Portuguesa e voluntária num campo de refugiados, capítulo II

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Depois de um voo com várias escalas cheguei a Mitilini, capital de Lesbos.
A senhora que tratou de me acomodar falou-me logo de uma portuguesa que vivia há 50 anos em Lesbos e que eu tinha mesmo de conhecer. Tratámos de um encontro para o dia seguinte. Cansada, mas cheia adrenalina, fui espreitar o porto onde partem os enormes ferries apinhados de gente rumo a Atenas. Mas nada. Não vi ninguém à espera de embarcar. Estava muito, muito frio. No dia seguinte descobri a razão de tanta calmaria. Nos dias anteriores à minha chegada, o mau tempo tinha impedido a vinda de barcos. Com vento e chuva a travessia é mais barata e também muito mais perigosa, e são poucos os que se aventuram.
Aproveitei os 2 primeiros dias para me ambientar, antes de “mergulhar” no trabalho. Contactar com a refuGEN, visitar o campo de Moria, Pipka e claro, tratar da conversa com a minha compatriota, a Mariana. Uma alentejana sem formalidades, natural de Beja, com 79 anos que ainda sonha em português.

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De lágrima fácil e sorriso doce conta-me como foi parar à Grécia. Em 1959, depois de terminar a licenciatura em germânicas, recebeu uma bolsa de estudo e foi para a Alemanha fazer um mestrado, onde conheceu o marido. Teve 4 filhos, foi professora de inglês e alemão. É muito crítica em relação à forma como a Europa e a Grécia têm lidado com esta crise. Conta-me que há um ano e meio, quando a ilha começou a ser “invadida” por refugiados, os via a dormir ao relento no centro de Mitilini e lhe cortava o coração assistir àquele cenário e à exploração de que eram vítimas. Se um café normalmente custava 2 euros, era-lhes cobrado 4. Emocionada, diz-me que apesar disto ainda acredita na humanidade. Que o trabalho das centenas de voluntários lhe enche o coração de esperança. “A minha filha disse-me que há aqui gente do Alasca à Nova Zelândia, que veem para aqui por conta e risco só para ajudar”. Abraçámo-nos num até breve.
Depois fui a Moria. Uma antiga base militar com ar de prisão, que o governo grego transformou num campo de refugiados. Estava bom tempo e os autocarros não paravam de chegar.leila 2

É para aqui que são encaminhados os que conseguem chegar a terra para serem registados. Dependendo do afluxo, este registo pode demorar até uma semana. O que se traduz numa estadia infernal. O campo não tem condições para acolher as centenas de refugiados que chegam diariamente.

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O gabinete médico nem sempre funciona 24 horas, não tem tendas suficientes, condições de higiene, etc. E é aqui que entra Better Days for Moria. http://www.betterdaysformoria.com/ onde eu vou trabalhar.
Um campo ao lado do campo, que nasceu da boa vontade de pessoas que frustradas com a burocracia das grandes ONGs tenta fazer a diferença. E faz. É coordenado por voluntários, centenas deles, com a colaboração de pequenas organizações, como a RefuGEN. Aqui vi o melhor e o pior da humanidade. Há palhaços a entreterem crianças exaustas, há médicos 24 horas por dia, uma tenda que distribui refeições quentes, outra vestuário e calçado para quem chega completamente ensopado. Tudo fruto de um esforço e dedicação de pessoas comuns unidas pela vontade em ajudar.
Mas Better Days for Moria não existe formalmente, porque é um embaraço para o governo grego. Porque providencia serviços que Moria não consegue ou não quer dar. Vi também o pior, aqueles que se aproveitam da desgraça outros. Uma enorme indústria. Assim que os refugiados saem dos autocarros lhes tentam vender tudo a preços exorbitantes e a trocar dólares por euros a taxas incríveis. Isto para não falar nos traficantes que lhes venderam a viagem suicida por mil euros. E não há forma de controlar esta indústria. Uma coexistência de vários mundos que se cruzam numa desorganização organizada de miséria humana cheia de humanidade. Contraditório mas real.


Saiba mais sobre esta viagem de Leila Campos, no Capítulo I