PSP: engravidar significa perder um terço do salário

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[Fotografia: J.P. Coutinho/Globalimagens]

A denúncia parte de uma agente e de uma delegada sindical da Polícia de Segurança Pública (PSP). Contas feitas, Marisa Dolores, de 33 anos e até há pouco tempo agente no terreno, revela que “as mulheres perdem cerca de 250 euros (usualmente recebidos por suplementos de turno, patrulha, piquete e comando), um extra ao ordenado base de 800 euros. Isto significa uma perda de cerca de um terço dos rendimentos”, sintetiza ao Delas.pt.

Marisa Dolores tem 33 anos e foi, até há pouco tempo, agente no terreno. Atualmente em Lisboa, esta polícia e delegada da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP) não se cala ante o que ainda está por fazer e lembra que o apoio à maternidade é, neste momento, um dos aspetos mais desiguais vividos no seio da PSP e aponta críticas à Direção Nacional. “A questão da gravidez é péssima”, lamenta.

“Grande parte das mulheres, quando está grávida, acaba por ficar em serviço interno. Por um lado, estão mais resguardadas, mas isso significa perda de rendimentos ou suplementos que são atribuídos quando se está no terreno”, revela.

Um tema que chega em dia de discussão sobre as Mulheres nas Forças de Segurança – um primeiro encontro que decorre esta tarde, 2 de março, no Porto. Polícias e sindicatos debatem o que está bem e o que está por fazer em matéria de igualdade de género nas forças policiais, em particular na PSP, onde há uma mulher por cada dez homens.

Dolores defende que se está “perante um caminho que é preciso de desbravar dentro da instituição” e que coloca as mulheres perante dilemas irreconciliáveis. “Pessoalmente, não sou mãe porque não tenho condições para ser. Vivo sozinha e, com esse corte, não conseguia fazer face às despesas”, exemplifica.

Mas para as agentes que querem a maternidade, há um impasse para resolver: “Como mulher, o que faço? Perco dinheiro e, com isso, a oportunidade de dar melhor qualidade de vida e fico mais tempo com o meu filho? Ou vou para a rua com uma barriga de oito meses? Ou mesmo, após nascido, deixo o meu filho em casa e vou trabalhar?”

A resposta, conta Marisa Dolores olhando para outras agentes, tem sido quase sempre a mesma: “Elas preferem ficar em casa e perder o dinheiro e dar qualidade de vida dos seus filhos.”

Leis protegem, mas não há entendimento

“O parecer 92/2005, no ponto 4, refere que pelo tempo de duração das licenças por maternidade ou paternidade tem lugar o direito à atribuição dos suplementos de comando (salvo se este corresponder ao exercício de funções em substituição), de patrulha, de turno na PSP e de escala na GNR (neste caso apenas na correspondência da regularidade e periodicidade que nesse âmbito tiver assumido a prestação de serviço), mas não é devido o suplemento”, afirma Marisa Dolores. A agente lembra que “este diploma vem dizer que nós, mulheres, não temos de ser penalizadas por estarmos grávidas”.

Porém, não é isso que se verifica na prática. “A Direção Nacional da Polícia tem outro entendimento, considera que os suplementos só podem ser atribuídos com o pressuposto efetivo de tais funções”, confirma a agente, que lembra que há mais diplomas que protegem a parentalidade (Código de trabalho, o Decreto-Lei 89/2009 e Decreto-Lei de 91/2009, além do parecer acima referido).

Creches para colmatar cortes nos rendimentos

Contactada pelo Delas.pt, é esperada uma resposta da PSP sobre estas e outras matérias relativas às condições das mulheres nesta força de segurança.

Mediante o corte nos suplementos, Marisa Dolores apresenta outras soluções:

“Os serviços sociais podiam colmatar esta falha criando um infantário ou creche para complementar esta falha, sobretudo em Lisboa, onde está o efetivo mais jovem, onde não tem estruturas e, lembro, que os agentes começam por ser obrigatoriamente deslocados, não têm redes familiares que os ajudem”, vinca.

Ainda assim, Dolores considera que foram dados “passos de gigante” quando comparada a PSP com outras instituições. “Nós, mulheres, somos tomadas em consideração. Ao nível dos salários ganhamos o mesmo que os homens – portanto, há igualdade -, temos as mesmas oportunidades de acesso às carreiras, tudo isto são pequenos grandes pormenores”, enaltece. “Também não somos despedidas porque ficamos grávidas, temos contratos vinculativos”, lembra, vincando que, nesta matéria, “deve ser cumprido o que está plasmado na lei”.

