil.

A novela foi um êxito tão grande que a Assembleia da República interrompeu uma das suas sessões para ver o episódio final, emitido a 16 de novembro do mesmo ano.

Gabriela, a novela e a personagem, influenciou toda a sociedade nacional, acabada de sair de mais de quatro décadas do regime de Salazar. Moda, penteados e, principalmente, a linguagem. Para o povo, foi a libertação dos costumes e para os prazeres da vida. Para os artistas, foi o conhecer uma nova forma de fazer ficção, mais desprendida do que a teatral a que estavam habituados.

Isabel Ferin Cunha escreveu ‘A Revolução de Gabriela, o ano de 1977 em Portugal’, publicado em 2002 pelo Instituto de Estudos Jornalísticos da Universidade de Coimbra. Nesse, conclui que temas como igualdade de direitos, direitos das mulheres, violência doméstica ou luta contra o autoritarismo, presentes na narrativa da trama, passaram a ser familiares e abordados mais abertamente em sociedade.

Curiosamente, a cantora baiana Gal Costa, que canta o tema central da novela, uma composição de Doryal Caymmi, tinha sido a escolhida para o papel principal. Recusou, alegando não saber representar.

Além da cantora baiana, a banda sonora contava com pesos pesados da música brasileira, como Maria Bethânia, Djavan, João Bosco, Fafá de Belém ou Alceu Valença.

Aliás, para promover novela, a RTP organizar um espetáculo em Lisboa com Vinicius de Moraes, Toquinho, Maria Creuza e os atores Elisabeth Savala e Fúlvio Stefanini, recebidos por uma multidão no aeroporto de Lisboa: entre eles Mário Soares.

Recorde do jornal ‘O Estado de S. Paulo’, de outubro de 1977

“[Só a Gabriela] realiza o milagre de juntar toda a gente, à mesma hora (incluindo os que consideram o PS o partido mais esquerdista deste mundo e do outro), em frente do televisor e, pelos vistos, por mais que isso nos espante, com sentimentos semelhantes…”, escrevia Mário Dionísio numa crónica publicada no semanário ‘O Jornal’, em agosto de 1977.

Passaram-se 40 anos. A novela mantém-se atual.