Sílvia Caçador, Subcomissário no Porto (o cargo não tem feminino) e oradora nesta conferência, concorda: “Estamos em todas as categorias – oficiais, chefes e agentes -, estamos espalhadas pelos vários comandos. Não há qualquer tipo de discriminação desde a avaliação à classificação final do curso”.

[Fotografia: João Girão/Global Imagens]
[Fotografia: João Girão/Global Imagens]
Vestidos balísticos, divãs nos balneários e piadas

Há, contudo, aspetos que é preciso trabalhar melhor. “Os coletes balísticos não são adaptados a nós. Ergonomicamente, são todos igual. Mas para mulheres com o peito maior, isso é complicado. Se usarem um número acima, isso não é um colete, é um vestido balístico”, afirma, com humor.

Outra das reivindicações passa por disponibilizar “camaratas porque nem em todos os locais da PSP existem camaratas femininas e masculinas. Somos muitas vezes obrigadas a alugar quartos, há, até, em Lisboa, uma divisão com cerca de 15 mulheres que dividem um divã no balneário”, exemplifica a agente. É preciso “sensibilizar para algumas matérias”.

Sílvia Caçador acrescenta: “Agora, há setores onde ainda não estamos e que são considerados mais musculados. Há mulheres que concorreram mas não conseguiram ultrapassar as provas físicas. Aqui não há distinção entre homens e mulheres o que me parece bem. Não concordo com a discriminação positiva”, afirma.

Aliás, a subcomissário, cuja mãe também foi polícia, pede um fim para as diferenças dos mínimos exigidos às mulheres e aos homens porque tal é assunto, durante anos, em unidades de segurança e fazendo referência à forma como as mulheres chegam à polícia.

“Acho que essa discriminação positiva devia terminar”, pede Caçador, ressalvando que “nunca se sentiu” distinguida, mesmo tendo sempre “comandado esquadras com risco associado, com investigação criminal, fiscalização e de intervenção rápida. Eu fazia acompanhamento do policiamento no Estádio do Dragão e nunca me foi levantado qualquer problema”, exemplifica.

Algo que Dolores não concorda. “Isso não é uma discriminação. Nós não temos igualdade de acesso, temos equidade porque dificilmente conseguiremos fazer as provas físicas que eles fazem”, refere. Diz até que as piadas partem mais “da velha guarda”, “os mais novos já estão sensibilizados para esta diferença”.

Dentro do universo das graças num mundo frequentemente associados a homens, Sílvia Caçador, releva este aspeto. Não tanto pelo género, mas pela idade:

“Nunca senti discriminação por ser mulher, a maior dificuldade que senti foi quando iniciei o comando das esquadras e era por ser mais jovem, grande parte dos agentes tinha idade para ser meu pai”.

“Há sempre piadas, há sempre falatório…”, suspira Marisa Dolores, lembrando que “até que a determinada altura a menina toma o primeiro passo e, afinal, até é mulher e não há que ter receio”. “Nós temos uma grande necessidade de, no início, ganhar terreno, ganhar a confiança nos nossos colegas. Não é uma posição adquirida, ao contrário da maioria dos meus colegas, em que eles chegam e reinam.”

As mulheres e a humanização das Forças de Segurança

É pela diversidade de competências que as mulheres – uma em cada dez homens – fazem falta às forças policiais. Sílvia Caçador, que apresenta aqueles números relativos a 2009, espera até ver mais elementos do sexo feminino a ingressar nas escolas.

“Somos mais eficazes a dirimir conflitos, a criar elos afetivos, a criar vínculos e é isso que nos diferencia. A nossa forma de intervenção no terreno é sempre diferente”, analisa Dolores.

“O papel da mulher veio humanizar as forças de segurança”, considera Sílvia Caçador, lembrando que a PSP conta com elementos do sexo feminino nas suas fileiras desde 1930.

Estes são alguns dos temas que a ASPP/PSP quer trazer a discussão, tendo a intenção de levar a cabo mais encontros desta natureza.

“No sindicato, representamos homens e mulheres e queremos perceber quais são as dificuldades, especificidades e expectativas que eles têm”, explica Cristiano Correia, responsável de comunicação daquela força sindical e moderador desta primeira edição do Conversas do (bom) Sucesso).

“Quando celebramos o evento à luz das comemorações internacionais do Dia Internacional da Mulher, e tendo esta veia sindical, achamos que, apesar de terem sido adquiridos muitos direitos no sentido da igualdade, é importante olharmos para eles, exercê-los e lembrarmo-nos que nem tudo o que conquistamos é para sempre. Por isso, é tão importante continuarmos a falar neles”, sintetiza.

Imagem de destaque: J.P.Coutinho/Global Imagens